Jacques Cousteau: o legado que ainda nos deve

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Jacques Cousteau: o legado que ainda nos deve

Poucos fizeram tanto pela divulgação da vida marinha quanto Jacques Cousteau. Hoje sabemos: não se protege o que não se conhece. E foi ele quem nos apresentou o mar como ninguém. Por isso, temos uma dívida coletiva com esse visionário. Já passa da hora de o Mar Sem Fim prestar-lhe a homenagem que merece.

Ilustração de Jacques Cousteau
Ilustração: www.penguin.com.au

Nascimento e infância de Cousteau

Jacques-Yves Cousteau nasceu em 11 de junho de 1910, em Saint-André-de-Cubzac, na região de Gironde, sudoeste da França. Era o filho mais novo de Élisabeth Duranthon, herdeira de uma família de proprietários de terras, e de Daniel Cousteau, advogado. Tinha um irmão mais velho, Pierre-Antoine.

Na infância, Cousteau enfrentou problemas de saúde, como anemia e enterite — uma inflamação intestinal que o deixou fisicamente fragilizado. Mas, ainda assim, aprendeu a nadar aos quatro anos de idade.

Em 1918, seu pai foi nomeado assessor jurídico de Eugene Higgins, um rico expatriado americano. A família então passou a acompanhar Higgins em viagens pela Europa, e mais tarde mudou-se para os Estados Unidos.

Foi em Nova York, enquanto estudava na Holy Name School, em Manhattan, que Jacques teve contato mais próximo com o mundo aquático. Num acampamento de verão no Lago Harvey, em Vermont, aprendeu a mergulhar. A paixão pela água começava ali. Aos 13 anos, retornou à França para estudar em um colégio interno na região da Alsácia.

Formação e primeiros anos na Marinha

Em 1930, aos 20 anos, Jacques Cousteau ingressou na École Navale, a tradicional academia da Marinha francesa. Seu objetivo era tornar-se aviador naval, mas o destino seguiu outro rumo.

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Formado como oficial de artilharia, entre 1933 e 1935 participou de diversas missões no Extremo Oriente a bordo do cruzador Primauguet. Durante esse período, foi designado segundo-tenente na base naval francesa em Xangai, na China.

Foi nessa fase, já imerso na rotina militar, que um acontecimento mudaria sua trajetória para sempre: em 1936, sofreu um grave acidente de carro. O impacto afetou seus dois braços, colocando em risco sua carreira de piloto. Foi obrigado a abandonar o sonho de voar — mas encontrou no mar um novo horizonte.

imagem do jovem Jacques Cousteau
Jacques Cousteau ainda moço e já mergulhando. (Foto:ww.faguowenhua.com)

Mais tarde, naquele mesmo ano, fez seu primeiro mergulho com óculos de proteção. Percebeu que havia encontrado sua vocação. Nascia o incansável divulgador da vida marinha.

O casamento, fundamental na vida de Jacques Cousteau

Em 1936, Jacques Cousteau apaixonou-se por Simone Melchior, filha de almirante, com quem se casou no ano seguinte. Mais que companheira, Simone foi essencial no início da carreira do explorador: apresentou-o ao engenheiro Émile Gagnan e ajudou a viabilizar o Aqualung, revolucionando o mergulho.

Também se tornou a primeira mulher da tripulação e, por décadas, assumiu vários papéis a bordo, ganhando o apelido de “La Bergère”, a Pastora. Sem ela, a trajetória de Cousteau talvez tivesse sido bem diferente.

imagem de Simone Cousteau
Simone Cousteau. (Foto:http://www.oceanfutures.org/) 

Os filhos: Jean-Michel e Philippe-Pierre

O casal Cousteau teve dois filhos: Jean-Michel, nascido em 6 de maio de 1938, e Philippe Pierre, em 30 de dezembro de 1940. Ambos nasceram de forma pouco convencional — na própria mesa da cozinha da família.

A influência de Simone na vida da família e na tripulação do Calypso era tamanha que, anos depois, Jean-Michel declararia:

“Ela era a verdadeira capitã do Calypso e passou mais tempo no navio do que meu pai, meu irmão e eu juntos.”

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Cousteau na Segunda Guerra Mundial

No início da Segunda Guerra, Jacques Cousteau servia como oficial de artilharia da Marinha Francesa. Participou da ofensiva contra a base naval italiana em Gênova, ainda nos primeiros anos do conflito. Mas sua trajetória mudou novamente com a queda da França, em 1940.

Com a ocupação nazista e o estabelecimento do regime de Vichy no sul do país — colaboracionista com os alemães — Cousteau ficou profundamente abalado. Apesar disso, permaneceu na ativa e foi recrutado para o serviço de inteligência, passando a trabalhar diretamente com a Resistência Francesa, em operações contra o serviço secreto italiano.

Por sua atuação, foi condecorado com a Croix de Guerre (Cruz de Guerra), uma das principais honrarias militares da França.

Primeiro prêmio e um irmão renegado

Em 1943, Cousteau recebeu seu primeiro reconhecimento no cinema pelo curta Par dix-huit mètres de fond, realizado no ano anterior com Philippe Tailliez e Frédéric Dumas, sem uso de equipamento respiratório. As imagens foram feitas com uma câmera adaptada em estojo especial, criado pelo engenheiro Léon Vèche — um marco técnico e visual para a época.

Mas nem tudo eram conquistas. Durante a guerra, Cousteau rompeu com o irmão Pierre-Antoine, escritor que apoiava o regime de Vichy e publicava textos antissemitas. Condenado por colaboração com o inimigo após a guerra, Pierre-Antoine teve a pena comutada, mas Jacques jamais retomou contato com ele.

Pós-Guerra: ciência e mergulho a serviço da Marinha

Com o fim da Segunda Guerra, Cousteau passou a se dedicar à pesquisa subaquática. Em 1946, ao apresentar o filme Épaves ao almirante Lemonnier, impressionou a Marinha Francesa, que o encarregou de criar o GRS, primeiro grupo oficial de mergulho da instituição, embrião do atual CEPHISMER .

Dois anos depois, liderou uma expedição no Mediterrâneo com sua equipe a bordo da chalupa Élie Monnier. Em 1949, participou do resgate do batiscafo FNRS-2, permitindo à Marinha francesa construir o FNRS-3, avanço decisivo na exploração das profundezas.

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Com o fim da Segunda Guerra Mundial, Jacques Cousteau iniciou uma nova fase de sua vida, agora dedicada integralmente à pesquisa subaquática. Em 1946, ele e seu companheiro de mergulho Philippe Tailliez apresentaram ao almirante Lemonnier o filme Épaves (Naufrágios), uma produção inovadora que combinava técnica cinematográfica e exploração submarina.

1950: o Calypso entra na vida de Jacques Cousteau

Em 1950, aos 40 anos, Jacques Cousteau fundou as Campanhas Oceanográficas Francesas (FOC) com um sonho ambicioso: levar as câmeras para o fundo do mar e mostrar ao mundo a vida subaquática como nunca antes.

Já reconhecido por suas contribuições ao mergulho e à pesquisa, compartilhou seus planos com o filantropo britânico Thomas Loel Guinness. Empolgado, Guinness decidiu apoiar o projeto de forma extraordinária: adquiriu um velho caça-minas da Marinha norte-americana, convertido em navio civil após a guerra, e o disponibilizou para Cousteau por um valor simbólico — 1 franco por ano.

imagem do caça- minas que se tornaria famoso como Calypso, navio de jacques cousteau
O caça- minas que se tornaria famoso como Calypso. (foto:fr.wikipedia.org)

Nascia assim o lendário Calypso, que Cousteau transformaria em um laboratório flutuante, equipado para mergulhos profundos, filmagens, estudos oceanográficos e missões de pesquisa em alto-mar.

imagem do casal Cousteau a bordo do0 Calypso
O casal Simone e Jacques Cousteau. (Foto:http://www.oceanfutures.org/)

Mas ter o navio era só o começo. Faltava quase tudo: equipamentos, combustível, equipe. Para levantar os recursos, Cousteau recorreu a subsídios do governo francês, buscou patrocínios privados, e até implorou a fabricantes por doações de materiais. A dedicação da família foi além: sua esposa, Simone, vendeu joias de família para abastecer o Calypso para a primeira expedição.

O barco, simples na origem, seria em breve reconhecido no mundo inteiro como símbolo da exploração dos oceanos.

Para arrecadar mais dinheiro, ele e Frédéric Dumas lançaram…

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1953: o primeiro livro e uma intuição brilhante

Em 1953, Jacques Cousteau lançou The Silent World (O Mundo Silencioso), seu primeiro livro, que rapidamente se tornou um sucesso internacional. A obra combinava relatos de expedições com observações pioneiras, como a de um grupo de botos que acompanhava sua chalupa rumo ao Estreito de Gibraltar.

Ao mudar levemente o rumo do barco, Cousteau percebeu que os animais retomavam o centro do canal, sugerindo que seguiam rotas submarinas com base em algum tipo de orientação acústica — uma ideia inovadora à época e confirmada anos depois pela ciência.

Com mais de 5 milhões de cópias vendidas, o livro segue influenciando gerações de mergulhadores e defensores do oceano. Essa simples experiência levou Cousteau a uma conclusão notável para a época: os cetáceos tinham a capacidade de localizar e seguir rotas submarinas com precisão, algo semelhante ao que os submarinos recém-desenvolvidos começavam a usar — o sonar.

Primeiras viagens com o Calypso e os novos horizontes

Em 1955, Jacques Cousteau iniciou uma das mais importantes fases de sua carreira. O Calypso partiu em uma expedição de 13.800 quilômetros, cruzando mares e continentes para realizar filmagens subaquáticas em locais até então pouco explorados. Dessa jornada nasceu a versão cinematográfica de seu livro The Silent World — um marco no cinema documental.

imagem do Calypso, de Jacques Cousteau

O filme foi lançado em 1956 e imediatamente aclamado pela crítica. Cousteau recebeu a Palma de Ouro no Festival de Cannes e, no ano seguinte, o Oscar de Melhor Documentário. Era o reconhecimento internacional de uma visão inédita: mostrar ao grande público a vida nos oceanos como nunca se tinha visto.

No mesmo ano, 1956, Cousteau se aposentou oficialmente da Marinha Francesa com o posto de capitão de corveta. Em 1957, assumiu a direção do prestigiado Instituto Oceanográfico de Mônaco, onde passou a coordenar pesquisas de vanguarda.

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Foi também em 1957 que iniciou o Conshelf Saturation Program, um projeto ousado que pretendia comprovar que seres humanos podiam viver e trabalhar em habitats submersos. A ideia parecia saída da ficção científica — mas funcionou. O experimento inspirou diversos laboratórios submarinos nas décadas seguintes, e serviu de base para o documentário World Without Sun, lançado em 1964.

Hoje, desses laboratórios, apenas um segue em operação: o Aquarius Reef Base, localizado no litoral da Flórida, ainda utilizado para pesquisas científicas e treinamentos da NASA.

1957: o primeiro Oscar de Jacques Cousteau

Em 1956, Jacques Cousteau lançou seu primeiro grande documentário em cores, The Silent World, baseado em seu livro homônimo. Pela primeira vez, o público viu imagens nítidas e coloridas do fundo do mar — algo surpreendente na época. O filme foi um sucesso mundial, vencendo o Oscar de Melhor Documentário e a Palma de Ouro em Cannes em 1957.

O impacto levou Cousteau à televisão. Em 1966, estreou o especial O Mundo de Jacques-Yves Cousteau, que deu origem à série O Mundo Submarino, exibida por mais de uma década. Em 1977, com Cousteau Odyssey, ele passou do deslumbramento à defesa do oceano, abraçando de vez o ativismo ambiental.

1960: segundo Oscar, capa da Time e reconhecimento global

O ano de 1960 marcou não apenas o 50º aniversário de Jacques Cousteau, mas também mais uma conquista cinematográfica. Seu curta-metragem The Golden Fish venceu o Oscar de Melhor Curta-Metragem, consolidando de vez sua posição como referência mundial na divulgação da vida marinha.

imagem da capa da revista Time com Jacques Cousteau

Nesse mesmo ano, Cousteau estampou a capa da revista Time — um sinal claro de que sua influência ultrapassava os círculos científicos e ganhava o mundo. Na entrevista, ousou uma previsão futurista: que um dia as pessoas poderiam ter brânquias implantadas cirurgicamente para viver debaixo d’água. Era a mente de um visionário, sempre um passo à frente da ciência.

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imagem de Jacques Cousteau e John kennedy

O reconhecimento institucional também não tardou. Em 1961, o então presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy, concedeu a Cousteau a Medalha de Ouro da National Geographic Society, uma das mais altas honrarias da instituição, pelo seu trabalho pioneiro na exploração e educação sobre os oceanos.

Cousteau não era mais apenas o homem do mar — agora era uma figura de escala planetária, símbolo de inovação, imaginação e compromisso com o futuro da vida marinha.

A primeira grande campanha ambiental: contra o lixo radioativo no mar

Em outubro de 1960, Jacques Cousteau travou uma de suas primeiras batalhas públicas em defesa do oceano — e venceu. O alvo era o Comissariado de Energia Atômica da França (CEA), que planejava despejar uma grande quantidade de rejeitos radioativos no Mar Mediterrâneo, entre Nice e Córsega.

O CEA afirmava que a operação era apenas “experimental” e alegava que oceanógrafos franceses, como Vsevolod Romanovsky, haviam aprovado o procedimento.

Mas Romanovsky, ao lado de cientistas renomados como Louis Fage e o próprio Cousteau, repudiou publicamente a afirmação. Deixaram claro que o plano original previa quantidades bem menores e que o Mediterrâneo não servia para esse tipo de descarte.

O argumento técnico do CEA — de que “havia pouca circulação de água na região, portanto pouco risco” — perdeu credibilidade rapidamente, tanto entre os cientistas quanto na opinião pública, que apoiou os oceanógrafos.

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Cousteau então fez o que sabia fazer melhor: comunicar e mobilizar. Em menos de duas semanas, organizou uma campanha midiática poderosa, que acendeu o alarme nacional. O ponto alto veio quando mulheres e crianças sentaram-se sobre os trilhos de trem, bloqueando fisicamente o comboio que levava os resíduos radioativos para o despejo. O trem foi forçado a recuar — e a operação foi cancelada.

Foi uma vitória histórica. Cousteau não apenas evitou uma tragédia ambiental, mas mostrou que a sociedade civil podia e devia reagir quando o mar era ameaçado.

Aldeias submarinas: o sonho de viver no fundo do mar

Durante os anos 1960, Jacques Cousteau deu início a um dos mais ambiciosos projetos de sua carreira: construir habitats permanentes sob a água, verdadeiras “aldeias submarinas” onde seres humanos pudessem viver e trabalhar no fundo do mar.

A iniciativa ficou conhecida como Programa Pré-Continente (Precontinent), e envolveu três grandes experiências:

  • Precontinent I (1962): o primeiro módulo habitável foi instalado a 10 metros de profundidade na costa de Marselha. Dois aquanautas viveram ali por uma semana, realizando testes de permanência e adaptação.

  • Precontinent II (1963): uma colônia submarina mais complexa foi montada no Mar Vermelho, a 11 metros de profundidade. Lá, seis homens viveram por um mês, com apoio de mergulhadores e suprimentos enviados da superfície. Essa missão serviu de base para o documentário World Without Sun, que ganhou o Oscar de Melhor Documentário em 1965.

  • Precontinent III (1965): foi instalada a 100 metros de profundidade na costa da Córsega. As dificuldades técnicas aumentaram, e o tempo de permanência foi mais curto. Mas Cousteau e sua equipe provaram que era possível viver sob pressão em ambientes extremos por períodos prolongados.

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Esses experimentos, embora vistos como utópicos na época, tiveram importantes repercussões científicas. Serviram de base para o desenvolvimento de tecnologias de mergulho de saturação, pesquisas biomédicas e até inspiraram projetos de habitats subaquáticos que ainda existem hoje, como o Aquarius Reef Base, na Flórida.

Cousteau queria provar que o ser humano podia não apenas explorar o oceano — mas habitar seus domínios.

A série O Mundo Submarino de Jacques Cousteau

Na segunda metade dos anos 1960, Cousteau deu mais um passo decisivo para transformar os oceanos em tema de interesse global. Um encontro com grandes redes de televisão americanas — ABC, Metromedia e NBC — resultou na produção da série que marcaria gerações: O Mundo Submarino de Jacques Cousteau (The Undersea World of Jacques Cousteau).

Lançada em 1966, a série construiu com cuidado a figura do comandante de gorro vermelho, inspirado no traje tradicional de mergulho da Marinha. O gorro virou símbolo de Cousteau, conferindo um ar de aventura personalizada aos documentários. O público não via apenas o fundo do mar — via o próprio Cousteau explorando, reagindo, narrando, descobrindo.

imagem de Jacques Cousteau

A série ficou no ar por dez anos, de 1966 a 1976, e conquistou milhões de espectadores em dezenas de países, levando a vida marinha ao grande público de forma contínua e envolvente pela primeira vez.

Em 1977, estreou uma segunda série, The Cousteau Odyssey, exibida até 1982, com foco mais claro na conservação dos oceanos e nos impactos da ação humana sobre a vida marinha. Ao longo dos anos, outras séries e especiais seguiram, todos com o mesmo propósito: educar, encantar e alertar.

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Cousteau havia conseguido o que poucos cientistas ou documentaristas sonham: transformar conhecimento em cultura de massa — sem perder o rigor, nem a poesia.

imagem de Jacques Cousteau na Antártica
Jacques Cousteau na Antártica. (Foto:/www.cousteau.org)

Há 50 anos, Cousteau já alertava: os oceanos estão morrendo

Em 1970, Jacques Cousteau soava um alarme que continua ecoando meio século depois — e não apenas na Europa. Foi ao jornal O Globo, no Brasil, que ele declarou:

“A vida submarina decresceu em cerca de 40% nos últimos cinquenta anos. Mais de mil espécies foram extintas, e a destruição aumenta de ano para ano.”

legendário calypso.
O legendário Calypso.

Cousteau alertava com clareza cirúrgica para os efeitos da poluição marinha, da pesca predatória e da indiferença humana:

“Como consequência da contaminação das águas, os recifes de coral estão diminuindo, espécies inteiras da fauna aquática estão em vias de extinção, e milhares de peixes morrem anualmente pela ingestão de substâncias ou objetos lançados ao mar.”

Seus avisos, no entanto, caíram em grande parte em ouvidos moucos. Já naquela época, Cousteau denunciava que a pesca industrial — sem planejamento e sem limites — era tão destrutiva quanto o lixo tóxico:

“A poluição é geral. Os homens não se dão conta de que as substâncias poluidoras vão parar no mar. E os elementos nocivos que os homens não levam ao mar são carregados pelas chuvas. A pesca em excesso ou não planejada também é uma forma de destruição. Os oceanos estão sendo dizimados.”

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Cousteau dizia nos anos 1970 o que Sylvia Earle repete hoje, com tom igualmente urgente:

“Os oceanos estão moribundos, por culpa dos homens — e a espécie humana não pode sobreviver sem os oceanos.”

Poucos ouviram Cousteau como deveriam. Agora, talvez estejamos ficando sem tempo para ignorá-lo.

Planta do Calypso
Planta do Calypso.

Sylvia não se cansa de repetir que ‘sem o Azul não haveria o Verde”. Mas parte que nossa teimosia insiste em ignorá-los. Até quando?

A perda irreparável: a morte de Philippe Cousteau

Em 28 de junho de 1979, Jacques Cousteau sofreu o golpe mais doloroso de sua vida. Durante uma expedição do Calypso em Portugal, seu filho mais novo e parceiro inseparável, Philippe Cousteau, morreu tragicamente em um acidente de avião ao sobrevoar o rio Tejo. Ele tinha apenas 38 anos.

Philippe era mais do que um filho: era o sucessor natural, o co-produtor de todos os filmes de Cousteau desde 1969, cinegrafista talentoso, mergulhador ousado e defensor apaixonado dos oceanos. Sua morte deixou um vazio que nunca foi preenchido.

Profundamente abalado, Jacques Cousteau voltou-se então para o filho mais velho, Jean-Michel, arquiteto de formação, com quem passou a trabalhar mais diretamente. A colaboração entre pai e filho duraria 14 anos, até que divergências — especialmente em relação ao uso comercial do nome Cousteau — causariam um afastamento definitivo nos anos 1990.

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A perda de Philippe marcou o fim de uma era. E embora Cousteau tenha seguido em frente com coragem, nunca mais foi o mesmo.

Anos 1980: Amazônia, prêmios e diplomacia

Nos anos 1980, Jacques Cousteau realizou uma longa expedição pela Amazônia, onde passou cerca de um ano e meioexplorando a biodiversidade da região — experiência que ele considerou a maior aventura de sua vida. A jornada gerou novos livros e documentários, com logística complexa que envolveu caminhões, tratores e helicópteros.

imagem do Calypso, de Jacques Cousteau, na amazônia
Na Amazônia. (Foto:http://www.sebonascanelasleiloes.com.br/)

Em 1985, recebeu a Medalha Presidencial da Liberdade, maior honraria civil dos EUA, das mãos de Ronald Reagan. No mesmo ano, jantou com Fidel Castro a bordo do Calypso, tentando negociar a libertação de presos políticos.

imagem de carro anfíbio de Jacques Cousteau na amazônia
Carro anfíbio na operação Amazônia

Três anos depois, em 1988, foi eleito para a Académie Française, consagrando-se também no mundo intelectual.

Anos 1990: perdas, conflitos e despedidas

Em 1990, Cousteau enfrentou a perda de sua esposa Simone, vítima de câncer. No mesmo ano, recebeu uma homenagem do músico Jean-Michel Jarre, que lançou o álbum Waiting for Cousteau e compôs a trilha do documentário Palau, o último refúgio.

Em 1991, aos 80 anos, Cousteau casou-se com Francine Triplet, com quem já tinha dois filhos, Diane e Pierre-Yves, nascidos ainda durante seu casamento com Simone. Francine viria a assumir, após sua morte, a liderança da Fundação Cousteau e da Cousteau Society.

A década também foi marcada por conflitos familiares. Cousteau travou uma disputa legal com seu filho Jean-Michel, que queria usar o nome da família em um centro turístico nas Ilhas Fiji — o que o pai considerava incompatível com sua missão ambiental.

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Cousteau e a polêmica do controle populacional

Em 1991, Jacques Cousteau causou controvérsia ao declarar, em entrevista à revista UNESCO Courier, que era a favor do controle populacional como forma de proteger o planeta. Afirmou que o crescimento desenfreado da população colocava em risco o futuro da humanidade.

Um trecho específico da entrevista, citado fora de contexto anos depois, gerou polêmica nas redes sociais por sugerir, de forma hipotética e provocativa, que seria necessário eliminar 350 mil pessoas por dia para estabilizar a população — algo que o próprio Cousteau chamou de “horrível” e “indizível”.

Apesar do tom alarmista, a intenção era chamar atenção para os impactos ambientais do crescimento populacional, tema cada vez mais presente nas discussões ecológicas.

Em novembro de 1991, Jacques Cousteau deu uma entrevista ao UNESCO Courier, na qual afirmou ser a favor do controle populacional humano e diminuição da população (Saiba mais). Um parágrafo da entrevista fez furor nas redes sociais:

O naufrágio do Calypso

Nos últimos anos de vida, Cousteau aconselhou a ONU e o Banco Mundial em questões ambientais. Em 11 de janeiro de 1996, uma barcaça colidiu com o Calypso no porto de Singapura, provocando seu afundamento. Depois, rebocaram o navio de volta à França para restauração.

Morte de Jacques Cousteau

Jacques-Yves Cousteau morreu de ataque cardíaco em 25 de junho de 1997, em Paris, aos 87 anos.

frase famosa de Cousteau
Imagem, Facebook.

Enterraram-no em sua cidade natal, Saint-André-de-Cubzac, que homenageou o maior explorador dos oceanos do século XX rebatizando a rua onde nasceu como Rue du Commandant Cousteau.

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Os descendentes do comandante

O legado de Cousteau segue vivo na família: filhos, netos e bisnetos tornaram-se todos mergulhadores. Este escriba teve o prazer de conhecer Céline Cousteau, cineasta e mergulhadora, em um almoço inesquecível de domingo. Outro neto, Fabien Cousteau, é oceanógrafo e explorador, e dá continuidade ao espírito aventureiro do avô nos mares do século XXI.

Assista ao vídeo que mostra trechos das viagens:

Fontes: https://www.thefamouspeople.com/profiles/jacques-cousteau-8197.php; https://www.cousteau.org/english/the-captain.php; http://mentalfloss.com/article/24361/5-things-you-didnt-know-about-jacques-cousteau; http://www.oceanfutures.org/about/cousteau-family/simone-melchior-cousteau; https://en.wikipedia.org/wiki/Jacques_Cousteau; https://www.famousscientists.org/jacques-cousteau/; http://www.oceanfutures.org/exploration/expeditions; https://blogs.oglobo.globo.com/blog-do-acervo/post/os-oceanos-estao-moribundos-por-culpa-do-homem-alerta-de-jacques-cousteau-completa-50-anos.html.

Aquários, fizemos uma lista com os melhores do mundo

Comentários

22 COMENTÁRIOS

  1. … Inventor, atleta submarino, corajoso, cientista, bandeou-se pro Alcorão, montando assim verdadeiro harém que trouxe conflitos familiares . . . !

  2. Li esse texto com lágrimas nos olhos, das lembranças de quando criança, explorava o mundo por intermédio do velho capitão e sua tripulação. Muito obrigado e descanse em paz capitão Costeau!!!

  3. Não comentaram sobre o Capitão Falco, seu fiel companheiro. Lembro de sabados a noite por volta das 20h00 com meu avó entre os anos de 1977 ate 1980 que eu não perdia um episodio. Desde então se tornou meu idolo e icone de um verdadeiro aventureiro.

  4. Tive o prazer de conhece-lo aqui no Brasil quando veio a convite do entao Governador Luis Antonio Fleury Filho…foi uma honra e uma genuina emoçao !!

  5. Obrigado por nos Trazer a lembrança deste indômito Navegador! Com ele, nos anos 70, adquiri as primeiras noções sobre a fascinante vida marinha. Mais que isto, abriu meus olhos para o vasto mundo, num tempo em que só tínhamos a TV aberta de péssima qualidade e a enciclopédia Barsa!

  6. Tive o prazer de visitar seu parque em Paris em 1989, e o que ouvíamos por todo o parque era: ” les gens protegeaient ceux qu’ils aiment” , as pessoas protegem o que elas amam. Era uma época que adorava mergulhar e aprendi a conhecer e admirar esse homem fantástico.

  7. Interessante, uma detalhada biografia do grande cientista e nem uma linha sequer de sua conversão ao Islamismo. Qual o motivo da deseducada omissão?

  8. Minha filha é oceanógrafa (doutoranda em oceanografia – sistemas costeiros e oceânicos) motivada pelo vídeos de cousteau que assistia na infância .

  9. Sempre assistia aos seus documentários. Naquele tempo não havia tv paga e a boa programação passava na tv aberta (hoje só temos lixo). Bons tempos que não voltam mais!

  10. SORTE. Quem teve a sorte poder assistir aos documentários, redor do mundo, feitos por Jacques Cousteau e equipe. Numa época que não havia NatGeo ou BBC (a cabo) por aqui. O mergulho era aventurar-se no extremo. Jacques Cousteau e Milton Shirata (fotógrafo da 4 Rodas) me levaram pro fundo. Valeu!

  11. Cresci assistindo os documentários dele. Tiveram forte impacto na minha relação e interesse pela fauna & flora, especialmente as marinhas. Sujeito extraordinário que merce todo o respeito.

    • Foi um acidente com seu hidroavião. O avião chocou sua frente com a água do rio tejo e a hélice soltou-se matando o Philip que estava pilotando.

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