Navio de cruzeiro aporta em NY arrastando baleia na proa
Essa notícia incomum me fez recordar minhas primeiras velejadas nos anos 80, embora eu já navegasse desde o final dos anos 60. Foi paixão imediata. Navegar sem o barulho do motor, sentindo o vento no corpo e percebendo a imensidão do oceano em contraste com a pequenez dos veleiros, mesmo com muita tecnologia, me fascinou desde o início. Nas velejadas, conversávamos sobre histórias do mar. Lembro-me da estupefação ao ouvir sobre um enorme navio que chegou ao porto com vários cabos de aço presos na proa. De onde vieram? Os cabos eram estais do mastro de um veleiro em alto-mar, certamente no piloto automático assim como o navio, mas sem ninguém de vigia. O resultado? O navio passou por cima, destruiu o veleiro e nem percebeu. Com os cetáceos acontece a mesma coisa, vide a baleia na proa do MSC Meraviglia.
Navios estão com a barra suja, sejam cargueiros ou cruzeiros
Estudei o que é, e como age, a indústria marítima mundial. Ela é de vital importância para o comércio mundial, ninguém duvida. Mas seu lado obscuro do grande público é estarrecedor. Um salve-se quem puder, um cartel de armadores que domina o mercado e resiste a qualquer mínima alteração, mesmo provocando brutal poluição do mar e do ar.
Uma indústria que, pelo lucro e menor caminho, não hesita em adentrar áreas protegidas, hotspots da biodiversidade mundial, com imensos navios, grande parte deles com cerca de 300 m de comprimento, (o maior navio do mundo tem quase meio quilômetro de extensão), provocando acidentes que nem percebem. A bioinvasão é apenas um deste problemas.
O sensorex.com divulgou estudos mostrando que a introdução de moluscos invasores nos EUA, via água de lastro, custa cerca de US$ 6 bilhões por ano. Note a cifra: seis bilhões de dólares ao ano só nos Estados Unidos!
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Declínio do berçário da baleia-franca e alerta aos atuais locais de avistagemEngenharia dos oceanos pode minimizar o aquecimento global?Emissões de metano têm aumento recordeMatança de peixes-boi prossegue na AmazôniaO tema da poluição sonora, já discutido nestas páginas, é dramático. A National Geographic confirma: ‘Poluição sonora, incluindo pulsações decorrentes do uso de sonares e pesquisas sísmicas, interferem nas habilidades de comunicação e movimento das baleias, e podem conduzi-las à terra devido à surdez, desorientação ou medo’.
Poluição sonora pode ser uma das causas de encalhe de cetáceos
Em outras palavras, cientistas desconfiam que a poluição sonora provocada pelos imensos navios pode ser uma das causas de encalhes em massa de cetáceos, às vezes com até 300 animais.
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No caso dos navios de cruzeiro, todas as situações negativas da frota cargueira se repetem. Para além disso, cada vez mais estes monstros de ferro navegam no que resta de águas prístinas dos oceanos, no Ártico, e Antártica. E sempre levam consigo a imensa carga de poluição, para não falar na poluição sonora que provocam, muitas vezes estressando e até provocando a morte de mamíferos marinhos. Finalmente, há os atropelamentos no meio de viagens sem que os oficiais sequer percebam que lá na proa há uma carga extra de 50 ou 100 toneladas. É impossível enxergar alguma coisa no mar em cima de algo tão grande e alto. Os maiores como MSC Meraviglia tem a altura de um edifício de 25 andares!
Para encerrar a questão dos cruzeiros, saiba que inúmeras companhias são useiras e vezeiras em infringir legislações ambientais mundo afora. Em 2019 a Carnival Corp., maior linha de cruzeiros do mundo, concordou em pagar US$ 20 milhões em multas (nos EUA) porque seus navios continuavam a poluir apesar de promessas de parar anos atrás. A MSC também já cansou de ser multada pelos mesmos motivos.
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Há tempos cientistas, pesquisadores, ONGs e outras entidades, denunciam esses ‘segredos’ da indústria. Aos poucos eles ganharam a atenção internacional na mídia. Hoje o problema é conhecido e discutido na ONU, e outras organizações mundiais.
Conheça o navio Meraviglia da MSC Cruzeiros
O MSC Meraviglia é o quinto maior navio de passageiros do mundo. Foi construído em 2017 pelo estaleiro STX Europe em Saint-Nazaire e é operado pela MSC Crociere. Ele tem uma capacidade de 4.500 passageiros. Algumas da colossais dimensões incluem 316 m de comprimento, com equipe que inclui 1.536 tripulantes.
80 mil navios pelos oceanos
A Bimco, maior organização de associação direta do mundo para armadores, afretadores, corretores de navios e agentes, estima que em 2021 existiam 74.505 navios de carga nos mares do planeta.
Enquanto isso, o www.cruisemummy.co.uk, que produz estatísticas de navios de cruzeiro, informa que em 2022 havia 323 navios embalando turistas mares afora. E apesar da enormidade destes números, a tendência é aumentar ainda mais já que cerca de 90% do comércio mundial é feito através de navios.
Oitenta mil navios, sem contar os milhares de barcos e navios de pesca que navegam continuamente atrás de cardumes.
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Agora, sabendo o tamanho da frota mundial, imagine quantos acidentes acontecem todos os anos? Ninguém sabe exatamente, mas há estimativas. O premiado cineasta Philip Hamilton, cujo documentário, Collision, explora por que estes acidentes acontecem, não arriscou um número mas citou ‘milhares de cetáceos’ por ano.
Fontes citam 20 000 mortes por ano
Em setembro de 2023 o documentário de Hamilton teve uma seção especial na sede da UNESCO com a presença do diretor. O convite era para uma Exibição Especial do premiado documentário “Colisão”: Reduzindo os Impactos do Tráfego Marítimo na Biodiversidade Oceânica, com isso se vê a importância do tema.
Já o Inside Climate News foi direto: Estima-se que os navios de transporte marítimo, de cruzeiro e de pesca atinjam mortalmente cerca de 20 000 baleias por ano em todo o mundo. Nos Estados Unidos, 80 baleias ameaçadas de extinção são mortas no mar todos os anos ao largo da costa ocidental e mais de um terço de todas as mortes de baleias francas do Atlântico ao longo da costa nordeste podem ser atribuídas a colisões com navios.
20 000 mil baleias por ano, para uma espécie recém-saída da ameaça generalizada de extinção, é demais.
Assista ao trailer de Collision
COLLISION from OCEAN SOULS FILMS on Vimeo.
O lado positivo deste acidente
O Meraviglia, da MSC Cruzeiros, carregava uma baleia-sei na proa. Recomendo ao leitor o site da Oceana para conhecer a espécie. As baleias-sei sofreram intensa exploração, principalmente no hemisfério sul e no norte do Pacífico entre 1950 e 1970. Estima-se que mais de 80% da população foi dizimada, tornando a espécie ainda ameaçada, não mais pela caça, mas pela poluição sonora, captura acidental e colisões com embarcações. Essas baleias costumam migrar para águas tropicais no inverno e retornam aos polos no verão. Elas podem atingir até 18 metros de comprimento, pesar 45 toneladas e viver até 70 anos.
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O lado positivo é que, assim como a foto do cavalo Caramelo imóvel em cima de um fiapo de telhado no Rio Grande do Sul ganhou o mundo, o mesmo se deu com este atropelamento comum, mas raramente flagrado.
O inglês The Guardian anunciou que ‘um navio de cruzeiro viajou para o porto de Nova York com uma carga horrível na forma de uma enorme baleia morta esparramada em sua proa’.
‘O incidente ocorreu no sábado, de acordo com os meios de comunicação locais dos EUA. O acontecimento está sendo considerado por alguns como mais uma prova do infeliz impacto que os grandes navios podem ter na vida marinha’.
Este é o lado positivo: colocar luz sobre a ameaçada fauna marinha. Ela já é massacrada pela poluição, aquecimento dos oceanos, acidificação, sobrepesca, barulho, e até atropelamentos.
CBS News: Cruzeiro chega ao porto de Nova York com baleia morta e ameaçada de extinção de 13 m presa na proa
A matéria da CBS News destaca que ‘a baleia, identificada como uma baleia-sei ameaçada de extinção, foi capturada na proa do navio quando chegou ao porto de Brooklyn no sábado. Uma necropsia realizada posteriormente confirmou a espécie e determinou que era uma fêmea madura.
“Estamos profundamente tristes com a perda de qualquer vida marinha”, disseram os responsáveis. A MSC Cruzeiros assegurou que segue todos os regulamentos concebidos para proteger as baleias, tais como alterar itinerários em certas regiões para evitar atropelamentos.
A CBS ainda lembrou que em março, a NOAA disse que o primeiro filhote de baleia franca do Atlântico Norte nascido nesta temporada morreu após ser atropelado por um navio.
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New York Times
O New York Times foi no mesmo ritmo da CBS. Quando o navio de cruzeiro se aproximou de Nova Iorque, descobriu-se que transportava uma captura sinistra e inesperada: A carcaça de uma baleia em vias de extinção, pendurada na sua proa.
O Times também deu a palavra à MSC Cruzeiros: Uma porta-voz da empresa disse em um e-mail que seguia “medidas abrangentes” em vigor para evitar tais colisões. Entre elas treinamento de oficiais de convés e alteração de itinerários em certas áreas para evitá-las. Continuaremos a avaliar e a atualizar procedimentos com os nossos parceiros e as autoridades”.
Assista ao vídeo de Pablo Santa Cruz