Litoral de Pernambuco e viagem para Maceió
Litoral de Pernambuco, quinta- feira, 3- 11- 2005.
O vento mudou! Já não temos mais o incomodo e poderoso sueste como companhia. Os ventos agora vêm do leste. Que bom, já não era sem tempo.
Esta foi a primeira observação depois do desembarque, ontem de tarde, no aeroporto do Recife. Eu esperava ansiosamente pela mudança, afinal, desde o litoral do Piauí temos sofrido com o sueste que é contrário ao nosso rumo.
Burocracia na TV Cultura e atraso da série
Meu plano era começar a série em janeiro. Por questões de burocracia da TV Cultura, a estréia aconteceu apenas em Abril. Se meu pleito fosse atendido não teríamos passado por tantos apertos, nem perdido tantas velas. As navegadas seriam menos desconfortáveis. Meu objetivo era atingir o litoral do Ceará em julho, de modo a podermos atravessar o Nordeste sem o sueste que levanta ondas às vezes de 4 a 5 metros. Mas as coisas nunca saem exatamente como gostaríamos. Assim, acabei chegando à região junto com o vento. Isto fez com que o trajeto do Piauí até Pernambuco fosse desagradável, desgastante para barco e tripulação.
Nordeste: de vento Sueste, para o Leste
Quando chegamos a Recife, vindos da Paraíba, o sueste ainda estava no auge da força. Agora não. O vento já sopra de leste e desta direção vai virar para nordeste, o que favorece ainda mais a navegação de quem demanda o sul.
Mar Sem Fim faz sucesso no litoral de Pernambuco
Além desta boa novidade, temos mais uma: muita gente conhece a série Mar Sem Fim em Pernambuco. Assim que entramos num táxi, o motorista olhou e soltou: “eu lhe conheço”. Assustei. Não estou acostumado.
Enquanto eu pensava, de onde será que este cara me conhece, ele olhou minha camiseta com o logotipo do programa, e arrematou com aquele delicioso sotaque: “Vocês são da série Mar Sem Fim, é?” Ficamos felizes.
E também em Natal, RGN
Em Natal foi assim. Quando entravamos em restaurantes, os garçons vinham comentar. Em algumas viagens que fizemos pelo litoral do Rio Grande do Norte também aconteceu o reconhecimento. Mas, entrar num táxi e ouvir o motorista entusiasmado nos encheu de orgulho. Tanto melhor.
Brasileiros não se interessam pelo mar
Queríamos mostrar aos brasileiros como é feita a ocupação da costa e surpreendê-los, destacando os bens culturais do rico acervo acumulado pelas cidades costeiras em função da localização geográfica peculiar, à beira- mar. Relembro, mais uma vez, que uma pesquisa feita em 1988 mostrou que os brasileiros não se interessam pelo mar, mas pelo litoral, ambiente associado ao lazer, turismo, esportes e pesca. A importância do oceano Atlântico para a economia e segurança é ignorada, ou pouco conhecida. Talvez isto explique porque a indiferença.
Patrimônio histórico no litoral de Pernambuco
Em nosso primeiro dia entrevistamos o superintendente do IPHAN, Frederico Faria Neves de Almeida, já que Pernambuco é um dos mais ricos estados em se tratando de patrimônio histórico. Além de Olinda, tombada pela UNESCO, a cidade do Recife, fundada por holandeses, é coalhada de prédios históricos maravilhosos. Igrejas, conventos, fortes, e um belo casario. Frederico sugeriu os mais importantes do Recife, Itamaracá, Igarassu, e até alguns engenhos do litoral sul.
Ele contou que, em termos de número de monumentos tombados, em primeiro lugar está o Rio de Janeiro, seguido por Minas, depois Bahia e, em quarto, Pernambuco. Só em Olinda, há três mil imóveis sem contar os dos outros municípios. Não vai ser sopa nosso trabalho.
A herança dos holandeses
Perguntei qual a maior herança deixada pelos holandeses, além de prédios históricos. “O traçado da cidade, com as mesmas características de Amsterdã, ou seja, abaixo do nível do mar; a canalização do sistema de água usado até hoje, a fortificação antiga ainda que esta seja influência indireta, já que foram os portugueses que construíram vários fortes para se defenderam da ameaça holandesa. Finalmente, a implantação e desenvolvimento da capital”.
Especulação em Recife
Conversamos sobre os problemas da cidade hoje, ele não se esquivou. Frederico sabe que o carro chefe do turismo, que cresce violentamente, são as praias, o “patrimônio histórico agrega valor”. O futuro o preocupa. Diz que Recife sofre demais com a especulação imobiliária porque ‘a área da cidade é muito pequena’. É a menor capital, em área, do Brasil. Por isto a verticalização exacerbada torna “cotidiano a construção de prédios de 30, até 40 andares”.
Em seguida saímos para “cobrir” a entrevista, ou seja, registrar os monumentos citados. Voltamos no fim do dia, depois do por do sol.
No Campus da UFPE
Sexta- feira, 4- 11- 2005.
Saímos cedo em direção ao Campus da Universidade Federal Rural de Pernambuco.
Mangues detonados no litoral de Pernambuco
Tínhamos entrevistas com diversos especialistas. A primeira foi Maryse Paranaguá, especialista em mangues que fez rápido resumo da situação no litoral de Pernambuco.
Anos 1960 até 1970
Nos anos 1960 até 1970, aconteceu a instalação de grandes indústrias no entorno da ilha de Itamaracá, e município de Itapissuma ao norte, iniciando a era da poluição industrial. Esta é a região do estuário do rio Botafogo, mais conhecido como canal de Santa Cruz. Ele fica próximo a Itapissuma. A cidade tem cerca de 23 mil habitantes totalmente dependentes da pesca e coleta artesanais. O Brasil vivia a época da SUDENE, de triste lembrança, seja ao lidar com os dinheiros públicos ou incentivos, seja ao criar políticas de cunho desenvolvimentista, equivocadas. Entre as conseqüências ao meio ambiente, no Canal de Santa Cruz e outros rios do complexo estuarino, houve derramamento de soda cáustica e mercúrio, para citar apenas dois poluentes. Segundo Maryse, a comunidade teve que lutar muito tempo para conseguir que as empresas instalassem tanques de retenção.
Mangues detonados para loteamentos, resorts, hotéis e marinas
Em seguida veio o desmatamento dos mangues. Mais de um terço da quantidade original, conta Maryse, cortados e aterrados para dar lugar a loteamentos, resorts, hotéis e marinas. Provoquei. Perguntei se o turismo não serviria com substituto da atividade econômica antiga, a pesca e a mariscagem. “
Não. Os moradores só são chamados para a construção da obra civil. Uma vez encerrada eles são dispensados
A chegada da carcinicultura no litoral de Pernambuco
Em seguida a este ciclo predador chegou, recentemente, a carcinicultura ainda mais devastadora.
Maryse condena a prática tal como está acontecendo. Conta indignada, que parte considerável das grandes fazendas é de empresários muito fortes, ou políticos, e que…
…ambos passam por cima das leis. Eles desconsideram o Apicum como área contígua aos mangues, e parte deste bioma, e destroem mais que constroem. A criação de camarões deveria ser autosustentável mas não é
Carcinicultura derruba coqueirais no litoral de Pernambuco
Em Pernambuco a carcinicultura não derruba somente mangues, também os coqueirais.
Como eles retiram os mangues que protegem a linha da costa, as marés em seguida avançam e põe abaixo coqueirais inteiros. Em Itamaracá foi assim
Maryse falou sobre a erosão e invasão do mar, em Barra de Jangadas, no Recife, pelo mesmo motivo: a derrubada dos mangues. Só que esta área já era urbanizada e alguns prédios simplesmente caíram enquanto outros estão condenados.
É evidente que tudo isto somado causou grande perda de biodiversidade numa das áreas mais ricas do litoral norte de Pernambuco.
Tubarões no litoral de Pernambuco
Em seguida tivemos outra conversa, desta vez com Paulo Oliveira, professor baiano dando aulas Pernambuco, pesquisador do laboratório de oceanografia pesqueira da Universidade Rural Federal. Sua especialidade é o tubarão, este peixe tão pouco estudado, com algumas espécies ameaçadas de extinção em vários mares do planeta, ainda que o Ibama não o inclua entre as que correm este risco no país.
Triste recorde
Como se sabe, Pernambuco tem o triste recorde de acidentes com tubarões na costa brasileira. Dos anos 90 para cá foram 46 ataques, com 18 mortes. Por isto nossa série não poderia deixar de abrir espaço para o tema, procurando contribuir para desvendar os mistérios e lendas que ainda cercam a figura do tubarão, considerado injustamente o vilão dos mares.
Ataques começaram em 1992
Os ataques começaram em 1992 nas praias metropolitanas do Recife. Estudos foram feitos e grupos multidisciplinares, formados. O governo também entrou na campanha. Passado algum tempo chegaram às conclusões: Atribui-se a presença dos tubarões, das espécies tigre e cabeça chata, dois dos mais agressivos, a destruição dos mangues de Suape. Isto mesmo. Mais uma vez os mangues foram vitimas da ocupação mal planejada.
Obras do porto de Suape colaboraram para ataques de tubarão
As obras para a construção do Porto de Suape são gigantescas, seu impacto ambiental, também. Ainda que seja muito importante para a economia, gerando empregos, pagando royalties para as cidades atingidas, escoando a produção diretamente para mercados consumidores e, contribuindo para a economia e o progresso, me pergunto se seria mesmo necessário tanto impacto ambiental. Mas o que importa saber, é que, para a construção do imenso porto e refinaria de Suape, grandes áreas de mangues vieram abaixo. Ele era berçário das fêmeas de tubarão cabeça chata que usavam aquele estuário para parir filhotes.
Destruição de mangues e ataques de tubarão
Com a destruição do habitat, o tubarão procura um substituto para continuar seu ciclo de vida. Como os ventos predominantes são de sueste, os indivíduos que antes freqüentavam Suape sobem à costa, embalados pelas correntes. O primeiro que encontram é o do rio Jaboatão, na região metropolitana do Recife. Então, uma série de fatores em cadeia, parece que escapam sorrateiramente de um “saco de maldades” e dão sua contribuição.
Matadouro de Jaboatão e Aterro da Muribeca
Dois deles: o matadouro de Jaboatão, e o chorume do Aterro da Muribeca. Sobre eles, escreveu o professor Fábio Hazin, especialista da Universidade Federal Rural de Pernambuco: “…é razoável supor que o lançamento de sangue e vísceras no Rio Jaboatão, o qual deságua no trecho da praia onde se verificaram 45 dos 46 ataques, tem potencial importante de atrair tubarões”…e mais adiante dá um puxão de orelhas nas autoridades: “O lançamento deste tipo de dejetos diretamente em corpos d’água possui um impacto ambiental tão deletério, que um manual da FAO afirma”…e seguem várias recomendações do órgão da ONU.
Estudo da ONU
Neste estudo, antes de falar sobre as conseqüências dos efluentes do matadouro e do chorume, Hazin explicou o motivo pelo qual o tubarão tem um olfato super- desenvolvido. Para começar ele é um predador do topo da cadeia alimentar, e “tem os bulbos olfativos bastante desenvolvidos, o que lhe confere um olfato extremamente sensível e efetivo na localização de possíveis presas”. O estudo mostra que no ano de 2000, aquele matadouro despejava seus efluentes sem qualquer tratamento a um volume diário de 345 metros cúbicos, “sendo 20 vezes maior que o da segunda fonte poluidora”.
Águas do Jaboatão
Por fim o professor explica que as “águas do Jaboatão se espalham ao longo das praias mais importantes do Recife”. Talvez o nível da poluição seja forte demais, e eles deixam o estuário à procura de um local próximo. Acabam nas áreas recifais, as mesmas que cercam as praias urbanas. Aqui encontram alimento em abundância, especialmente pela pesca de arrasto de camarão, praticada às vezes a cem, cento e cinqüenta metros da costa.
Contribuição da pesca de arrasto para ataques
Como já contei, para cada quilo da espécie pescada as redes trazem mais 80% em fauna acompanhante que é devolvida ao mar, morta, e se transforma no almoço e jantar mais fácil que os tigres e cabeças chatas jamais encontraram. Por isto eles ficam na área, mesmo depois das fêmeas parirem. Por se tratar de animais do topo da cadeia alimentar, são territorialistas ou seja, defendem com dentes, literalmente, o local onde se estabelecem e de onde pretendem tirar seu alimento.
Os surfistas
E, às vezes encontram surfistas desavisados que atravessam a área de recifes em busca das maiores ondas. Os tubarões percebem aquele vulto (as águas são revoltas, turvas) quase tão grande quanto o seu (os tigres e cabeças chatas têm de 2 a 3 metros de comprimento) e, imediatamente, avançam contra eles achando que são seus rivais do mar ou mais alimento. E mordem. Assim que percebem que não se trata de sua dieta, descartam a presa muitas vezes, tarde demais.
Mandíbulas de tubarão
As mandíbulas dos tubarões são armas mortíferas. Prensas poderosas, algumas abrigam até sete fileiras dos dentes mais pontiagudos e afiados que se conhece. Com uma pequena bocada são capazes de cortar a carne e serrar o osso mais encorpado, dilacerando totalmente o membro. Sempre que houve óbito nos ataques em Pernambuco, a causa foi a perda do sangue das vitimas atingidas (e posteriormente soltas) por um único golpe.
Os mangues do Nordeste continuam a ser dizimados
Apesar do aviso, do pânico, da perda de receita no turismo, da dor das famílias e do espaço aberto pela imprensa, os mangues do Nordeste continuam a ser dizimados. Entregues para carcinicultures ou especuladores imobiliários, mesmo sendo considerados APPs- Áreas de Preservação Permanente.
Como se não bastassem os exemplos nacionais, há os internacionais. Depois do devastador tsunami que aconteceu em 2005 na Ásia, ficou provado que onde havia mangues o estrago foi menor, eles protegem a linha da costa contra as forças que vêm do mar.
Autoridades se fazem de cegas e surdas
É o fim da picada. Apesar das evidências nossas autoridades se fazem de cegas e surdas!
Olinda
Sábado, 5- 11- 2005.
O programa foi percorrer e filmar Olinda. Pretendemos fazer um programa sobre a cidade já que ela é uma das mais bonitas da costa brasileira e tem um conjunto de prédios históricos de perder o fôlego.
Igrejas, conventos, casarões coloniais, ruelas, becos, enfim uma aula viva de história da arquitetura colonial no Brasil. Por sua importância, Olinda foi tombada pela UNESCO desde 1982, como Patrimônio Cultural da Humanidade.
Por estar situada no topo de uma colina tem uma belíssima vista do Recife, ao sul, com seu porto e dezenas de canais. O dia inteiro foi gasto neste trabalho. Voltamos para o Mar Sem Fim, atracado no Cabanga Iate Clube, de noite.
Pelos canais e rios
Domingo, 6- 11- 2005.
Para hoje programamos passeio de barco pelos canais e rios. A cidade está abaixo do nível do mar, foi construída entre os rios Capibaribe e Beberibe.
Sua área ocupa um istmo, ilhas, e partes alagadas que foram aterradas. Para mostrá-la aos telespectadores nada melhor que gravá-la de fora para dentro, ou seja, da água para o interior.
Recife, uma das três metrópoles do Nordeste
Recife é uma das três metrópoles do Nordeste, ao lado de Salvador e Fortaleza. A população é de três milhões e quatrocentos mil habitantes na região metropolitana, espremidos no menor espaço de uma capital brasileira. Como sempre, os índices de esgotos tratados são precários: apenas 34% das residências têm o benefício, enquanto 86% contam com coleta de lixo (IBGE, ano 2000). E mais : por estar numa região estuarina, Recife originalmente era cercada por manguezais que tiveram que ser desmatados e aterrados para dar lugar a cidade. Hoje restam pequenas franjas em certas margens, algumas ainda ocupadas por favelas em meio à sujeira, ao lixo, e aos esgotos jogados diretamente nos rios, situação degradante.
Falência do estado
É mais uma prova da falência do estado e da terrível e injusta distribuição de renda. Realidade triste com a qual vamos conviver por longo tempo. Não se muda um país a base de discurso e demagogia. É preciso diminuir o tamanho do estado, dar-lhe um “choque de gestão”, torná-lo eficiente. E fazer muitas reformas, especialmente, a da previdência.
Governo federal desinteressado
Mas o governo federal parece desinteressado. Resultado, hoje mais de 90% da carga de impostos, quase 40% do PIB, são “despesas vinculadas”. Em português claro, quer dizer que depois de pagar a folha de pagamentos do funcionalismo, mais previdência, sobra para o governo investir menos de 0,9% do total arrecadado. Muito pouco para atender nossas necessidades…
Navegando
Passeamos por duas horas navegando, ora por canais, ora pelos rios sempre cercados por prédios enormes e alguns resquícios da cidade velha que resistiu ao tempo. É uma pena não terem preservado mais a cidade antiga. Recife deve ter sido uma beleza nos séculos passados. Não a toa é conhecida como a “Veneza brasileira“.
Cana-de-acúcar: motor da economia até hoje
O motor da economia sempre foi a cana- de- açúcar, desde os primórdios até hoje. Alguns historiadores, como Eduardo Bueno, consideram Pernambuco a única capitania que deu certo, especialmente pela obstinação do primeiro donatário, Duarte Coelho. Logo que chegou, Coelho tratou de construir os primeiros engenhos. Não foi por outro motivo, a riqueza produzida pelo açúcar, que os holandeses a escolheram como área prioritária para a invasão.
Cana-de-acúcar e a destruição da Mata Atlântica no litoral de Pernambuco
Por falar em cana-de-açúcar, vamos também reconhecer que esta cultura foi a responsável pela destruição da maior parte da mata atlântica do Nordeste. Ela começou a ser plantada no vale do Capibaribe, onde antes havia floresta. Hoje os canaviais dominam a paisagem ao sul de Recife, não poupando nem mesmo as margens dos rios. A cana chega até os barrancos que antecedem os leitos, destruiu matas ciliares. Resultado? Poluição por vinhoto e agrotóxicos, e assoreamento de todos eles: o Capibaribe, o Beberibe, o Jaboatão, o Sirinhaém, rio Formoso, etc. A baixa profundidade aliada aos recifes que antecedem a costa, fez com que mais uma vez, deixássemos o veleiro no Iate Clube.
De carro, pelo Litoral de Pernambuco
O primeiro local foi a ilha de…
Itamaracá
Segunda- feira, 7- 11- 2005.
Itamaracá dista 15 milhas, ao norte do Recife. Teve papel fundamental na história da colonização. Foi uma das feitorias iniciais levantadas pelos portugueses.
A primeira foi fundada por Américo Vespúcio, em Cabo Frio, em 1504. Doze anos depois, em 1516, quando o rei quis organizar o comércio da madeira, mandou para cá uma frota comandada pelo “comissário de pau Brasil”, Cristovan Jaques. Ele navegou até Cabo Frio para descobrir que aquela feitoria estava abandonada. Tratou de transferi-la para Itamaracá, mais próxima da Europa, e onde o pau Brasil era tido como de melhor qualidade para a tintura.
Região cercada de manguezais
A região é cercada de manguezais, hoje infestados pela carcinicultura, e é lá que fica uma das últimas colônias de pescadores artesanais de Pernambuco, em Itapissuma e Alcapuz. Quando estivemos na Universidade Federal, fomos alertados pela professora Maryse Paranaguá, e por Tarciso Quinamo, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, para as conseqüências danosas do turismo de massa, e criação de camarões.
Igarassu
Antes de chegar a Itamaracá, passamos por Igarassu, para gravar a igreja mais antiga ainda em funcionamento no Brasil. Seu nome é Cosme e Damião, uma testemunha dos esforços de Duarte Coelho que, antes de construir Olinda, subiu com sua frota a foz do Igarassu onde fundou a vila.
Só alguns anos depois, quando percebeu as vantagens estratégicas de Olinda, com uma vista perfeita da orla, Duarte Coelho transferiu a cidade principal de seus domínios.
Itapissuma, onde as pessoas dependem da pesca artesanal
A viagem de carro é curta. Em menos de cinqüenta minutos estávamos em Itapissuma. A cidade tem cerca de 20 mil habitantes, quase todos dependendo da pesca artesanal.
Nas margens do canal de Santa Cruz fica o pequeno porto onde os pescadores guardam suas embarcações tradicionais. Canoas compridas e estreitas, movidas a pano, iguais as que vimos em João Pessoa.
Suas velas são bem maiores que as do Rio Grande do Norte, ou Ceará. De tão comprida, a retranca às vezes ultrapassa a extensão do casco.
Falta vida marinha aos mangues da região: foram dizimados pelos efluentes da carcinicultura
Conversamos com Joana Mouzinho, presidente da colônia de pescadores. Uma senhora enérgica e ativa que reclamou muito da falta de peixes e crustáceos.
Foram dizimados pelos efluentes da carcinicultura. Neste município há tanques de criação até nos quintais das casas dos moradores, envolvidos e seduzidos pelos grandes produtores que depois compram sua produção. Outro problema, foi a construção de marinas, e a dragagem do canal de Santa Cruz num projeto de turismo desenvolvido pelo estado.
Já houve acidentes com a hélice de lanchas e pescadores. Dona Joana teme pelo afluxo de mais barcos, e a conseqüente diminuição de peixes. Ela é contra a obra. E conseguiu, de tal forma mobilizar os moradores, que o estado parou o projeto enquanto procura solução.
Itamaracá e o Forte Orange, obra- prima no litoral de Pernambuco
De Itapissuma, atravessamos a ponte que liga o continente à ilha, e entramos em Itamaracá. A primeira coisa que se vê, são enormes muralhas de cimento, cercando uma das três prisões que a ilha abriga. Pois é, não existe apenas uma, mas três prisões. Uma delas, de segurança máxima. É outra grita dos moradores, e mais um pepino para o turismo.
Seguimos em frente até encontrarmos o mar, do outro lado, onde ficam as ruínas do forte Orange de origem holandesa. Apesar da importância histórica e da beleza, seu estado é de semi-abandono. Conversamos com Zé Amaro, ex- presidiário que acabou conhecido como guardião do forte porque, desde que o conheceu, nunca mais abandonou o local.
Zé Amaro se mudou para o Forte Orange
Quando Zé Amaro foi solto, se mudou para o Forte e passou a cuidar do imóvel como se fosse casa. Ele fez tudo para chamar a atenção das autoridades, pediu dinheiro para reformas. Só conseguiu retorno quando bateu na porta da embaixada da Holanda que, sensibilizada, sugeriu que abrisse uma Fundação através da qual pudesse receber recursos. Foi o que fez nosso amigo. Desde então as coisas melhoraram até o ponto em que o Forte, hoje, não sofre mais a ameaça de ruir, muito embora suas condições deixem a desejar.
Figura adorável
Zé Amaro é uma figura adorável. Falante, simpático, com uma barba imensa e sotaque carregado. Contou do tempo em que dormia no próprio Forte, e se alimentava dos caranguejos do mangue. Fica triste ao dizer que hoje não há mais vida, “depois que a carcinicultura se estabeleceu”.
Base do Projeto Peixe Boi de Itamaracá
Para finalizar, visitamos a Base do Projeto Peixe Boi. Para ela são trazidos os filhotes que encalham na costa nordestina. Nossa surpresa foi ainda maior quando acompanhamos um trabalho de biometria num deles, aquele que Paulina Chamorro salvou quando visitávamos a costa do Ceará.
Relatei este fato no diário de bordo daquela etapa, quando estávamos em Aracati para ver os estragos produzidos pela maior fazenda de camarões da região. Pois aquele animal foi resgatado e lavado para Itamaracá. Aqui recebeu o código de B5, relativo a bebê 5, enquanto espera uma votação que escolha seu nome. Mas a ficha não deixa dúvidas: resgatado em Canoa Quebrada em 29 de Agosto de 2005, mesmo dia do telefonema dado por nossa repórter. Aí, menina, seu esforço não foi em vão. Parabéns!
Porto de Galinhas, Gaiubu, enseada dos Corais, e Pedra do Xaréu: corte de Mata Atlântica e especulação
Terça- feira, 8-11- 2005.
Nossa viagem é para o litoral sul até Porto de Galinhas, uma das mais belas regiões da costa pernambucana, e a que mais recebe investimentos do turismo.
Durante o trajeto, o que mais se vê são canaviais em ambos os lados da estrada. A paisagem é bonita, com morros cobertos de cana até quase o topo, onde ainda se vê restos da antiga capa de mata atlântica que se estendia por todo o litoral.
Paramos para ver a ocupação
Antes de chegar paramos em algumas praias para ver a ocupação. A primeira foi Guaibu, uma das mais adensadas. Tudo que se vê são casas de veraneio muito próximas umas das outras.
Foram construídas para trás da primeira faixa de coqueiros e árvores, mas ainda assim, bem antes dos 300 metros que a resolução do CONAMA considera como APPs (Resolução Nº 303, de 20 de Março de 2002). Estas resoluções em muitos casos chegaram tarde demais, porque as praias próximas das capitais já estavam ocupadas. É sempre assim, o estado nunca planeja, vai a reboque.
Enseada dos Corais, e Pedra do Xaréu
Além de Guaibu paramos na enseada dos Corais, e Pedra do Xaréu, ambas em situação parecida. O banhista tem dificuldade para o acesso tal a quantidade de casas ou muros.
Farol do Cabo de Santo Agostinho
De lá seguimos até o Farol do Cabo de Santo Agostinho, ponto notável da costa bastante conhecido por quem navega. Ele fica em cima de um morro de onde se tem linda vista, com o mar turquesa típico daqui indo até o infinito.
Recife, ao norte, e o porto de Suape, ao sul. Infelizmente, do morro pode-se ver vários outros sem cobertura vegetal, com sinais fortes de degradação. Basta cortar o mato para as chuvas fazerem o resto provocando erosão.
Desmatamento
Desmatar no século 17, para se construir uma cidade como foi o caso de Recife, vá lá. Naquele tempo a pressão para a manutenção e preservação do meio ambiente inexistia. Para assentar uma cidade não havia outro jeito. Mas, continuar devastando três séculos depois, parece burrice, teimosia, ou as duas coisas.
Seguimos em frente
Seguimos pela estrada que margeia a costa, mas não por muito. Logo adiante, na enseada de Suape, a estrada acaba na entrada de mais um resort, daqueles grandes, cujo impacto no cenário é devastador: caixotões de cimento sobressaindo na paisagem. É preciso retornar até a BR, mais para o interior, para seguir em direção ao sul.
BR no litoral de Pernambuco
Em Pernambuco, ao contrário do Ceará e Rio Grande do Norte, a BR não segue muito rente a costa, corre paralela, um pouco mais para o interior. Para ir para as praias, é preciso pegar desvios, saindo da estrada em direção às cidades e vilas que foram construídas quase sempre nas fozes dos rios, próximas do mar. Em seguida, continuamos em direção a Porto de Galinhas, aonde chegamos minutos depois.
Porto de Galinhas e o turismo: cem mil turistas na temporada
Porto de Galinhas é uma região muito bonita. Cercada de coqueirais, suas praias não são muito largas, mas bastante extensas e sempre com o mar de um turquesa formidável. As piscinas de recifes, e a arrebentação das ondas, ficam mais pra fora.
Município de Ipojuca
Porto de Galinhas faz parte do município de Ipojuca, terceira maior arrecadação do estado, atrás de Jaboatão e Recife. Nos últimos 20 anos o turismo, que antes era forte no litoral norte, descobriu o sul. Investimentos foram feitos. Ipojuca, com 60 mil habitantes, tem sete mil leitos disponíveis. Os empreendedores são empresários nacionais, seguidos por portugueses e italianos. 65 % dos turistas são brasileiros, a maior parte, paulistas; os outros 35 %, europeus. O município também tem leis que impedem a construção de espigões, como a Paraíba. Aqui, a altura máxima não pode ultrapassar 14 metros de altura, o que equivale a um andar térreo com mais três em cima. Mas não há nenhuma lei que estipule um limite horizontal para a ocupação. O resultado é um adensamento forte demais.
Economia de Ipojuca
A economia de Ipojuca é movida pela cana, as maiores lavouras de Pernambuco ficam aqui, e pelo turismo, que emprega quase 20% da mão de obra. Por isto pode se dar ao luxo de investir. No momento a região está em obras. A prefeitura promete entregar uma rede de esgotos que atenda cem por cento das residências até o final deste ano. Que sejam rápidos mesmo, é muita gente para um local sem infraestrutura.
Foz do rio Maracaípe
Estivemos na foz do rio Maracaípe, um pouco abaixo, habitat de uma grande colônia de cavalos marinhos, estes frágeis peixes que vivem no mangue.
Já era tarde quando acabamos. Resolvemos dormir por aqui e continuar amanhã. Eu ainda queria descer um pouco mais ao sul, para ver se especulação e o turismo continuam avançando.
Tamandaré
Quarta- feira, 9- 11- 2005.
Logo cedo rodamos 60 km para o sul, até chegarmos em Tamandaré, pouco antes da fronteira com Alagoas. Impressionante a diferença. A mesma beleza cênica, com coqueirais por todos os lados. Uma bela reserva de mata atlântica ainda preservada, aos cuidados do Ibama, a Reserva de Saltinho. Praias lindas. Mas é bem menor o assédio do turismo apesar de Tamandaré ser bastante adensada.
Um pontinho da costa entra na moda
É incrível. De repente um pontinho da costa entra na moda. Parece que só existe ele. Todo mundo quer conhecer. Das grifes famosas, aos hotéis de luxo, passando por restaurantes, bares, e lojas . É claro que isso atrai um monte de pessoas, às vezes bem mais do que o local suporta. Porto de Galinhas chega a receber quase cem mil turistas no pico da estação e, a cada ano que passa, fica mais parecida com Búzios, no Rio de Janeiro. De tanto crescer, corre o risco de perder as belezas naturais que lhe deram fama. Enquanto isto, poucos quilômetros adiante, você encontra o mesmo tipo de praia, a mesma beleza do entorno, só que numa região menos “in”, portanto, com menor algazarra e movimento.
Começando a voltar
De Tamandaré iniciamos a volta, parando na praia de Carneiros, abarrotada de casas de veraneio. Praia bonita, mas me parece uma ocupação exagerada.
Gameleiro
Depois estivemos em Gameleiro. Uma linda baía com dois resorts construídos sem agredir a paisagem. Vejam aí, consegui encontrar resorts ecologicamente corretos. Que beleza! Os daqui têm chalés de apenas um andar, rústicos e confortáveis, adaptados à arquitetura local. Ficam bem espaçados uns dos outros, e do tipo que não se vê da praia. Turismo assim só faz bem: gera empregos, incrementa a economia, respeita a infraestrura instalada não trazendo gente demais e, especialmente e mais importante, não causa interferência na paisagem. Impacto zero! Temos este belo exemplo no litoral sul de Pernambuco.
Barra do rio Sirinhaém
A próxima parada foi em barra do rio Sirinhaém, talvez a menos invadida. A mesma beleza, mas quase sem turistas ou casas de veraneio. A localidade ainda se sustenta da pesca artesanal.
E terminamos a visita. Conhecemos quase todo o litoral de Pernambuco. Ficou de fora apenas São José da Coroa Grande, na divisa com Alagoas, que pretendemos conhecer na próxima etapa.
Ocupação do litoral sul pernambucano
A ocupação do litoral sul pernambucano, apesar de também viver o boom do turismo, não é tão danosa quanto a do Ceará e Rio Grande do Norte. Mas também não serve como exemplo, a não ser em poucos casos especiais, como os dois resorts. No mais, as construções dos hotéis e casas de veraneio são menos agressivas, e as áreas ocupadas pelas fazendas de camarão, menores se comparadas ao que acontece no Ceará. Quanto ao cenário, tipo de mar e formação da costa, não podia ser mais espetacular.
Fundação Joaquim Nabuco e a transposição do São Francisco: pesquisadores condenam projeto
Quinta- feira, 10- 11- 2005.
O dia foi dedicado a mais consultas na Fundação Joaquim Nabuco. Em breve estaremos em Alagoas, onde deságua o São Francisco. O tema da transposição está quente em todo o Brasil. Conversamos com o pesquisador João Suassuna, que tem mais de dez anos de estudos dedicados ao rio.
Ele é radicalmente contrário. Considera absurdo o Governo Federal investir 4,5 BILHÕES de reais numa obra que não deve trazer os benefícios esperados.
Nordeste: maior potencial de água do semi- árido do mundo
Suassuna mostra dados interessantes. O Nordeste tem muita água, mas faltam planos para seu uso. Ao todo a região tem 70 mil represas que acumulam 37 bilhões de litros de água. E arremata:
É o maior potencial de água em semi-árido do mundo
Na opinião dele não se acaba o problema da seca, vivido pelo nordestino pobre, por mera falta de vontade política. E alerta:
Concluída a transposição os caminhões- pipa, tradicionais e demagógicos arrecadadores de votos, vão continuar em uso
O São Francisco é muito pobre em recursos hídricos
João Suassuna demonstra que o São Francisco é muito pobre em recursos hídricos. “Sua vazão é de apenas 2.800 metros cúbicos por segundo, para 640 mil quilômetros quadrados de bacias, enquanto a vazão do Tocantins, de tamanho semelhante, é de 11 mil metros cúbicos por segundo”, compara.
E explica:
60% do rio corre no semi-árido onde existe muita evaporação, e parte de seus afluentes é de rios temporários. O São Francisco não tem água nem para abastecer as outorgas já dadas.
SBPS contra o projeto
Em seguida comentou que, em agosto de 2004, a reunião anual da SBPC (Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência) reuniu as maiores sumidades na questão, a conclusão foi não fazer o projeto.
A idéia do Governo é construir 700 km de canais com 25 metros de largura, por cinco de profundidade. Eles levariam a água do São Francisco até açudes e reservatórios, vencendo alturas de até 500 metros com auxílio de bombas. Tudo isto atravessando uma área propícia para a evaporação, com muito sol e ventos fortes. É a maior obra de infraestrutura desde a construção da usina de Itaipu, nos anos 80.
EMBRAPA tem planos engavetados
Suassuna diz que a Embrapa tem vários planos para a melhor utilização da água acumulada pelo Nordeste. Mas “estão na gaveta”. Em seguida foi categórico ao dizer que a maior parte da água vai evaporar no caminho. Sem contar que, por onde passam os canais, existem rochas que afloram ao solo, do tipo cristalino. Por isto…
…a construção terá de ser feita a poder de dinamite, elevando o custo, e causando sérios problemas ambientais
De onde o Nordeste vai tirar energia?
João Suassuna diz que 95% da energia do Nordeste vem do São Francisco, “a CHESF explorou todo o potencial”, mas a região cresce a índices muito fortes. Em 2003 foi de 4,5 do PIB. Em 2004 houve um crescimento vegetativo. Mas em 2005 prevê-se um incremento de algo em torno de 3,5 do PIB. Como a demanda por energia cresce normalmente 2,5% acima do PIB, podemos esperar novo período de racionamento, ou…”de onde o Nordeste vai tirar energia”?
País deveria ampliar sua matriz energética
Conclui dizendo que o país deveria aproveitar o momento para ampliar a matriz energética, toda calcada na hidrologia.
Basta um descompasso no regime de chuvas, como o de agora na Amazônia, para ficarmos na mão. O Nordeste poderia contribuir muito com energia eólica ou solar, mas o governo parece ter decidido pela pior opção: a energia das termoelétricas, mais cara, e extremamente poluente tendo entre seus rejeitos várias substâncias cancerígenas.
Suassuna conversou um bom tempo conosco e foi inflexível frente à mega- obra que o governo, sem credibilidade para tanto, pretende levar adiante em ano de eleição.
Suassuna, Aziz Ab’Saber e João Abner: todos contra a transposição
Apesar destes argumentos, e de outros como os do renomado hidrologista João Abner, oriundo de um estado receptor, o Rio Grande do Norte, ou o do geógrafo Azis Ab’Saber, o governo insiste em seguir em frente. O Ministério da Integração Nacional, Ciro Gomes, alardeia que “a obra é autosustentável, estará pronta em 2007, e vai acabar coma indústria da seca”.
Façam suas apostas, senhores, não há limites. Mas saibam que o Banco Mundial tem dúvidas. Não vai apoiar a transposição.
Manutenção do veleiro
Sexta- feira, 11- 11- 2005.
Paulina desembarcou de madrugada. Ela leva as fitas para São Paulo e inicia a edição. Eu e Cardozo faríamos pequenas compras de itens elétricos necessários à manutenção do veleiro. Em seguida navegamos, hoje mesmo, para Porto de Galinhas para um descanso antes de seguirmos até Maceió. Foi uma tremenda dificuldade achar lojas certas. Rodamos de um lado para o outro sempre enfrentando trânsito pesado, tão comum em Recife. Perdemos o dia.
Deu pra perceber que a cidade não está tão bem tratada como as outras capitais. Todas têm problemas de sobra. Mas ,em geral , são mais limpas e melhor sinalizadas.
Navegando outra vez…
Sábado, 12- 11- 2005.
De madrugada, com o Mar Sem Fim abastecido, casco limpo, e tempo bom com vento leste entre 13 e 15 nós, saímos do Cabanga Iate Clube, onde fomos muito bem recebidos, para Porto de Galinhas. No caminho vamos gravar o porto e refinaria de Suape, grande vilão do maior dano ambiental do litoral de Pernambuco.
Suape visto do mar e refinaria Abreu e Lima
Suape tem uma grande vantagem geográfica: fica a cinco dias e meio da costa leste americana, e de Roterdã, na Holanda. E a apenas 40 km do Recife. Ele será um dos portos brasileiros mais modernos. Estes motivos foram alguns dos que a Petrobrás avaliou, quando escolheu o local para abrigar também a refinaria Abreu e Lima, projeto de 2,5 bilhões de dolares, em parceria com a estatal venezuelana PDVSA. Em 2010, 2011, ela deverá entrar em operação, produzindo gasolina, diesel, e nafta, um subproduto muito usado por empresas petroquímicas. Tudo isto atrai ainda mais empresas, como a italiana Mossi & Gisholfi, que vai produzir resina plástica e poliéster, além de fábricas de ácido terafilático purificado (PTA), e outra de Paraxileno (PX). Mas tem mais:
Maior estaleiro do Hemisfério Sul…
A Camargo Correia pretende construir no mesmo local o maior estaleiro do Hemisfério Sul, especializado em embarcações e plataformas de petróleo off-shore. Isto trouxe muitos investimentos, degradação ambiental e empregos. E fará de Suape um pólo industrial, e o grande porto brasileiro de distribuição de contêineres. A previsão é movimentar um milhão deles por ano!
Transnordestina
Falta apenas a construção da ferrovia Transnordestina, antigo projeto abandonado nos anos 90. A ferrovia é controlada pela CSN, e depende, para seguir em frente, de sinal do Governo Federal que vai financiar 90% do projeto avaliado em mais 5,5 bilhões de reais. Por esta monumental obra os banhistas de Recife pagam um preço, assim como o meio ambiente. É inevitável…
De Recife para Porto de Galinhas são 30 milhas, de lá para Maceió, mais 85.
Chegamos à primeira parada por volta das 11 horas da manhã. Do mar só se vê os telhados das casas, alguns prédios mais altos, e centenas de barracas de praia.
Verificações no veleiro
Aproveitei para mergulhar, dar uma checada na limpeza do casco do Mar Sem Fim, e verificar se o pé de galinha (peça que segura o eixo) estava bem fixado. Quando estávamos no Amapá e encalhamos no rio Calçoene, percebemos que o pé de galinha estava solto. Não fosse o acidente que permitiu a visão da peça, teríamos tido grandes pepinos durante a navegação para Macapá. Desde então, peguei o hábito de checar. Felizmente estava tudo ok.
Ótimo. Tempo livre para um belo churrasco a bordo, depois uma soneca gostosa, embalado pelo balanço das ondas. Quando for meia noite saímos para Maceió.
De volta ao mar…
Domingo, 13- 11- 2005.
Acordei às 4 horas da manhã com o Alonso ligando o motor do veleiro…
Foi ótimo que tenha sido assim, motivo: saindo com luz do dia pude observar a costa, já que navegamos a apenas cinco milhas para fora. Quando a gente está na praia, não tem muita noção do espaço ocupado por um imóvel, ou alguma intervenção. Porque o observador está na mesma perspectiva. Fica impossível saber qual proporção da novidade inserida, ou qual parte do cenário original vai “roubar”. Falta-nos a noção do todo.
A visão do mar para a terra destaca os absurdos
Mas, quando você vê a costa a partir do mar, todos os elementos estão à mão: a praia no centro, o entorno em ambos os lados, e o mar na frente. Agora temos perspectiva. Um observador pode ver quanto daquele espaço foi ocupado, e que tipo de interferência causou. É só prestar a atenção para onde vai o centro do olhar, depois de uma visão geral da paisagem. Se seu olhar é “hipnotizado” pela beleza natural, então você sabe que ocupação é sustentável, ou seja, o impacto é baixo, não se nota. A praia tende a continuar tão bela como no princípio, e a cadeia de vida marinha será pouco afetada apesar de haver alguma opção econômica ali dentro.
Se o produto da interferência humana ganhar o foco central…
Mas, se o produto da interferência humana ganhar o foco central, e contrastar, perturbar a harmonia da cena, então talvez ela seja insustentável. Para começar, o empreendimento não preserva nem a beleza natural pela qual foi atraído. Polui visual e ambientalmente. Deixa sem defesas um ecossistema frágil e importante, já que é na orla que começa quase 90% de toda a cadeia de vida marinha.
Ocupação do litoral de Pernambuco produz estrago cênico
É com estes critérios, entre outros, que me preocupo quando adjetivo um trecho do litoral. Navegando por estes mares, próximo da costa, percebo que a ocupação da maioria das praias produziu enorme estrago cênico. No caso em que deram lugar a cidades, como Recife, Fortaleza ou Natal, ou construções da dimensão dos portos de Suape e Pecém, é inevitável. Mas, nas outras, nas praias não urbanas, dedicadas ao turismo, veraneio ou extrativismo, por que não lutar por uma ocupação com a paisagem original preservada?
É perfeitamente possível ocupar sem estragar
Basta bom senso, noção de proporção, e um pouco de informação. Quanto a exuberância da natureza e paisagem originais, a maioria das praias de Pernambuco está comprometida. Resta saber se a infraestrutura, que já falta, vai chegar antes de um novo surto de crescimento ou depois. Se for depois, como tem sido a regra, podem ter certeza que o estrago na biodiversidade também será severo. Mesmo que não pareça à primeira vista.
Livres mesmo só estão as últimas cinco ou seis praias do extremo sul do estado, situadas abaixo da Baía do Tamandaré, na região de Várzea do Una, São José da Coroa Grande, por ali, já na fronteira com Alagoas.
Fronteira com Alagoas
Vale saber o qual o ponto notável que marca a fronteira entre os dois estados, para quem enxerga do mar. Há pouco eu estava lá fora, aproveitando a brisa, o conforto e a visão panorâmica do cockpit quando o Alonso me chamou a atenção: “João, tá vendo aquela mancha branca na proa, às duas horas? “.
Um baita paredão de concreto
Olhei e logo vi. Um baita paredão de concreto, alto demais para uma região não urbana. O que será aquilo, pensei, um tróço tão grande, feio e agressivo?
Com o binóculo tive certeza: um enorme prédio. Um caixotão horrendo. Cinza e solitário, alto e largo, detonando uma paisagem que demorou milhares de anos para se formar. E além de tudo desnecessário, porque não está numa grande cidade com problemas de espaço, mas no meio de pequena vila costeira. Lá está o intruso estragando a paisagem, soberano, testemunha inconteste da façanha de algum incauto. Além de permanente troféu ao mau gosto.
Por que preservar o cenário?
E, por que preservar também o cenário? Porque ele é raro, único. Normalmente tem formas sutis, graciosas, e uma gama de cores de grande variedade e harmonia. É bonito, agrada a vista. De seu complexo sistema de relações e dependências emana a vida. Ocupar mal a costa significa contribuir para transformar o mar num deserto inanimado. E temos responsabilidade sobre isto, simplesmente porque a zona costeira do Brasil é uma das maiores que um país pode ter, com quase oito mil quilômetros. A quem responsabilizar pela má ocupação, senão a nós mesmos?
E se você acha que esta é apenas a preocupação de um pobre jornalista, ponha às barbas de molho. Anote e espalhe o que vem a seguir: “A Zona Costeira é patrimônio nacional. Sua utilização deve se dar de modo sustentável”. Parágrafo 4º, artigo 225, da Constituição Federal do Brasil.