Lençóis Maranhenses, ameaçados por imenso condomínio

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Lençóis Maranhenses, MA, ameaçados por imenso condomínio

A velocidade com que estão destruindo o que resta de intocado no litoral brasileiro choca. Recentemente mostramos a brutal especulação imobiliária que castiga o litoral extremo oeste do Ceará, onde ficam as últimas praias não ocupadas do Estado. Em seguida, outro litoral  virgem, o do Piauí, foi a vítima da vez. Cajueiro da Praia, até pouco tempo atrás era uma pacata vila de pescadores, hoje, sob controle do Comando Vermelho (que pichou árvores da praia, e muros de casas), a especulação que ali impera tornou-se caso de polícia dada a violência empregada por investidores que decidiram que a área é deles. Furor igual, só em Trindade, RJ. Mas nem o governo do Ceará, muito menos o do Piauí, tomaram qualquer medida apesar dos inúmeros crimes ambientais. Agora a ameaça virou-se para os Lençóis Maranhenses.

A lagoa nos lençóis maranhenses
Acervo MSF.

Condomínio e clube em área do entorno do Parque Nacional

Segundo a Lei do SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação – entende-se por Zona de Amortecimento (ZA) ‘o entorno de uma unidade de conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade’.

desenho do Condomínio Terra Ville Residence.
No desenho dos Jecas, o condomínio será todo murado e, ao menos no desenho, está em área de dunas o que mostra a ignorância dos empreendedores.

O Consultor Jurídico explica que, ‘enquanto a UC busca proteger o meio ambiente de seu próprio território, a ZA tem como objetivo proteger o bioma constante na área de entorno daquela’.

No caso dos Lençóis, a área é formada pelo maior campo de dunas do País, salpicado por lagoas, e cercado por uma imensa restinga além de manguezais. De acordo com o site do ICMBio, ‘a vegetação está inserida no Cerrado mas apresenta forte influência da Caatinga e da Amazônia, sendo encontradas espécies comuns destes 3 biomas’.

Este é um dos locais mais lindos da costa brasileira, e de uma fragilidade imensa. Construir um condomínio na Zona de Amortecimento do parque é algo impensável, não fosse o cinismo, a ignorância, e a ganância de empreendedores irresponsáveis.

Sobrou ainda prístino o litoral norte do Maranhão

Com o avanço da especulação, sobrou ainda prístino o litoral norte do Maranhão, e os do Pará e Amapá, em razão do imenso e intransponível manguezal que os protege. Assim, em apenas 60 ou 70 anos, conseguimos arruinar quase toda a zona costeira. Até a década de 1950, fora as capitais e grandes cidades, nosso litoral abrigava apenas nativos e caiçaras.

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Hoje, são raras as praias ocupadas que não tiveram suas paisagens desfiguradas pelo nosso modelo predatório de ocupação, e o meio ambiente do entorno depredado em grande medida. Além disso, faz parte da equação expulsar os nativos para as periferias, reservando subempregos em casas dos novos donos, ou na prestação de serviços no turismo.

Sua cultura desaparece, tradições centenárias são estupradas por novos valores que penetram seu território ostentando nomes em língua estrangeira. Assim, até hoje não aprendemos com os erros do passado em monumental prova de burrice.  É perfeitamente possível ocupar sem estragar, basta vontade e bom senso.

Não reconhecemos que os nativos usufruíram deste espaço por mais de quatro séculos sem o amesquinharem como nós o fizemos em menos de 100 anos.

Esta falta de respeito com os nativos, a mesma que aconteceu no litoral norte de São Paulo a partir do anos 50, com cara-pálidas expulsando caiçaras, ou trocando rádios elétricos por posses, como contei em documentário recente, acontece agora no Ceará e Piauí. Quinhentos anos depois reprisamos o comportamento dos lusitanos que aqui chegaram no século 16, com a ética e os costumes daquela época, e trocaram trabalho escravo por espelhos ou panos coloridos.

Vem aí o ‘Terra Ville Residence’

O desrespeito começa pelos nomes, Terra Ville Residence. É sempre assim quando o guarda-chuvas é a especulação. Os empreendedores consideram que se não tiver um nome em língua estrangeira, não presta. Esta moda simplória começou em Santa Catarina quando batizaram a praia de Jurerê como Jurerê internacional.

restinga dos lençóis Maranhenses
A fantástica restinga do Parque Nacional.

Jurerê, na língua dos primeiros habitantes carijós, significa ‘boca de água pequena’. O termo era usado para designar o estreito que separa a ilha de Floripa, do continente. Contudo, os jecas que esquartejaram a praia preferiram os “beach clubs” El Divino, ou Cafe de La Musique; ‘resorts’  como o “Il Campanário Villaggio”, e o Jurerê Beach Village; eventos como a  feira de produtos orgânicos “Jurerê Organic” ou a ‘Floripa Convention’; bares como o ‘Devassa On Stage’, que era o antigo ‘Stage Music Park’; e tem até o Jurerê Open Shopping.

‘A ascensão espantosa e fulminante do idiota’

Certo estava o insuperável Nelson Rodrigues: ‘O grande acontecimento do século foi a ascensão espantosa e fulminante do idiota’.

“Terra Ville Residence”

De acordo com o Portal UOL, em matéria assinada por Carlos Madeiro, ‘o projeto Terra Ville Residence, que iniciou obras este ano no município de Santo Amaro, tem 102 mil m² e oferece 232 lotes residenciais em um condomínio com 22 equipamentos de lazer’.

‘Cada lote à venda tem o mínimo de 300m² (com preço acima de R$ 180 mil, cada um) e permite a edificação de até dois pavimentos. Além disso, o projeto tem uma construção com três andares, com heliponto e equipamentos. A obra teve licenciamento dos governos municipal e estadual, que são agora questionados pelo MPF (Ministério Público Federal)’.

Mapa dos Lençóis Maranhenses
O Parque e suas duas portas de entrada: Barreirinhas ou Santo Amaro.

Como explicar o licenciamento de uma obra dessa magnitude na Zona de Amortecimento de um notável Parque Nacional? Por acaso os empreendedores não sabiam? E o que dizer dos licenciadores, o Estado e o município, também não sabiam?

ICMBio e Conselho Municipal do Turismo apontam ilegalidade

O ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), responsável pelo Parque, e o Conselho Municipal do Turismo apontaram a ilegalidade. Segundo Carlos Madeiro, o Conselho enviou a primeira nota técnica com a denúncia em janeiro de 2024.

O jornalista reproduz a nota,

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A consolidação desse empreendimento abrirá precedentes para que toda a margem do campo de dunas, sob a competência do município e dentro da Zona de Amortecimento do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, seja tomada por outros empreendimentos e construções com gabarito de 3 pavimentos ou mais, acarretando na ocorrência de danos ambientais irreversíveis

Diante desses argumentos, explica Madeiro, ‘o MPF agiu em 18 de outubro ao solicitar uma liminar para suspender a obra e ordenar a demolição do que construíram de forma irregular’.

As autoridades apontaram três irregularidades. Uma foi ignorar que a obra está na Zona de Amortecimento do parque, outra, não realizar a análise de impactos ambientais e, finalmente, emitir (mesmo assim) um licenciamento que não detalha os impactos no parque.

Esta notícia tem dois aspectos. O lado bom é que o Portal UOL desmascarou mais um ataque especulativo ao que temos de melhor, os parques nacionais. O lado ruim é que o UOL estava só nesta denúncia. Pesquisei, e não vi nenhum grande jornal noticiar muito menos a TV, óbvio. Assim, com a omissão da imprensa, a maioria da população sequer fica sabendo. E sem pressão da opinião pública, o desprezo e o desacato persistem

Na equação dos Lençóis, talvez não prevaleçam apenas burrice e ignorância, mas também a sedução. O que aconteceu no serviço público é tão escandaloso que essa hipótese se torna plausível. O Mar Sem Fim continuará acompanhando mais essa agressão à costa brasileira.

Projeto de Lei do Governo do Paraná ameaça o licenciamento ambiental

Comentários

11 COMENTÁRIOS

  1. Caro João,
    Mais uma vez você está “em cima do lance”! Parabéns pelo texto e pelo seu trabalho, que acompanho há décadas. Novamente um absurdo ocorrendo em nosso litoral, fruto da ganância e provavelmente pela corrupção de agentes públicos. Só me causa estranheza por que o MP e o ICM-Bio não pediram de imediato uma liminar no início do ano, quando as irregularidades foram constatadas. No Brasil é sempre assim. Faz-se o estrago para depois tentar consertar. Vem daí a audácia dos especuladores, na base do se colar, colou. Um grande abraco!

  2. Destruição de biomas; ganância imobiliária; corrupção de autoridades municipais, estaduais e federais; cafonice nas nomenclaturas (anglicanismo, galicismo)… É mister perguntar: Onde esta a novidade? Solução?! Não vejo! O homo-sapiens cumprirá sua sina: destruir a “nave-mãe”, o “fruto proibido”. Admiro teu trabalho, mas não contenho meu pessimismo… Abraço!

  3. Parabéns pela força do pertencimento. Temos sim que reforçar em todo o território valorizando o pertencimento do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses e neste caso principalmente a Zona de Amortecimento que envolve os municípios de Barreirinhas, Santo Amaro e Primeira Cruz.
    Estes empreendimentos se aproveitam da falta de comprometimento do estado do Maranhão com o meio ambiente.
    Em destaque maior está na revisão e atualização do Plano Diretor Municipal que orienta o desenvolvimento urbano de uma cidade, e deve ser elaborado de acordo com o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001)
    Isso é imprescindível para cidades com grande potencial economia no turismo e principalmente em torno de Unidade de Conservação.
    Como desenvolver de forma Sustentável sem este comprometimento que inclusive o plano e participativo.
    Temos o grande movimento especulativo mediante ao Patrimônio Natural da Humanidade título concedido justamente pela singularidade de todo território.
    Temos um outro problema alarmante em toda zona de amortecimento com este desenvolvimento desordenado. A Poluição luminosa. Estamos perdendo o nosso patrimônio ancestral o céu escuro do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses.
    A quantidade de luz direcionada para o céu tem sido alarmante.
    Seguimos juntos da fortalecer a resistência ao desenvolvimento desordenado. Queremos ser referência mundial na preservação dos nossos patrimônios.
    Parabéns mais uma vez na publicação.
    Alexandre Gustavo Ugarte
    Ativista ambiental e social

    • Muito obrigado pela mensagem, Alexandre, conte sempre com o Mar Sem Fim. Se você constatar outros problemas, por favor, escreva informando para que possamos ampliar a denuncia. Forte abraço.

  4. Existem favelas na zona de amortecimento de praticamente qualquer parque no litoral. Porém o time do Mal Sem fim sempre se cala com relação aos criadores de favelas que sempre poluem os veios e a terra.
    Mas, parece que essa ocupação irregular é do bem e que todas as plantas, árvores, rios e córregos destruídos por favelas, morrem por uma boa causa. Sei que todo comentário contrário é apagado. Mas, posto mesmo assim para mostrar que não somos todos idiotas. Os moderadores até sabem que tem comentários que entendem que se não bloquear favelas não fará sentido bloquear condomínios e que muitas comunidades ditas ‘originais’ não o são.
    Da mesma forma, sabe-se muito bem que não é baixo o impacto da ‘pesca artesanal’ que usa redes de arrasto e até equipamentos modernos.
    Mas, cara… É lícito enganar tantos assim mantendo uma visão enviesada e parcial?

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