A Barca-farol e o litoral norte-atlântico

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A Barca-farol encomendada da Inglaterra e o litoral norte-atlântico

A Barca-farol e o litoral norte-atlântico é um artigo especial de Matheus Gomes de Lima.

A sinalização náutica

Quando falamos de sinalização náutica o pensamento remete imediatamente aos grandes faróis e faroletes com potentes aparelhos luminosos em regiões costeiras. Lembramos até mesmo o mais icônico deles, uma das sete maravilhas do mundo antigo, o farol de Alexandria.

Porém, você já ouviu falar da barca-farol ou farol flutuante? Essas embarcações têm como objetivo sinalizar áreas marítimas ou fluviais onde a construção de um farol não é viável. E, assim, prestar auxílio às demais embarcações em situações de perigo.

De acordo com os estudos de Ney Dantas, nome de referência na sinalização náutica no Brasil, foi em 1807 que um engenheiro escocês  Robert Stevenson projetou uma lanterna para ser colocada no mastro das embarcações que poderia ser arriada e elevada para  manutenção. Com isto, podemos afirmar que a invenção de Stevenson revolucionou a iluminação náutica na primeira década do século XIX, e não demorou muito para que a tecnologia se propagasse nas regiões marítimas e fluviais pelo mundo.

Império do Brasil carecia de iluminação

O Império do Brasil carecia de iluminação na segunda metade do século XIX. O quadro não era diferente no litoral norte-atlântico, a região tinha apenas o antigo farol de Salinas (1852) para sinalizar a vasta e perigosa área costeira.

Com as políticas públicas da época, como a abertura do Rio Amazonas para as nações amigas (1866) e o boom no comércio marítimo, as autoridades priorizaram  implementar um farol flutuante para auxiliar o antigo que havia.

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carta topográfica do Grão-Pará (1850).
Carta topográfica do Grão-Pará (1850) de Auguste Villiers de L’Isle-Adam. Acervo digital da Biblioteca Nacional.

Analisando a figura elaborada em 1850 notamos o colossal Rio Amazonas cortando a “parte” desenhada do Grão-Pará, com sua foz desaguando no litoral Atlântico em um aglomerado de ilhotas em torno do arquipélago do Marajó. Para um melhor discernimento epistemológico tomamos a liberdade de recortar e adicionar algumas observações no respectivo documento para detalhar de maneira mais efetiva o litoral norte-atlântico, assim como os pontos em que estavam situados o antigo farol de Salinas e a barca-farol de Bragança, vejamos a seguir:

litoral norte atlântico em 1850
Litoral norte atlântico em 1850. Ilustração, arquivo de Matheus Gomes de Lima.

Panorama da região costeira

Analisando a documentação temos um panorama mais cristalino da região costeira. O ponto 1 representa a capital da província, onde o Arsenal de Marinha estava localizado. O número 2 diz respeito à região de Salinas, onde estava situado o antigo farol, assim como o local onde os práticos da barra ficavam situados, ou seja, toda embarcação que tinha como destino a capital precisava passar por Salinas para a contratação da mão de obra dos práticos. Já o ponto 3 era onde estava situado o canal de Bragança e, por fim, o ponto 4 delimitando a fronteira com a província maranhense no rio Turiaçu.

A primeira barca-farol em águas brasileiras foi implementada ainda no império, em 1855, na entrada do Rio São Gonçalo, no interior da Lagoa dos Patos, entretanto a embarcação teve  vida efêmera pelo fato de seu alto custo para os cofres imperiais e sua iluminação não ter influenciado tanto na economia. A segunda barca-farol foi contratada em 1866, no valor de 54:000$000 réis de um estaleiro inglês.

Características e contingente da barca-farol

Diferentemente da primeira barca localizada no extremo sul, a segunda foi implementada no perigoso canal de Bragança em 24 de novembro de 1866, no litoral norte-atlântico (Grão-Pará). A barca-farol de Bragança tinha casco de ferro, 22.4m de comprimento, 6.6m de boca (largura máxima), 2.31m de calado e 3.3m de pontal.

8 milhas de alcance

A embarcação dispunha de iluminação eficiente de aproximadamente 8 milhas de alcance, com luz fixa branca, exibida 7m acima do nível do mar. Seu contingente contava com 17 homens, sendo estes: um 1º Faroleiro, um 2º Faroleiro, um 3º Faroleiro, um Mestre, um Patrão e 12 Remadores. O cotidiano na embarcação era extremamente exaustivo, acompanhado de uma alimentação precária, fato pelo qual muitos trabalhadores acabavam desertando.

A seguir temos um quadro com os soldos dos respectivos setores dentro do farol flutuante de Bragança:

Quadro 1: Soldos dos trabalhadores da Barca-farol

1º Faroleiro65$000
2º Faroleiro55$000
3º Faroleiro45$000
Mestre65$000
Patrão42$000
Remadores36$000

Fonte: A História da Sinalização Náutica Brasileira e Breves Memórias. 2000.

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A abertura do Rio Amazonas e o comércio

O ano de 1866 foi um marco na economia do império brasileiro. Acreditamos que a abertura do Rio Amazonas para as nações amigas tenha influenciado diretamente na implementação de uma barca-farol no canal de Bragança. Contudo, apesar de suas limitações a embarcação auxiliou diretamente na missão de iluminar o litoral paraense, tendo em vista que a quantidade de embarcações na região aumentou acentuadamente.

Paulo Roberto Palm assinala em sua obra A Abertura do Rio Amazonas à Navegação Internacional e o Parlamento Brasileiro:

A abertura do rio Amazonas à navegação internacional, decretada pelo Governo brasileiro em 7 de dezembro de 1866, foi a culminação de um processo de negociação extremamente delicado entre o Governo brasileiro e diversos países interessados na livre navegação do gigantesco rio

A região norte-atlântica

A região norte-atlântica, antes da implementação de um farol flutuante, contava apenas com um farol fixo localizado na Ponta do Atalaia em Salinas. Sua construção começou  em 1848. Em  1852 entrou em ação.

A barca-farol é implantada com a finalidade de auxiliar o antigo farol de Salinas na missão de iluminar a região costeira paraense, assegurando um trafego seguro às embarcações.

Essa missão foi motivada pela crescente economia na exportação de produtos oriundos da região, em especial três que estavam em boom nas vendas, segundo o Relatório do Vice Almirante e Conselheiro de Guerra Joaquim Raymundo Lamare: cacau, castanha e borracha.

Esta documentação, além de dispor um quadro com os produtos e os números arrecadados pelo império, ressaltava a importância de manter as sinalizações bem preservadas. Um litoral bem iluminado era sinônimo de lucro para os cofres imperiais.

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Acidente em Bragança, a barca-farol colide com a barca norte-americana

O farol flutuante sofria constantemente no hostil canal de Bragança por conta da força brutal dos ventos do litoral norte-atlântico, com isto, foram inevitáveis as diversas idas por meio de reboque ao estaleiro do Arsenal de Marinha na capital (Belém).

Analisando a estrutura da embarcação chegamos à conclusão que ela não foi construída para servir em ambiente agitado como o canal de Bragança. Isto fica evidente quando realizamos um levantamento de dados em periódicos da época, analisando a quantidade de vezes que a barca-farol precisou deixar seu posto de serviço para receber reparos.

Em meio a essas idas e vindas o local teve a guarnição de diversas embarcações de forma interina, improvisadas muitas das vezes com lampiões ou lanternas de baixo alcance.

O Relatório do Ministério da Marinha de 1878, na sessão “Pharoes”, relatou um acidente marítimo envolvendo a barca-farol que colidiu com o vapor norte-americano City of de Janeiro, resultando no naufrágio de ambas embarcações.

De 1870 a 1880, nove embarcações desempenharam de maneira substituta o papel de farol-flutuante nos baixos de Bragança, demonstrando quão difícil era executar a missão.

Com tantos problemas  as autoridades passaram a estudar a possibilidade de construir um farol fixo.

A Canhoneira Lamego e a missão de conduzir o engenheiro norte-americano Hector Von Bayer 

A Canhoneira Lamego foi uma das protagonistas nesta trama, teve seu batimento de quilha em 26 de fevereiro de 1869 e foi lançada nas águas em 11 de junho de 1869, atuou a serviço na Marinha até sua baixa em 1905.

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A canhoneira tinha deslocamento de 162 toneladas e 33.53m de comprimento, por 5.62m de boca, 2.56m de pontal e 1.68m de calado. Seu casco era de madeira. A embarcação tinha propulsão híbrida, ou seja, à vela e motor de 40 hp de potência nominal e 200 hp de potência iniciada. Sua velocidade era de 9 nós. Em relação ao poder bélico, levava um canhão Whitworth de calibre 12.

Canhoneira Lamego.
Canhoneira Lamego (uma das embarcações enviadas para substituir a barca-farol de Bragança). Imagem, www.naval.com.br.

Além de servir de maneira substituta como farol flutuante em 1879, a canhoneira e sua tripulação foram responsáveis por levar o engenheiro norte-americano Von Bayer até a Ilha das Gaivotas para a implementação de um farol. Em seguida fizeram viagem com destino ao canal de Bragança para estudar a possibilidade de edificar um farol fixo para substituir o flutuante.

Engenheiro norte-americano Hector Von Bayer

Em 1879, o Ministério da Marinha contratou o engenheiro norte-americano Hector Von Bayer. Ele seguiu, a bordo da Canhoneira Lamego, para a região de Bragança, a fim de averiguar o sitio.

De acordo com seu Relatório, depois de longo e árduo trabalho para localizar um ponto ideal, Hector concluiu que seria impossível a construção de um farol na região. Ademais, o engenheiro sugere uma ideia nas seguintes palavras:

A recommendação é abandonar a idéa de construir ali um pharol em que se perderião despezas enormes, tempo e trabalho, e mandar fazer nos Estados-Unidos uma forte barca-pharol com um completo sortimento de ferros pesados e amarras proprias para navegar e fluctuar n’um mar cavado, sem perigo do navio ou de vidas

Após o episódio frustrado de tentar erguer um farol na região do canal de Bragança, o Ministério da Marinha encomenda novamente da Inglaterra (Trinity House) outra barca-farol, de acordo com o Relatório de 1880. Entretanto, depois de pronta, a embarcação sofreu um acidente enquanto viajava para o Brasil. No mesmo ano o Patacho Colombo operava provisoriamente como farol flutuante no canal de Bragança. Ele  exibia luz fixa de cor natural.

Considerações finais 

A missão de iluminar o canal de Bragança foi um verdadeiro “bicho de sete cabeças” para as autoridades do império. Apesar da dificuldade imposta pelas circunstâncias na segunda metade do século XIX a província do Grão-Pará desdobrou-se da maneira que pôde para manter sua região costeira sinalizada.

Assim, em 1884 uma segunda barca-farol seguiu para a enseada de Taipu, a Guaicuhy. A ideia era substituir o farol de Von Bayer na Ilha das Gaivotas, a esta altura, obsoleto. A partir disto, a província paraense passou a ter dois faróis flutuantes em seu litoral.

O campo de pesquisa em relação à farologia brasileira é vasto. Há um leque de possibilidades e de pesquisas que se abrem ao analisarmos as diversas fontes a partir do século XIX. Este artigo, além de ter como objetivo resgatar uma memória pouca abordada pelos pesquisadores, busca, ao mesmo tempo, despertar a curiosidade a respeito de tema tão importante para a navegação.

Primeira circum-navegação brasileira em 1879

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