Comércio de pescados, startup Olha o peixe é modelo

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Comércio de pescados, startup Olha o peixe é modelo, uma ótima novidade

Quem conhece a costa brasileira, e os nativos que habitam esta faixa, sabe da penúria em que vivem. Desde o tempo em que havia fartura de peixes, até hoje quando minguam às carradas, eles jamais foram privilegiados. Este site sempre disse que os nativos da costa formam o grupo dos maiores credores da sociedade. Simplesmente não há, e nunca houve, políticas públicas para eles. É um grupo importante que tem natural dificuldade em se reunir para, em conjunto, pressionar os governos em suas três esferas pela melhoria de vida. É um dos únicos credores da sociedade que quase nunca pressiona, como tantos outros desprivilegiados que o fizeram e conseguiram avançar suas pautas. Como o verão remete à praia, e ao pescado, voltamos com o tema, Comércio de pescados, startup Olha o peixe é modelo.

Imagem do site Olha o peixe

Comércio de pescados, startup Olha o peixe é modelo

A única vez que houve pressão nacional por parte de pescadores foi na época do notável jangadeiro Manuel Olimpio Meira que entrou para a história como Jacaré. Morador do litoral do Ceará, praia de Iracema, Jacaré não se conformava com a falta de direitos trabalhistas dos pescadores.

Inteligente, mas iletrado, curioso pelas coisas da vida, uma de suas primeiras medidas depois de assumir a presidência da colônia de pesca Z1, foi  inscrever-se no curso de alfabetização. Revoltado com as condições dos pescadores, queria aprender a ler e escrever para ir ao Rio de Janeiro reclamar com o ditador Getúlio Vargas.

A presença dos atravessadores no comércio de pescados

Jacaré não se conformava com a presença dos atravessadores. Eles compravam o pescado na praia por baixos preços e os revendiam com alto lucro nas peixarias, contribuindo para a perenização da pobreza exatamente como ocorre até hoje, mais de 80 anos depois da Saga de Jacaré e a jangada São Pedro já comentada neste espaço.

A saga de Jacaré

Resumindo a história, em 1942 Jacaré saiu do Ceará e navegou até o Rio de Janeiro, então a capital do País, com três companheiros a bordo da jangada São Pedro. Os Diários Associados, de Chateaubriand, fizeram uma subscrição e conseguiram arrecadar o dinheiro para a construção da embarcação. E em cada parada litoral abaixo, Jacaré se dava conta que a situação em que vivia não era exclusiva dos cearenses, mas de todos os pescadores do País. E, em cada uma delas, ganhava ainda mais simpatia da imprensa e dos brasileiros que o acompanhavam via imprensa.

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A estrela que desembarcou na capital

Quando desembarcou no Rio estava famoso, teve uma recepção apoteótica e foi recebido por Getúlio. Sua saga foi capa da revista Time. Pela primeira vez os pescadores foram ouvidos, ainda que a situação de miséria persista até hoje. Pouco tempo depois, filmando com Orson Welles que ficou encantado com sua história, Jacaré morreu afogado quando estavam para iniciar a filmagem da reconstituição de sua chegada à capital.

Até hoje persistem os atravessadores. Foi com a intenção de mitigar esta situação que surgiu a Olha o Peixe, uma bela ideia de uma startup do Paraná.

‘Startup do litoral do Paraná conecta pescadores a restaurantes e consumidores’

Este é o título do jornal Gazeta do Povo em 8/12/2020. A matéria conta que o dono da startup Olha o peixe, Bryan Muller, teve exatamente esta ideia: contribuir com os pescadores artesanais dando-lhes a opção de se livrarem de atravessadores.

detalhes do site olha o peixe
Do site do Olha o peixe.

Faz muito que este site comenta mais esta triste realidade da costa brasileira e seus moradores. O valor do pescado é baixo demais. Pra começar, é um recurso finito que diminui a cada dia que passa. Pandemia de plástico, acidificação, perda da habitats, e o super poder dos grandes e equipados barcos de pesca dão cabo do que sobra.

Tudo isso em conjunto está acabando com a vida marinha. Só por isso, pela finitude que se avizinha, peixes e frutos do mar deveriam ser mais valorizados. Lembro-me que ainda durante a primeira viagem pela costa brasileira ao chegar ao Rio Grande do Sul depois de dois anos navegando e conhecendo a realidade da zona costeira deste o rio Oiapoque, conversei com vários especialistas.

A opinião de especialistas sobre comércio de pescados

Um deles foi Lauro Barcelos, oceanógrafo e museólogo da Furg-Fundação da Universidade de Rio Grande. Lauro comentou que é difícil ordenar a pesca e, com ironia, discorreu sobre “o dever do homem de matar a vida nos oceanos”. E arrematou: “vamos extraindo até o esgotamento total”. E ainda comentamos o baixo preço do pescado, em especial quando surgem os atravessadores.

Em geral os professores da Furg concordaram que era preciso estudos, e amparo aos pescadores artesanais, na cadeia de valor das espécies marinhas. E desde então, esta se tornou uma de nossas preocupações. Mas nada foi feito de concreto. Por isso a novidade de hoje é mais que bem-vinda: ela pode ser o começo de uma virada.

Comércio de pescados: Olha o peixe

Bryan demonstra conhecer a situação. Ele procurou focar nalguma solução. Há dois anos iniciou o trabalho que tem grande impacto social.

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“Vivenciei durante anos a rotina destes pescadores e uma das maiores dificuldades deles é a comercialização de peixes. Então, nós desenvolvemos e implantamos o projeto com um objetivo social, já que os pescadores, até então, dependiam de intermediários que não pagavam valores justos e atrasavam os pagamentos por meses, o que caracterizava uma situação de vulnerabilidade.”

A Olha o peixe criou um novo modelo para a comercialização de pescados no Paraná, que coloca os pescadores como protagonistas em todo o processo, da pesca à venda direta.

Os pilares da empresa são a pesca artesanal, negociações mais justas e pescarias mais seletivas. Neste link você vê as comunidades que trabalham com Bryan.

Um parêntesis sobre a pesca artesanal

Relendo o post depois de publicado, notamos que pode ter ficado para alguns leitores nas entrelinhas um possível ‘endeusamento’ dos pescadores artesanais.

Atualizando o texto

A partir da percepção, atualizamos o texto para lembrar que as causas do acelerado e preocupante decréscimo da vida marinha são várias, entre elas o desaparecimento de habitats, fruto do crescimento das cidades costeiras e do deleixo que sempre existiu em relação à legislação ambiental no que diz respeito à zona costeira e bioma marinho nacionais.

Superpopulação mundial e problemas

E vivemos o fenômeno da superpopulação. Até o fim deste século seremos possivelmente 10 bilhões de inquilinos no planeta. Cada pessoa gera em média cerca de 1,2 Kg de lixo por dia; e seus usos e costumes provocaram não só o aquecimento global, como a acidificação dos oceanos. Ambos, anabolizados pela poluição, contribuem para o sumiço da vida marinha.

Problemas da pesca industrial e artesanal

E ainda temos a indústria mundial pesca com seus subsídios insustentáveis que chegam a US$ 35 bilhões de dólares ao ano. Mas também persiste a pesca artesanal e seus problemas. E ela também provoca danos que, em escala mundial, não podem ser relegados.

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Dilemas no Brasil

A pesca artesanal no Brasil sofre variados dilemas. A falta de educação ambiental e apoio do Estado para propor soluções sustentáveis e banir  práticas  danosas como o arrasto e as redes de emalhe para não falar em pesca com bombas e ou veneno e outras, ainda em uso por  pescadores artesanais, são parte deles.

Os problemas gerados pela pesca artesanal poderiam ser sanados com mais educação ambiental, e especialmente uma proposta sustentável de alternativas, aliada à  fiscalização capaz de banir ou minimizar as práticas suicidas como algumas das mencionadas.

Mas no Brasil, e não é de hoje, sequer temos estatísticas de pesca em mais uma prova que sucessivos governos, dede o advento Dilma Rouseff, estão pouco se lixando para a sorte de quase 1 milhão de pescadores.

Estatísticas compete ao Estado que, na educação, pode contar com a ajuda naturalmente menor das hoje demonizadas ONGs. Já a questão do valor do pescado, que também é uma das funções do Estado, não exclui ações propositivas do setor privado. Especialmente como esta da do Olha o peixe.

Mas, para que prosperem, é fundamental que as startups certifiquem igualmente a qualidade da pesca praticada nas comunidades engajadas. O mito do bom selvagem não passa…de mito.

Com isto em mente saiba….

Como funciona a startup Olha o peixe

Os clientes, sejam eles pessoas comuns, restaurantes, etc, fazem suas encomendas online. Eles podem optar por entregas semanais, ou através do clube de assinatura mensal. E recebem os produtos em casa, direto de pescadores. Restaurantes que trabalham com frutos do mar são priorizados pela empresa de Bryan.

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O modelo de negócios tem suas vantagens, uma delas é a fidelização dos clientes que fazem questão de produtos frescos e saudáveis. Conforme as compras dos clientes aumentam, a empresa concede brindes e, até, descontos. Atualmente a Olha o peixe trabalha com dez comunidades do litoral do Estado.

Para este escriba é um ideia brilhante. Há boas chances de ser replicada ao longo do litoral do Brasil. Que restaurante, ou consumidor antenado, não gostaria de receber produtos em que possa confiar em casa? O projeto pelo que se sabe, ainda trabalha com escala pequena. Mas tem tudo para crescer.

Em grande cidades, próximas ao mar como São Paulo, Rio de Janeiro, Vitória, Fortaleza, Natal, e tantas outras, a solução de Bryan pode representar a melhoria de vida de milhares de pescadores.

Indicadores do site Olha o peixe

Interesse fora do Brasil

Segundo Bryan, ‘o negócio já gerou interesse fora do Brasil. Pessoas de outros países gostaram do nosso modelo de negócio. Já conversei com uma pesquisadora do Canadá e pessoas de Angola’.

É claro, o problema é mundial! Segundo a Gazeta do Povo, o negócio está em fase de expansão e a meta é alcançar outras regiões do litoral paranaense no ano que vem. A empresa foi selecionada para fazer parte do Bom Gourmet Stage, programa de aceleração de startups do setor food service desenvolvido pelo Bom Gourmet Negócios.

Para saber mais, acesse o site da Olha o peixe.

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O Mar Sem Fim torce pelo sucesso de Bryan, e que o novo modelo para comércio de pescados que agora começa seja replicado à beça por toda a zona costeira.

Imagem de abertura: Página de abertura do site Olha o peixe

Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/bomgourmet/bgstage/olha-o-peixe-conecta-pescadores-a-restaurantes-e-consumidores/?fbclid=IwAR1tbM7jeQZAlH2WzzsyJIsRwFsYV_QEZ7QOqE-LN3XSOxYQePkUQ2vRYgk.

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Comentários

8 COMENTÁRIOS

  1. Acompanho o projeto desde a época em que o Bryan fazia tudo sozinho, até entregar o peixe em casa. Não só remunera melhor os pescadores mas mudou a cultura e os processos, com educação ambiental e estrutura de produção. O mesmo para os clientes, com informações constantes, atualizadas. Ainda hoje priorizo restaurantes que compram da Olha o Peixe. Que essa iniciativa seja replicada em toda costa!

  2. Um dos principais problemas para comercialização de pescados por pescadores artesanais é a necessidade do produto passar por um estabelecimento com serviço de inspeção sanitária. Sabe dizer como isso foi resolvido neste caso? Obrigado

  3. Sou suspeito por ser assinante, mas não posso deixar de comentar a satisfação com o atendimento, com o carinho que toda equipe. O sentimento é de conhecer cada um dos pescadores das comunidades, uma aproximação imaginária que traz novo tempero para cada prato feito aqui em casa. Parabéns Bryan, Gui e toda equipe.

  4. Moro na França e aqui a Poiscaille.fr , que possui exatamente esse modelo, ja funciona ha anos nesse sistema, com mais de 9mil assinantes.
    Os pescadores recebem ate 5x mais pelo pescado e o cliente recebe o peixe FRESCO e bem cuidado. Claro, eh outra realidade, aqui os correios tem um servico de entrega refrigerada, acredito que esse deva ser o mais desafio. “Cadeia de frio” no Brasil do pescador ate o cliente…
    Parabens pela iniciativa. Se funcionar espero que chegue na minha saudosa ilha de Vitória.

  5. Super agradeço o feedback e pela matéria! Infelizmente a pesca artesanal no país (e por que não, no mundo) é desvalorizada e em situação de vulnerabilidade socioeconômica. A Olha o Peixe foi nossa forma de contribuir com essa cultura e tradições tão bonitas, e também de dar a oportunidade de o consumidor conhecer o que está comendo, que é um direito dele. Sonhamos com um consumo menor de cação, salmão e panga, e mais de pescadinha, cavala e carne de siri, por exemplo :) abraço!

    • Bryan, agora diretamente, mais uma vez desejo grande sucesso. Em mais de 40 anos navegando e observando a triste sina dos nativos da costa, é a primeira ação que vejo no sentido de mitigar a situação. Até hoje o máximo que tivemos foram alguns seminários que abordaram a questão dos atravessadores e preços baixos de pescado e frutos do mar. Você foi além.
      Oxalá alcance seus objetivos, no que depender de nós continuamos abertos para contribuir disseminando a ideia. Abraços

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