Caçadores-coletores e suas navegações de 8.500 anos atrás
Os avanços da tecnologia ajudam a compreendermos nosso passado e, cada vez mais, mostram que as primeiras navegações são muito mais antigas do que se imagina. Um estudo publicado na Nature (abril de 2025) mostra que caçadores-coletores chegaram na ilha de Malta, uma das mais remotas do Mediterrâneo, há 8.500 anos. O estudo foi liderado por Eleanor Scerri, do Instituto Max Planck de Geoantropologia (MPI-GEA) e da Universidade de Malta. Segundo a Nature, ‘na visão padrão, os recursos limitados e as vulnerabilidades ecológicas das pequenas ilhas, juntamente com os desafios tecnológicos da navegação de longa distância, significaram que os caçadores-coletores não conseguiam ou não queriam fazer essas viagens’.

Uma travessia de, no mínimo, 100 quilômetros
A Nature revela que, ‘no momento da travessia, a configuração geográfica de Malta e o nível do mar se aproximavam dos atuais. Isso significa navegações com distâncias marítimas de cerca de 100 km da Sicília, a massa de terra mais próxima. As ocupações começaram em torno de 8,5 a.C. e provavelmente duraram até cerca de 7,5 a.C. Esses caçadores-coletores exploraram animais terrestres. Mas também conseguiram aproveitar os recursos marinhos e a avifauna, ajudando a sustentar esses grupos em uma pequena ilha’.

Já o professor Nicholas Vella, da Universidade de Malta, afirma que, ‘confiando nas correntes da superfície do mar e nos ventos predominantes, bem como no uso de marcos, estrelas e outras práticas de orientação (grifo nosso), é provável que seja possível um cruzamento de cerca de 100 km, com uma velocidade de cerca de 4 km por hora’.
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Caverna de Latnija, na região de Mellienha, no norte de Malta
Foi nesta caverna que os pesquisadores descobriram ferramentas de pedra, restos de fogueiras e resíduos de alimentos cozinhados. “No local, recuperamos uma variedade diversificada de animais. Isto inclui centenas de restos de veados, aves, tartarugas e raposas”, disse o Dr. Mathew Stewart, pesquisador da Universidade Griffith.
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Além disso, os cientistas encontraram evidências claras para a exploração dos recursos marinhos. “Encontramos restos de focas, vários peixes, incluindo garoupa, e milhares de gastrópodes marinhos comestíveis, além de caranguejos e ouriços-do-mar, todos cozidos indiscutivelmente”, disse o Dr. James Blinkhorn, do Instituto Max Planck de Geoantropologia.
“A incorporação de uma gama diversificada de fauna terrestre e, especialmente, marinha na dieta provavelmente permitiu que esses caçadores-coletores se sustentassem em uma ilha tão pequena quanto Malta”, disse o Dr. Stewart.
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Um artigo da Griffith University, que também repercutiu o estudo, avalia que ‘este relatório documentou a mais antiga navegação de longa distância no Mediterrâneo, antes da invenção de barcos com velas – um feito surpreendente para os caçadores-coletores que provavelmente usaram canoas simples’.
E, prossegue, não se pensava que os seres humanos eram capazes de alcançar ou habitar esses ambientes antes do início da agricultura, e a mudança tecnológica que acompanhou essa transição.
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