Afinal, Chile e Argentina são donos da Antártica?
A Antártica é fora de série sob qualquer aspecto. Depois que a conheci passei a chama-la de ‘cereja do bolo’ do planeta Terra. Pelo simples motivo de que o continente é tão inóspito que nenhum ser humano conseguiu se estabelecer por lá. E isso é uma benção. Como se sabe, onde chega o homem, chegam juntos todos os seus males: o egoísmo, o cinismo, a inveja, a cobiça mas, sobretudo, a destruição. Por exemplo, o continente é virgem em poluição atmosférica. Por estar longe o suficiente de todos os outros continentes, pelo menos desta mazela ele está livre. Contudo, o mesmo não acontece com a poluição ambiental que, em razão das correntes marinhas, despeja impressionante quantidade de lixo em suas praias. Do mesmo modo, há a poluição sonora que tanto incomoda os cetáceos, assim como a poluição de suas águas. Mas, antes de prosseguir, você sabe se o Chile e Argentina são, por caso, donos da Antártica?

As reivindicações de posse sobre o Continente Branco
Diversos países reivindicaram a posse da Antártica por razões distintas. França, Noruega e Reino Unido o fizeram com base em seu protagonismo histórico nas explorações. Já Argentina, Austrália, Chile e Nova Zelândia alegam proximidade geográfica. A Argentina, por exemplo, considera o continente uma continuação natural de sua província mais austral, a Terra do Fogo — e, para reforçar essa visão, tornou-se o primeiro país a manter uma base permanente na Antártica, em 1904.

O Chile copiou o modelo e apresentou sua reivindicação em 1940, também com base no fato de que se tratava de uma extensão natural de seu território.
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Orla do Rio de Janeiro: praias podem desaparecer totalmenteParaty e turismo, um casamento mórbido e insustentávelFraude no seguro defeso pago a pescadoresMas tem mais, segundo estudo da Cambridge University publicado em 2007, ‘Em janeiro-fevereiro de 1939, uma expedição secreta alemã visitou a Terra de Dronning (ou Rainha) Maud, na Antártida, aparentemente com a intenção de estabelecer uma base lá. Entre 1943 e 1945, os britânicos lançaram uma operação secreta na Antártida em tempo de guerra, de codinome Tabarin. Homens do Regimento de Serviços Aéreos Especiais (SAS), forças secretas da Grã-Bretanha para operar atrás das linhas, pareciam estar envolvidos.
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No verão de 1946-1947, diz o estudo, a Marinha dos EUA pareceu “invadir” a Antártida usando uma grande força. A operação, de codinome Highjump, foi classificada como confidencial. Em 1958, três armas nucleares foram explodidas na região, como parte de outra operação secreta dos EUA, codinome Argus. Disso, acabou surgindo um mito de que a Alemanha tinha uma base secreta por lá durante o conflito mundial.

Curiosidades histórias sobre a Antártica
Já contamos nestas páginas que a Antártica é o único continente com três descobridores simultâneos. Este post narra alguns fatos que acabaram sendo a justificativa para a pretensão de posse dos países que se dizem protagonistas históricos.
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Nova Zelândia e Austrália baseiam suas reivindicações nas expedições de James Ross, que hasteou a bandeira do Império Britânico em áreas depois entregues à administração desses dois países pela Coroa Britânica, em 1923 e 1926, respectivamente. Em homenagem a Ross, um mar da Antártica recebeu o nome de Mar de Ross.
Enquanto isso o Reino Unido, que controla as ilhas Falklands/Malvinas, Geórgia do Sul, e Tristão da Cunha, entre outras, fez sua reivindicação em 1908, escolhendo uma região que engloba toda a área requisitada pela Argentina. Lembramos, uma vez mais, que as únicas ilhas do Atlântico Sul que não são de posse britânica são as brasileiras Fernando de Noronha, São Pedro e São Paulo, e Trindade e Martim Vaz, em razão da excelência do Itamaraty desde priscas eras, neste caso, na figura do Barão do Rio Branco que negociou e conseguiu a posse brasileira.
Estados Unidos põem ordem na bagunça
Depois da Segunda Guerra Mundial, com os Estados Unidos consolidados como potência hegemônica e vitoriosa, o país passou a se preocupar com o avanço das disputas territoriais. Temia que, sem controle, novas tensões levassem a outro conflito. Por isso, usou sua influência para pressionar outros países a assinar o Tratado de Madri, que, entre outras medidas, congelou novas reivindicações sobre a Antártica.
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O Tratado de Madri também estabeleceu a Antártica como uma reserva científica, livre para a ciência e proibiu a atividade militar no continente.
Cinquenta e oito países assinaram este acordo, entre eles todos os que reivindicam territórios, além dos Estados Unidos e da antiga União Soviética. O Brasil também é signatário e por isso criou o Proantar – o Programa Antártico Brasileiro.
Chile e Argentina são donos da Antártica?
E é aí que chegamos ao motivo deste post. Nosso amigo Igor Bely — um dos melhores navegadores que já conheci — frequenta o continente desde que nasceu, sempre a bordo de veleiros.

Foto: Aduanas de Chile
Nesta semana, recebemos uma denúncia de Igor. Segundo ele, “Argentina e Chile mantêm um discurso diplomático dizendo que respeitam o Tratado de Madri, mas internamente adotam uma postura agressiva, afirmando que a Antártica é ‘chilena’ ou ‘argentina’. No Chile, por exemplo, as escolas ensinam que o continente é chileno — e praticamente todo chileno acredita nisso.”
“O problema não é o que os chilenos acreditam. O problema começa quando eles aplicam suas leis na Antártica e essas medidas passam a afetar quem não é chileno.”
Igor está sempre atento aos problemas que envolvem as regiões polares e subantártica. A última vez que me contatou foi para contar da imensa quantidade de lixo que achou na orla do Cabo Horn.
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Chile prende veleiros na Antártica
Igor Bely continua: “Nesta última temporada, a alfândega chilena prendeu vários veleiros de bandeira estrangeira por realizarem atividades comerciais (charter) em águas antárticas que o Chile considera suas.”

‘Realizar atividades comerciais com veleiros estrangeiros em águas chilenas é, de fato, proibido — embora muitos ainda o façam. Mas estender essa proibição às águas antárticas, que não pertencem ao Chile, é um abuso claro — e uma tentativa explícita de afirmar soberania’.
‘Os barcos apreendidos pagaram multas altíssimas para conseguir a liberação. Dois deles, no entanto, continuam retidos’.
‘Iates estrangeiros apreendidos: multa de US$ 12 milhões aos passageiros’
O site chileno Emol publicou que ‘iates estrangeiros são apreendidos por viagens não autorizadas à Antártida, com cobrança de até US$ 12 milhões aos passageiros’.

“Navegar conosco não é apenas um passeio de barco; é uma imersão completa na vida a bordo. Aqui não há turistas, apenas aventureiros ávidos por aprender, participar e vivenciar o que significa enfrentar o mar, o vento e as decisões de cada dia.” Com esta mensagem, a empresa Alegría Marineros Expediciones promove online as viagens de seu veleiro de bandeira panamenha, “El Doblón”, apreendido em Magalhães durante uma operação da Marinha, da PDI e da Alfândega por viagens comerciais não autorizadas em águas chilenas para destinos como a Antártida e Valdívia.”
Fazia tempo que não víamos um absurdo como este. Se a moda pega nenhum barco privado poderá navegar para a Antártica, o que não faz sentido. Esperamos que o Chile reveja sua política pouco usual, para dizer o mínimo.
Você sabia que há um vídeo que viralizou mostrando o caos provocado pela especulação em Paraty?