O poder do cinema e a visão diferente e menos assustadora dos tubarões brancos
O poder do cinema impressiona. Antes do lançamento de Jaws, de Steven Spielberg, que completa 50 anos em 2025, o medo de tubarões não era tão espalhado. Hoje não é mais medo, é pavor. Muita gente entra em pânico só de pensar. Vou contar um segredo: eu também fico com medo sempre que nado ou mergulho em águas mais profundas. E isso mesmo sabendo que tubarões brancos — leia-se espécies agressivas — são raríssimos no Brasil.

Para me acalmar, costumo lembrar de alguns posts. Um deles: Bióloga nada com tubarões brancos. Escrevi só para isso — desmistificar. Outro lista os animais mais perigosos para o ser humano. Os mosquitos lideram, com um milhão de mortes por ano. Em segundo lugar? Nós mesmos, com 475 mil. E os tubarões? Lá em 15º, com míseras dez mortes anuais. Mas, na hora do mergulho, quem disse que a razão vence? O frio na barriga sempre aparece.
O maior jornal do mundo, o New York Times, também se lembrou deste ‘detalhe’ em matéria de 21 de junho: “Tubarão”, o filme de maior bilheteria de sua época, lançou uma longa sombra sobre a reputação dos tubarões. Ao longo das décadas de 1970 e 1980, esses predadores oceânicos foram vilipendiados como monstros vorazes e sofreram uma sobrepesca drástica. O único tubarão bom era o tubarão morto, pensava-se.
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Orla do Rio de Janeiro: praias podem desaparecer totalmenteParaty e turismo, um casamento mórbido e insustentávelFraude no seguro defeso pago a pescadoresMas vamos com calma. Para algumas fontes há cerca de 450 espécies de tubarões e, segundo o Museu da Flórida, há registros de ataques de apenas 35 delas. A NOAA reforça: ‘pouco mais de uma dúzia das mais de 300 espécies conhecidas atacaram humanos.
Já perdi a conta dos posts que publiquei tentando desfazer esse mito. Mesmo assim, na hora “H”, entro em parafuso. Consigo até ouvir a trilha do John Williams: pããã-RAM; pããã-RAM, RAM!
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BBC entra na campanha de desmistificação
Passo o dia na frente do computador atrás de matérias sobre os temas abordados por este site. Não é nada fácil. A imprensa de Pindorama ignora o tema, e isso não ajuda. Preciso buscar informações em sites de ONGs, universidades, estudos científicos — e por aí vai. Mas hoje, logo cedo, dei de cara com a matéria The shark photos overturning the legacy of Jaws, da mais que prestigiada BBC.
Ah, pensei comigo, não vou perder esta chance. E aqui estou, tentando contribuir para mudar a imagem desses animais do topo da cadeia alimentar — os maiores predadores dos mares ao lado das orcas — que ainda carregam uma fama injusta. Por quê? Porque, coincidência ou não, depois do sucesso do filme de Spielberg – lançado em 409 cinemas em 20 de junho de 1975, e que arrecadou um então recorde de US$ 7,9 milhões em seus primeiros dias – a matança destes predadores aumentou em todo o mundo. E, tirando os cientistas, e algumas pessoas mais bem informadas, quase ninguém dá bola.
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Peixes sentem dor!
E atenção, apesar de que peixes não têm expressão facial eles sentem dores, sim. Ao ser questionada, minha guru e maior referência mundial na ciência oceânica, Sylvia Earle declarou: “Peixes sentem dor? Acho espantosa a pergunta. Como cientista é senso comum. Peixes têm um sistema nervoso e têm os elementos básicos que todos vertebrados têm.”
Duvi-deo-dó que você não se arrepie ao ouvir isso:
Recife e as mortes de surfistas
Cada vez que acontece uma fatalidade, normalmente no Recife, nem preciso pensar, automaticamente atualizo o título e publico mais uma vez o post Tubarões no Recife: 25º morto, saiba por quê.
O post conta em detalhes os motivos por trás do ataque: a falta de visão dos animais, a imagem de uma prancha de surf que lembra um pinípede, e a mordida fatal que leva um pedaço da prancha e outro bocado da perna do infeliz que desrespeitou as regras de segurança espalhadas por toda a orla da capital de Pernambuco. Ato contínuo, o animal percebe que aquilo não é seu alimento e cospe o que mordeu mas, normalmente, é tarde demais. A vítima morre de hemorragia, ou infecção.
Os estudiosos já explicaram ‘ene’ vezes o motivo dos tubarões no Recife. E a imprensa, no passado, repercutia as explicações. Um dos maiores especialistas do Brasil é o professor Fábio Hazin, curiosamente da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Quando estivemos no litoral do Estado, em nossa primeira viagem, fomos na Universidade entrevistá-lo. Vamos aos fatos…
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Suape, matadouro de Jaboatão, e o chorume do Aterro da Muribeca
Para a construção do imenso porto e refinaria de Suape, grandes áreas de mangues vieram abaixo. O estuário era berçário das fêmeas de tubarão cabeça chata (uma das poucas espécies agressivas) que o usavam para parir filhotes.
“Com a destruição do habitat, o tubarão procura um substituto para continuar seu ciclo de vida. Como os ventos predominantes são de sueste, os indivíduos que antes frequentavam Suape sobem à costa, embalados pelas correntes.”
O primeiro manguezal que encontram fica no do rio Jaboatão, na região metropolitana do Recife. Então, uma série de fatores em cadeia escapam de um ‘saco de maldades’ e dão sua contribuição. O matadouro de Jaboatão, e o chorume do Aterro da Muribeca. Sobre eles, escreveu o professor Fábio Hazin: ‘…é razoável supor que o lançamento de sangue e vísceras no rio Jaboatão, o qual deságua no trecho da praia onde se verificaram 45 dos 46 ataques (até 2005), tem potencial importante de atrair tubarões’…
‘Mike Coots, um surfista entusiasmado’
Voltamos, agora, à matéria da BBC.
Mike Coots, um surfista entusiasmado nas águas de sua terra natal, o Havaí, tinha 18 anos quando foi mordido por um tubarão-tigre.
“Ele veio bem debaixo de mim e se agarrou”, lembra o fotógrafo, hoje com 44 anos. “Senti uma pressão enorme, mas não senti dor. Foi como uma experiência fora do corpo.”
O tubarão o sacudiu para frente e para trás “como uma boneca de pano”, diz Coots, até que ele conseguiu dar três socos no nariz, cortando a mão contra os dentes do tubarão. “Foi só quando eu estava remando de volta para a costa que percebi que minha perna tinha sido completamente cortada e que havia grandes jorros de sangue [saindo do coto] a cada batimento cardíaco.”
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‘Notavelmente, Coots estava de volta à água com uma nova perna protética apenas um mês depois. Mais notável ainda, talvez, é que ele agora se tornou um defensor da conservação dos tubarões, usando suas fotos para ajudar a mostrar uma imagem mais naturalista dos tubarões do que a encontrada com frequência na mídia e nos filmes’.
Para encerrar, revela a BBC, ‘Coots faz parte de uma onda de fotógrafos subaquáticos em campanha, incluindo Kimberly Jeffries, George Probst, Caterina Gennaro e Renee Capozzola, que estão tentando rever nossa visão pobre e muitas vezes temerosa dos tubarões para ajudar a defender sua conservação’.
As importantes funções dos tubarões brancos e outros predadores
Antes de mais nada, saiba que ao acabar com eles, como vem acontecendo por motivos fúteis e mesquinhos, a pesca industrial está contribuindo para um tremendo e definitivo abalo em toda a cadeia de vida dos oceanos. Eliminando os tubarões a indústria acaba com o que os pescadores mais precisam: abundância de peixes!
Predadores de topo de cadeia são responsáveis pela manutenção do equilíbrio no ecossistema
Predadores de topo de cadeia são responsáveis pela manutenção do equilíbrio no ecossistema marinho. Eles se alimentam de peixes e invertebrados que estão menos aptos à sobrevivência garantindo a saúde dos estoques pesqueiros de todo o mundo. Ainda assim, por ano são massacrados entre 70 e 100 milhões de tubarões ou cações. O principal responsável pela matança é a pesca industrial, mas a esportiva, ao menos no Brasil, também tem sua parcela de culpa. Quanto à sobrepesca, nem se fala.
E, então, vamos parar com nossa histeria? Uma das mais importantes espécies dos oceanos, ameaçada de extinção, agradece sua ajuda.
Você sabia que Chile e Argentina se consideram proprietários da Antártica?