Declínio do berçário da baleia-franca e alerta aos atuais locais de avistagem

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Declínio do berçário da baleia-franca (SC) e alerta aos atuais locais de avistagem

Em 2007, fiz minha primeira visita ao litoral de Santa Catarina. Ao consultar o diário de bordo,  meu sentimento à época foi assim expresso: ‘Fiquei surpreso,  com um gosto amargo na boca, ao testemunhar a degradação do litoral. Acredito que ainda há tempo para repensarmos nosso modelo de ocupação, uma vez que o que adotamos já demonstrou sinais de falência. Além disso, outro aspecto que chamou minha atenção foi a aparente indiferença da população catarinense em relação à ocupação predatória, promovida pela especulação imobiliária. Por esta apatia, não me surpreendi em 2013, quando a Justiça proibiu a avistagem na APA da Baleia-Franca devido à falta de regulamentação e às ameaças aos animais. Aproveitamos a oportunidade para alertar turistas e operadoras sobre os locais atuais de avistagem, que se multiplicaram e agora ocorrem em Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Bahia.

APA da Baleia-Franca

A APA, Área de Proteção Ambiental, foi estabelecida em setembro de 2000. Sua extensão abrange 156 mil hectares, totalizando cerca de 130 quilômetros de costa. Ela engloba nove municípios, que vão desde o sul da Ilha de Florianópolis até o Balneário Rincão, em Içara.

APA da baleia-franca

O propósito fundamental da Unidade de Conservação (UC) é a proteção da baleia-franca austral em águas brasileiras. No entanto, é lamentável constatar que esta é mais uma unidade de conservação federal em ambiente marinho que, na prática, parece existir apenas no papel.

Tive a oportunidade de explorar essa unidade de conservação de maneira detalhada durante o período em que estava produzindo a segunda série de documentários para a TV Cultura, em 2012. Naquela ocasião, fiz denúncias relacionadas à especulação imobiliária que estava ocorrendo dentro da unidade, juntamente com outros problemas graves

Denúncias sobre as falhas da APA da Baleia-franca em 2007

Denunciei, também, o fracasso da unidade: “A APA da Baleia Franca existe desde o ano 2000, mas ainda não tem um plano de manejo, essencial para nortear seus usos. E obrigatório por lei, a Lei do Sistema Nacional de Unidade de Conservação, SNUC. Ela exige que as unidades de conservação apresentem seu plano de manejo no máximo cinco anos após sua criação.”

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E comentei: “O turismo de avistagem poderia ser uma opção, gerando empregos para os nativos cuspidos pela engrenagem da especulação. A renda também poderia ser revertida em benefício da própria UC que, com ela, poderia ter mais fiscais, por exemplo. Mas nunca funcionou. Em 2011, só 3 mil visitantes apareceram. Pudera. Não há divulgação em parte alguma. Não se vê placas mesmo dentro da área da APA ressaltando este aspecto.”

Finalmente, aproximadamente um ano após a minha visita, em 2013, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região determinou a suspensão das atividades de observação. Isso ocorreu devido à situação precária da Área de Proteção Ambiental (APA), à falta de fiscalização adequada e aos maus-tratos infligidos por turistas durante os passeios de observação

A reabertura da APA

A proibição do avistamento pelas autoridades judiciais foi uma ação correta. Sem um Plano de Manejo, regras adequadas e fiscalização apropriada, a atividade representava uma ameaça significativa para os animais

Em 2018, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) publicou um texto alertando para os riscos ao berçário, localizado nas enseadas dos municípios de Garopaba, Imbituba e Laguna.

Baleias e seus filhotes são vítimas de muitas fontes de molestamento

“Apesar das legislações vigentes, as baleias e seus filhotes são vítimas de muitas fontes de molestamento oriundas de ações humanas, o que força esses animais a abandonarem o berçário antes do tempo ou mesmo nem chegarem até aqui.”

Segundo a advogada Renata Fontes, representante da ong Acapra, “Esse é o último berçário no Brasil. As baleias-francas já abandonaram as enseadas de São Paulo e Rio de Janeiro. Quando há muita fonte de molestamento, elas abandonam a área. E estamos correndo sério risco de também perder o berçário de Santa Catarina.”

Renata confirma o desleixo de que falamos: “Em 2012 iniciamos a defesa jurídica das baleias, justamente para se opor a esse tipo de turismo. Recebemos a denúncia de que as operadoras não estavam respeitando os 100 metros de distância das baleias, elas chegavam a colocar os barcos em cima dos animais. Mas depois vimos que isso era só a ponta do iceberg. Com o tempo, muita coisa apareceu, como a falta de estrutura, falta de interesse e falta de vontade administrativa da própria APA da Baleia Franca.”

Populações de baleias têm se recuperado

“Graças aos esforços de pessoas sérias e dedicadas à conservação marinha, as populações de baleias têm se recuperado gradualmente de ameaças como a caça, que quase as levou à extinção. Como resultado, hoje a atividade de avistagem de baleias é praticada em cinco estados brasileiros

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No entanto, é essencial que as operadoras de turismo credenciadas exerçam o máximo de cuidado para evitar incidentes semelhantes aos que ocorreram em Santa Catarina em 2013. O texto da UFSC aborda os problemas enfrentados naquela ocasião, mas antes disso, é importante compreender alguns dos hábitos dessa espécie.

As baleias-francas têm a habilidade de se aproximar bastante da faixa de areia e utilizam essa proximidade para proteger seus filhotes, que seriam presas fáceis para orcas e tubarões em mar aberto. Em Santa Catarina, é possível avistá-las a partir das praias e costões a distâncias que variam de 20 a 50 metros.

baleia-franca vista a partir da praia.
Baleia-franca fotografada a partir da praia. Acervo MSF.

Nova Zelândia e Canadá proíbem turismo embarcado em locais restritos

Exatamente por isso, em enseadas pequenas, onde o som reverbera, a comunicação entre mãe e filhote fica extremamente prejudicada quando há impactos acústicos de embarcações. Em alguns países, como na Nova Zelândia e no Canadá, o turismo embarcado em locais restritos já está proibido.

Aí está mais um motivo para jamais se aproximarem a menos de 100 metros dos animais, o que nem sempre acontece, como nos disse o pessoal do Projeto Baleia à vista, de Ilhabela, o novo point de avistagem de jubartes.

Distâncias não respeitadas em Santa Catarina

No litoral catarinense, diz a UFSC,  além de não respeitarem as distâncias estipuladas, os barcos se posicionavam de forma a impedir a movimentação das baleias, que ficavam “presas” nas enseadas.

O alerta dizia ainda que, “Há denúncias de uso de helicópteros, turismo clandestino, limpeza de navios na enseada, jet skis e redes de pesca ilegais. E paralelo a isso a gente vem observando um declínio bem acentuado desse berçário.”

A mesma situação acontece em Ilhabela. Eu vi vários Jet skis durante o passeio de avistagem que fiz recentemente. O Canal de São Sebastião abriga um porto significativo e, infelizmente, a fiscalização muitas vezes é insuficiente. Já testemunhei a limpeza de navios e o despejo de água de lastro e água cinza (ainda mais preocupante) enquanto estavam atracados ou ancorados ao largo.

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No Rio, flagrei um petroleiro lavando seus porões dentro da Baía de Guanabara. Segundo pescadores nativos, trata-se de procedimento comum por absurdo que possa parecer.

Turismo de avistagem de baleias cresce no Brasil

É  importante que o crescimento do turismo de avistagem no País seja acompanhado de conscientização e responsabilidade para garantir a preservação das espécies marinhas. Fazemos este alerta para que não aconteça mais uma vez uma decisão da Justiça pelo fechamento de um deles em razão das ameaças que podem causar.

Além disso, geralmente, o brasileiro não gosta de seguir regras, principalmente no mar onde ninguém está vendo.

O perigo é real para os mamíferos marinhos

É realmente preocupante a quantidade de ameaças que as baleias-jubarte e outros mamíferos marinhos enfrentam em nossas águas. É fundamental que haja um esforço conjunto da sociedade, das autoridades e das operadoras de turismo para garantir a preservação dessas espécies e a manutenção de práticas de turismo responsável. A conscientização sobre o impacto das atividades humanas nos ecossistemas marinhos é essencial para a conservação da vida marinha e de seus habitats.

Em razão destas ameaças, em 2021 mais de 87 jubartes foram encontradas mortas em nosso litoral apenas até julho daquele ano, contudo, o número total deve ter sido bem maior já que os animais ficam por aqui até outubro pelo menos.

Esse post tem o objetivo de alertar as empresas e os turistas. Muita gente se informa em sites como o Mar Sem Fim. Não dá pra aceitar que, só porque ninguém fiscaliza nosso litoral, esses animais, que já passaram por tanta coisa para sobreviver, agora sofram por ignorância. Ademais, não queremos que outra destas novas áreas de avistagem sofra a mesma interdição da APA de Santa Catarina que permanece fechada até hoje.

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