A verdade sobre a Escola de Sagres: mito ou realidade?
Este post não pretende contestar a história nem desmerecer mitos que se formaram ao longo dos séculos. A intenção é apresentar aos leitores novas interpretações sobre fatos históricos, sempre com base em fontes confiáveis. Recentemente, em conversa com um conhecido que planejava visitar Portugal para conhecer a famosa “Escola de Sagres”, lembramos que ainda hoje muita gente acredita em sua existência física — com prédio, professores e tudo mais. É um mito persistente, atribuído ao Infante D. Henrique, o Navegador, figura central na expansão marítima portuguesa.

Mas… a escola existiu mesmo? E o Infante, navegava de fato? Chegou a hora de investigar o que dizem os historiadores.
Escola de Sagres: verdadeiro, ou falso?
“É negada a Escola de Sagres. Provavelmente, negada com razão. A Universidade de Coimbra, bem mais antiga, conserva paredes da primeira dinastia. A Batalha, os Jerônimos, a Torre de Belém, sobram para demonstrar que a geração do Infante era de excelentes construtores.”
Mais lidos
Perspectiva Global Sobre A Conservação Da Biodiversidade Com Imagens De SatéliteMartine Grael: brasileira vence SailGP e conquista Nova YorkAlmirante Bouboulina: a grega que brilhou no Mediterrâneo“Como é que em Sagres se haveria erguido uma escola de tamanho alcance, chegando até nós pequenas ruínas inexpressivas?”
As perguntas são do historiador luso Tomaz Ribeiro Colaço, no capítulo dedicado à “escola” no livro O Século dos Descobrimentos (Ed. Anhambi), um dos melhores já publicados no Brasil sobre a epopeia náutica portuguesa e seu contexto histórico.
PUBLICIDADE
É o próprio Colaço quem responde:
“Procuremos na escola de Sagres o parentesco espiritual da expressão ‘escola’ filosófica ou literária; escola de ambição, de entusiasmo, de extralimitação, de sacrifício científico a um ideal.”
Leia também
Naufrágio descoberto pode reescrever a história marítima nórdicaZheng He: o almirante que transformou a China na maior potência naval do século XVConheça o Estreito de Malaca, um dos mais movimentados do planeta
Escola de Sagres: Jaime Cortesão, maior figura da historiografia lusitana referenda: falso!
No mesmo livro, O Século dos Descobrimentos, Jaime Cortesão assina o capítulo O Homem e a Obra, dedicado ao Infante D. Henrique. A seguir, destacamos um trecho fundamental:
Supôs-se durante muito tempo que na Vila do Infante, quer situada no Cabo de S. Vicente, quer no de Sagres, houvesse uma escola náutica, no sentido estrito da palavra, com mestres e discípulos, onde estes fossem instruídos nas regras duma nova ciência de navegação. O melhor conhecimento dos fatos desfez essa crença.
Os perigos da desinformação online
Como o tema é raramente abordado no ensino brasileiro — nem mesmo nas faculdades —, as redes sociais acabam reforçando a ignorância histórica. Sem acesso a fontes confiáveis, muitos acabam repetindo mitos superados há décadas pela historiografia séria.

Ou esta…
E quanto à localização: Sagres?
Quem desfaz essa associação é o próprio Jaime Cortesão. Ele explica:
PUBLICIDADE
“Morreu o Infante D. Henrique, a 13 de novembro de 1460, na sua Vila do Infante, situada, segundo o maior número de testemunhos, no Cabo de São Vicente, saliência extrema do Sudoeste da Península Ibérica e da Europa.”
E complementa:
“Mas seria a Vila do Infante no Cabo de S. Vicente, tal como hoje entendemos este topônimo? Tem-se discutido muito sobre esse problema, situando-a uns naquele cabo, outros no de Sagres ou nas imediações próximas à nascente. Razões de ordem geográfica e náutica e testemunhos coevos inclinam-nos para que a Vila do Infante fosse no Cabo de S. Vicente.”
A Vila do Infante não ficava em Sagres — diz o próprio Infante
E Cortesão continua:
Afigura-se também que as fontes mais antigas sobre a localização da Vila se ajustam melhor ao terreno, tal como acabamos de limitá-lo. Na carta de doação da espiritualidade da Vila do Infante à Ordem de Cristo, o Infante D. Henrique esclarece…
…mandei edificar uma vila no outro cabo que antes do dito cabo de Sagres está, aos que vêm do Poente para Levante, que se chamava Terçanabal, à qual pus nome de Vila do Infante…
A fala do próprio Infante confirma: a mítica
PUBLICIDADE
Cortesão encerra a discussão de forma categórica:
“Segundo, pois, o próprio infante, a Vila foi construída num cabo ao ocidente do Cabo de Sagres, assim designado, e esse ao que nos parece, outro não pode ser senão o de S. Vicente. Nele se vêm localizados ao Cabo de S. Vicente as ruínas do palácio do sr. Infante D. Henrique. Ruínas, por consequência, posteriores ao terremoto de 1755.”
Assim, tanto pela análise documental quanto pela arqueologia, tudo indica que a mítica “escola” jamais existiu em Sagres — e talvez, de forma física, não tenha existido em lugar algum.
D. Henrique, “O Navegador” que pouco navegou
Apesar do epíteto consagrado, o Infante D. Henrique navegou muito pouco. A única expedição marítima registrada em que participou diretamente foi a travessia do Estreito de Gibraltar rumo à vila de Alcácer Ceguer, no norte do Marrocos — então um porto frequentado por piratas e pescadores marroquinos.
Quem relata é Moreira de Campos, no capítulo Expansão Portuguesa em África, do livro O Século dos Descobrimentos. Ele escreve:
“Em 17 de outubro de 1458, largou deste porto o rei D. Afonso V, com seu tio, D. Henrique, levando 26.000 homens de peleja, embarcados em 280 navios de vários tipos. O vento não era propício para atingir Alcácer e toda a armada foi surgir em Tânger.”
PUBLICIDADE
A viagem de Tânger
Depois de discutirem sobre o ataque a Tânger, a que se opôs D. Henrique, “a armada dirigiu-se para Alcácer e a vila foi tomada.”

A viagem de Tânger
Após discutirem a possibilidade de atacar Tânger — decisão à qual D. Henrique se opôs — a armada acabou seguindo para Alcácer, que foi tomada com sucesso. E foi essa sua única jornada marítima documentada.
“Depois da jornada a Tânger, nunca mais ele andou sobre águas do mar. Devem ser horas de entender por que chama o mundo uníssonamente, O Navegador, a um homem que não deserdou a terra firme…”
Tomaz Ribeiro Colaço prossegue com ironia e precisão:
“Antes dele, os navios portugueses iam até ao Cabo Bojador, fronteira das Canárias; sob sua batuta, foram apenas até ao norte atual da Libéria, descrevendo ao longo da costa um arco de círculo afinal escasso. Não faz sentido que sobre tal base, e com artigo definido a conferir supremacia singular, se chame O Navegador a um homem que nunca navegou.”
Henrique, o Descobridor
Tomaz Ribeiro Colaço encerra com uma reflexão certeira:
“Em relação ao Infante, o mundo entendeu e sentiu que tinha de dar-lhe nome universal; como era português, deram-lhe o nome menos expressivo, o que traduzia ação direta. Surgiu esse erro pitoresco de chamar ‘O Navegador’ a um homem que não navegara. O cognome certo seria Henrique, o Descobridor.”
PUBLICIDADE

A importância do Infante D. Henrique e sua Escola de Sagres
Ainda que a escola nunca tenha existido como instituição física, e que o epíteto “O Navegador” não reflita sua experiência prática no mar, os historiadores não retiram o mérito do Infante D. Henrique.
Ao contrário: muitos o apontam como a figura-chave que inspirou, financiou e comandou a expansão náutica portuguesa. A partir deste ponto, não falamos mais de mitos, mas de fatos — e de um legado inegável.
A citação abaixo é uma apaixonada defesa de sua obra:
“Pela unidade de concepção e pela admirável segurança com que foi levada a cabo, é a primeira grande conquista do espírito científico aplicado à política e, se se atentar para as suas incomensuráveis consequências, um dos maiores feitos do gênio humano de todos os tempos. Compreendida assim, a História do Brasil traz-nos ao espírito a noção das nossas responsabilidades numa dimensão universal.”
O autor dessas linhas, Julio de Mesquita Filho — avô deste escriba — usou esse argumento ao apresentar um suplemento especial do Estadão, publicado em 1960, por ocasião do quinto centenário da morte do Infante D. Henrique.
Eram os tempos áureos da imprensa escrita. O Estado de S. Paulo saiu na frente:
“Foi um feito de tamanhas proporções que demonstraríamos incompreensão da nossa História se não convocássemos os maiores vultos da historiografia luso-brasileira a colaborarem na homenagem que prestamos à memória daquele grande da História.”
PUBLICIDADE
O suplemento foi tão bem-sucedido que acabou se transformando em livro: O Século dos Descobrimentos (Editora Anhambi), uma das melhores obras que já li sobre o tema. Entre os autores dos vários capítulos, nomes como Damião Peres, Mário Vasconcelos e Sá, Jaime Cortesão, Sérgio Buarque de Holanda e outros titãs da historiografia.
Um deles, Tomaz Ribeiro Colaço, definiu com clareza o papel de D. Henrique:
“D. Henrique foi o descobridor do Brasil.”
Contestações aos feitos de D. Henrique
Como tudo na vida, a história também evolui. Atualmente, muitos historiadores relativizam o protagonismo de D. Henrique nas grandes navegações, atribuindo os principais méritos ao rei D. João II.
Uma obra recente que aborda esse debate é Escravidão (vol. I), de Laurentino Gomes. O autor cita dezenas de estudiosos que defendem a tese de que o avanço náutico português teria sido impulsionado pelo comércio de escravos africanos — e não apenas pela curiosidade científica ou pelo espírito de conquista.
Para esses historiadores, “Henrique seria um bem-sucedido propagandista de si mesmo”, enquanto o verdadeiro artífice da expansão marítima teria sido D. João II.
Particularmente, temos reservas quanto a essa visão. Ainda assim, julgamos importante apresentá-la, sobretudo por vir de uma fonte respeitada como Laurentino Gomes — e para mostrar que o debate histórico permanece vivo.
PUBLICIDADE
Pequeno vídeo
Assista ao vídeo e conheça mais sobre a obra do Infante D. Henrique — o Descobridor. Mas vale um alerta: esqueça a chamada Escola de Sagres e, também, uma das teses apresentadas na animação — a de que Pedro Álvares Cabral teria “descoberto” o Brasil.
Para Jaime Cortesão, autoridade máxima da historiografia náutica portuguesa, a Terra de Santa Cruz foi descoberta, sem aspas, pelo navegador Bartolomeu Dias, em 1498. A missão de Cabral teria sido apenas a oficialização da descoberta, num gesto político cuidadosamente planejado por Portugal.
No mesmo período, Duarte Pacheco Pereira já havia realizado um périplo pela costa norte do futuro Brasil, do Maranhão até a foz do rio Amazonas. Ambos navegavam em caravelas lusitanas, aprimoradas ao longo de décadas.
A epopeia, segundo Cortesão, é descrita na obra clássica Esmeraldo de Situ Orbis, de Duarte Pacheco Pereira (Os Descobrimentos Portugueses, vol. III, p. 721).

Assista a este vídeo no YouTube
Fonte: O Século dos Descobrimentos, Ed. Anhambi, dezembro, 1961.
Saiba por que o Brasil foi escala, e estaleiro, na era das grandes navegações
Sendo que o tratado de Tordesilhas é anterior a 1498 não me parece fazer sentido a tese de que não se podia politicamente anunciar descoberta do que viria a ser o Brasil. Por outro lado já um navegador Castelhano/Espanhol andará por terras do Brasil antes da chegada tanto de Dias como de Cabral.
Estive em Portugal. E já sabendo que fisicamente nunca existiu uma escola de Sagres fiz uma brincadeira com os amigos. Deixei notificado nas redes sociais que teria ido até Sagres conhecer a tal escola, como não achei nada, para não perder a viagem tomei uma Sagres mesmo.
Um fato que li em algum lugar, quando a lenda é melhor que a realidade, fique com a lenda. As lendas trazem, se não a verdade, pelo menos são sempre mais românticas.
Alguns dos comentários que li aqui são chocantes, pessoas que não estão interessadas em fatos reais mas em lendas que alimentem suas fantasias. Parabéns pela matéria e só para irritar um pouco mais os adoradores do Infante, duas observações adicionais sobre ele: 1) Foi responsável pelo 1o leilão de escravizados da Europa e 2) Era gay, vivia com um “sobrinho” e isolou-se em Sagres para que pudesse viver sua vida em paz (e nunca fundou escola alguma lá, já visitei Sagres e eles lá dão risada dos turistas que chegam perguntando pela escola…).
Bom dia!
Citei seu artigo no meu livro: “Descobrimento” do Brasil: Planejado ou Casual, 2019.
Abraços.
Att,
Amauri Ferreira (Augusto de Sênior)
Independente da escola de navegação portuguesa estar ou não em Sagres, ela existiu e temos como evidencia o gigantesco despegue da arte nautica lusitana, tanto no desenho dos navíos quanto na melhora dos instrumentos e do armamento que tornou a marinha Portuguesa imbativel. Tal desenvolvimento não é possível sem um consorciamento de mentes e compartilhamento de conhecimento de forma consistente e ordenada. Dom Enrique pode que não tenha navegado pessoalmente, mais disponibilizou os medios, recursos e seu comprometimento pessoal que fizeram possível isso e que converteu Portugal na unica potencia naval capaz de navegar em aguas profundas. Dom Enrique merece sim e com justiça o titulo do Navegador
Sei, são os terríveis comunistas que estão mexendo na Escola de Sagres e
não querem que o Infante que não navegou seja Navegador … Ou será que desabafo do sujeito, baseado em seus recalques políticos, não tem nenhuma relevância para o assunto?
Agora, digam-me: fala-se em educação para todos, mas como educar o sujeito que não entende nada do que lê e tem um ataque de raiva quando lhe explicam algo que não sejam seus contos de fada? Por maior que seja a boa vontade do professor, como compensar o défice (ou déficit, como queiram) de QI de alguém assim?
Aiaiai! Começo a ler e sinto o vazio da perda de Sagres e, continuando a leitura, lá se vai o mito D. Henrique. Pronto, quase aos prantos(apesar do prazer por ver uma vez mais, reforçado, o valor do polinésios como “Os navegadores)começo a encontrar alguma confusão no texto e, lá vem, emergindo, D. Henrique e Sagres que acabavam de soçobrar! Pra piorar minha situação de semi-alfabetizado brasileiro, resolvo(como de costume)ler os comentários onde “os feras” debatem o tema! Resta-me, agora, terminar minha jangadinha de “garrafas PET” e singrar os mares apenas com Posseidón/Netuno, Yemanjá/Janayna, alguma Yara e um ou outro deus de origem polinésia. Do mundo físico poderei contar apenas com o Caboclo Bernardo, Thor Heyerdahl e Túpac Yupanqui(sei que já andaram “refutando-os” também)a quem invocar nos momentos difíceis!
Gozados estes comentários. Quer dizer que agora ‘sou comunista’? Vcs são preconceituosos e, como eles, ignorantes; é inacreditável! Dou as fontes de cada declaração. Elas estão nos melhores livros já publicados sobre o assunto, pelos historiadores mais respeitados. A tese nem é tão nova assim. Como disse, um deles foi publicado nos anos 60. Ainda assim sugerem que eu queira ‘acabar com nossa história’. Tem gente que fala na chegada dos lusos no Rio Grande do Norte, demonstrando a mais perfeita ignorância, e desconhecimento dos estudos mais recentes como a tese do Almirante Max Justo Gudes que prova a chegada em Porto Seguro. Outro diz que a proeza teria sito de Colombo… Mas a vasta maioria diz que sou ‘comunista, cínico, mentiroso; e quero ‘destruir nossa história’. É hilário, pra não dizer outra coisa. E um reflexo triste da falta que faz um bom ensino. Eita braziu…
Cada baiano que segure seus balangandãs.
Parabéns. Perfeito comentário.
Principalmente num país onde a “cultura” vem da TV baseada na mulher fruta, no BBB, no Faustão, etc.
Quanto mais ignorante p povo, mais fácil conduzi-lo!
O Infante Dom Henrique fundou a Escola de Navegação de Sagres e pronto. Se ela não existe hoje é outro problema
Revisão histórica – sinto informar, mas, Cabral desembarcou na Bahia mesmo… Tem até aquela história do índio com o qual manteve o famoso diálogo ao chegar em terra…. Como te chamas? -me chamo Bhá… -Bhá, tá vendo aquelas caravelas lá, vai nadando até lá e avisa os marujos que a terra é firme e eu vou escrever um um poema em tua homenagem que imortalizará o teu nome, o poema começará assim,: … e Bhá foi nadando velozmente… Bhá examinou bem a situação, fez as contas da distancia em que estavam as caravelas e devolveu: -meu rei, vamos simplificar… é muito longe e tu vai começar o seu poema de outra forma… e Bhá ia nadando velozmente.
Quem oficialmente descobriu e tomou posse do que hoje e o Brasil foram os espanhois que descobriram a America em 1494 e portanto o Brasil pois o Brasil fazia e faz parte da America.
Sr. Felix interessante seus comentarios.
vc tem fonte segura de que o “descobrimento’ foi no Maranhão?
gostaria de uma referencia de leitura.
grato
Leia: Brasil – Segredo de Estado – do historiador e embaixador brasileiro Sérgio Correa da Costa.
Sintético e perfeito!
Parabéns!
Reportagem fraquinha. Mais uma daquelas que visa nos convencer de que somos inferiores. O fato de Dom Henrique pouco ter navegado não quer dizer que não fosse muito ligado ao fato. O caçador de esmeraldas, o Glorioso Fernão Dias nunca viu uma esmeralda. Marx nunca viu um pais marxista, alias sorte dele. Há inúmeros exemplos de pessoas estudiosas num tema que nunca o aplicaram na vida Prática. Nem por isso podem ser descaracterizadas. Repito, fraquinha a reportagem….
Já li muito sobre este tema, e nunca fui iludido, sempre soube que o infante tinha navegado muito pouco, atribuiram a ele a alcunha de navegador pela sua participação no desenvolvimento da naveegação. Para mim continuara sem Infante D.Henriqie o navegado.
Uma afirmação que demonstra o nosso “Complexo de Vira-Latas”.