Projeto de Lei do Governo do Paraná ameaça o licenciamento ambiental

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Projeto de Lei do Governo do Paraná ameaça o licenciamento ambiental

É curioso como as coisas acontecem. Quando Ricardo Salles era ministro do Meio Ambiente, o Brasil inteiro reagiu à sua declaração, durante a famosa reunião presidencial, propondo a desregulamentação das normas ambientais para “passar a boiada enquanto a mídia se preocupava com a pandemia”. A frase virou escândalo imediato e estampou as manchetes em toda mídia nacional. No entanto, quando situações semelhantes ocorrem em nível estadual, a repercussão é quase nula. Poucos veículos sequer mencionam o assunto. Foi o que aconteceu em São Paulo, em fevereiro de 2024, quando o CONSEMA transferiu o licenciamento ambiental, antes gerido pelo Estado, para os municípios. Agora, o governo do Paraná segue na mesma direção, com um projeto de lei enviado à Assembleia Legislativa para facilitar ao máximo o licenciamento e transferir sua gestão aos municípios.

Praia Deserta, Ilha do Superagui, Litoral do Paraná
Praia Deserta, Ilha do Superagui, Litoral do Paraná, será que Ratinho Júnior (PSD) quer um resort no local? Acervo MSF.

‘Restingas favorecem a proliferação de vetores que causam mal à saúde humana’

Antes de analisarmos o Projeto de Lei, vamos recordar que o governo do Paraná parece obtuso sobre questões ambientais e os serviços ecossistêmicos. Em 2020, o governo enviou um Decreto que favorecia ‘o manejo de restingas no litoral’, em outras palavras, a poda das restingas.

Segundo o governo do filho do apresentador de TV, ‘as restingas estariam  ‘favorecendo a proliferação de vetores que causam mal à saúde humana’, facilitando ‘crimes, como assaltos, estupros e uso de drogas’, além de haver ‘proliferação de espécies arbustivas exóticas’.

Poucas vezes ouvi tamanha patranha. Quer dizer que restingas causam mal à saúde? Ora, Governador, francamente…O caso gerou imediata reação da academia, com 28 professores da Universidade Federal do Paraná (UFPR), e membros do Ministério Público do Estado protestando. Eles publicaram nota afirmando que ‘a medida não tem qualquer embasamento técnico e é prejudicial para o ecossistema’.

Projeto de Lei Nº662/2024

Por que somos contrários ao licenciamento ambiental de responsabilidade dos municípios? Entre muitas outras, porque a maioria dos prefeitos do litoral ou são omissos quanto à especulação imobiliária, ou são eles mesmos que comandam o processo.

Em segundo, porque muitos prefeitos são pessoas humildes, às vezes sem quase nenhuma formação ou estudos. Assim, não compreendem o grave momento pelo qual passa a humanidade com o aquecimento global totalmente fora de controle. Uma das principais vítimas são os litorais mundo afora. Aqui, em Pindorama, obras mal feitas, ou a especulação e sua mania das casas pé na areia, resultaram na erosão em 60% de nossa zona costeira.

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No Paraná, o projeto tramita em regime de urgência no Legislativo, onde o governador, o filho do apresentador de TV, tem ampla maioria. Em outras palavras, o projeto será aprovado. Ratinho Júnior (PSD) vai tirar poder da Cema – Conselho Estadual de Meio Ambiente, e ampliar a ‘licença ambiental simplificada’.

Curiosamente, o texto foi protocolado depois de uma gafe ambiental dupla dos governos do Paraná, e São Paulo. Ambos pretendiam dragar e alargar o Canal do Varadouro, que fica no Lagamar Iguape-Cananéia-Paranaguá, o mais importante berçário do Atlântico Sul, para ‘fomentar o turismo náutico na região’.

Governo de São Paulo percebeu ‘a bola fora’, o do Paraná segue com a ideia

A ideia é tão estapafúrdia que gerou imediata reação de nativos, ambientalistas, e academia. O governo de São Paulo sentiu o baque, ‘percebeu’ a bola fora, e não falou mais no assunto. No entanto, o filho do apresentador de TV foi em frente. Ele não deu pelotas às críticas, e ainda mandou o projeto de lei que aparentemente ‘mela’ o licenciamento ambiental no litoral. Mesmo assim, a imprensa mal tocou no assunto.

A gestão de Ratinho Júnior (PSD)

Um dos poucos jornais que abriram espaço aos caprichos do Paraná foi a Folha de S. Paulo. Para este jornal, ‘o texto foi protocolado no início deste mês no Legislativo em regime de urgência —instrumento que acelera o trâmite na Casa e tem sido utilizado pela gestão Ratinho Junior em todos os projetos de lei que podem gerar debates com a oposição’.

Segundo a Folha, o secretário de estado do Desenvolvimento Sustentável, Everton Souza diz que ‘a ideia futura é ampliar e reforçar o leque de usuários’. (Ele se referia) ‘a uma modalidade de licenciamento que já existe no Paraná, a Licença Ambiental por Adesão e Compromisso. Esta licença autoriza a operação de uma atividade a partir de uma declaração do próprio empreendedor de que seu empreendimento possui baixo impacto ambiental’.

Você já imaginou o que será  a Licença Ambiental por Adesão e Compromisso, quando o próprio empreendedor poderá declarar o que lhe der na veneta? A Folha repercute o que disse Luiz Arthur Klas, do Cedea (Centro de Estudos, Defesa e Educação Ambiental), uma das entidades que integram o conselho da Cema hoje.

‘Para Klas, o projeto de lei da gestão Ratinho Junior é um retrocesso e uma ameaça à preservação do meio ambiente. Outras entidades têm a mesma visão. Ele lembra ainda que o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), ligado ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, também funciona hoje como um órgão deliberativo’.

O protesto da RMA – Rede de ONGs da Mata Atlântica

Para a RMA, ‘o PL do Governo estadual pode acarretar em perda da biodiversidade, contribuir para potencializar desastres naturais e provocar escassez hídrica no Paraná, afetando a qualidade da vida de seus cidadãos!’

‘O Projeto de Lei (PL) No 662/2024, de autoria do Poder Executivo do Estado do Paraná, não deveria receber aprovação. Trata-se de uma proposta contrária aos interesses públicos!’

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‘O PL foi apresentado à Assembleia Legislativa do Estado do Paraná (ALEP), pelo Governador Carlos Alberto Massa (“Ratinho Jr.”), para discussão e aprovação em regime de urgência. Em sessão extraordinária realizada no dia 06 de novembro, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da ALEP aprovou o PL, sem nenhuma discussão anterior nas demais comissões da ALEP. Ou, ainda, diálogos prévios com outros segmentos da sociedade, a exemplo das instituições de pesquisas e de ensino superior ou com coletivos e organizações da sociedade civil que atuam em busca do equilíbrio ambiental. Nem o Conselho Estadual de Meio Ambiente (CEMA), órgão colegiado máximo na área ambiental do estado, foi consultado’.

Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental – SPVS

O Mar Sem Fim conversou com Clóvis Borges, formado em Medicina Veterinária, com mestrado em Zoologia, e diretor da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental SPVS, uma ONG do Paraná com 40 anos de bons serviços prestados.

Para Clóvis, ‘São Paulo refugou da ideia no Lagamar. Entretanto, o Governo do Paraná com seu Projeto de Lei vai gerar um enorme enfraquecimento do licenciamento, inclusive tirando o Ibama de processos que hoje ele é obrigado a dar parecer. Isso mostra as intenções do governo. A intenção é licenciar sem ter muito problema’.

‘A questão do crivo, do norteamento técnico, da isenção para poder dizer não, não faz parte das políticas daqui. No entanto, João, acho que o tema deu uma esfriada. Mas há um documento da Justiça que mostra que as comunidades, especialmente o grupo MOPEAR – Movimento dos Pescadores Artesanais do Litoral do Paraná – age com duas frentes. Pede apoio, socorro para todos que moram na região porque o Canal do Varadouro será aprofundado, vão invadir nossa região’. 

‘Contudo, na hora de ajudar o ICMBio e referendar o Plano de Manejo do Parque Nacional do Superagui, feito com consulta popular, de forma séria e consistente, eles fazem óbices. Querem voltar a discutir o Plano de Manejo. Este é outro assunto, mas serve para mostrar a complexidade de somar forças. Como é difícil juntar instituições em cima de objetivos comuns se elas às vezes se comportam de forma positiva de um lado, mas por trás continuam a criar hostilidades e demonstrar desacordos, inclusive com a existência do Parque Nacional’.

Infelizmente, Clóvis tem toda a razão. Muitas vezes são as próprias instituições as criadoras de problemas, elas pensam mais em seus objetivos imediatos, que nas relevantes questões ambientais.

Cajueiro da Praia, PI, enfrenta a especulação imobiliária

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