Guarapari, Espírito Santo, sofre com erosão por abuso, imprudência e egoísmo
“Sou a favor, a onda tá certa. O que tá errado é esse negócio de colocar edifícios aí.” Esta é mais uma frase lapidar de Raul Seixas, dita nos anos 70! Eu tive a oportunidade de conhecê-lo e privar de sua hilária companhia a partir de 1982, já no final de sua vida. Aconteceu quando a Eldorado lançou um dos últimos LPs do Maluco Beleza, Carimbador Maluco, um dos discos de ouro que recebemos, e o segundo de Raul. O disco representou a volta do baiano ao circuito musical depois de ser dispensado da CBS em meados de 1981. Mas nunca soube desta frase sensata. Descobri-a, ao ler a matéria de opinião do jornal A Gazeta, ‘O mar não vai parar de avançar, a ocupação humana é que deve recuar’. Guarapari, Espírito Santo, tragada pelo mar.
O aquecimento global, e mídia, e o avanço do mar
A frase de Raulzito saiu de bate-pronto, demonstrando mais uma vez sua intuição precisa e de fina ironia, quando estava em meio a uma entrevista gravada na orla do Rio de Janeiro, quase 50 anos atrás, ao perceber seu carro avariado por uma onda, fruto da ressaca que já assolava o litoral. “Sou a favor, a onda tá certa. O que tá errado é esse negócio de aterro, de colocar edifícios aí.”
Bravos, Raul. E nossos efusivos parabéns à Gazeta!
Quase semanalmente criticamos a avareza da grande mídia nacional que só a muito custo abre espaço para comentar o aquecimento global considerado pela maioria dos cientistas ‘a maior ameaça à vida humana’. E assim mesmo, raras vezes a mídia questiona nossos gestores políticos, especialmente os prefeitos, sobre obras mal planejadas, ou nunca feitas, para mitigar os problemas.
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São muito raros os comentários da imprensa sobre os absurdos que acontecem na zona costeira mesmo que a erosão já ultrapasse 60% da linha da costa, onde a grande maioria dos municípios é comandada por despreparados alcaides. A corrupção do Legislativo, Judiciário, ou no Executivo ainda recebe espaço. Nos governos de Estado, também, mas no litoral…
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Guarapari, Espírito Santo, tragada pelo mar
O litoral do Espírito Santo, muito antes ainda dos alertas sobre o aquecimento do planeta, já sofria com deficit de areia. Quem conhece, sabe. As praias são finas, estreitas, com pouca areia.
Litoral do Espírito Santo, ‘área de transição’
Em 2006, durante a primeira viagem pela costa brasileira, estivemos na academia para aprender. O Espírito Santo tem 400 quilômetros de litoral com grande diversidade de paisagens.
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Eis um trecho do diário de bordo da época de nossa visita ainda em 2006: “Como já foi dito, a maioria das praias daqui é bastante estreita, portanto ainda mais frágeis do que já são normalmente. Talvez seja este um dos motivos (da erosão). O fato é que ninguém tem uma explicação conclusiva. Só se sabe que a erosão continua a desbastar pedaços de terra ameaçando ruas e avenidas, e mais casas estão a um passo de submergirem.”
Deficit de areia
Agora, com o aumento do nível do mar, e maior poder e frequência dos eventos extremos que estão fora de escala, o litoral do Estado é engolido cada vez mais. Segundo a Gazeta, ‘em menos de um mês o avanço do mar provocou o desmoronamento de um trecho do muro e calçadão da Praia da Areia Preta (Guarapari)’.
‘A calçada que ruiu estava localizada em região turística (veja os prejuízos que a atividade turística terá pela frente a continuar o descaso. A propósito, Guarapari é uma estância balneária e como tal vive do turismo), muito usada para caminhadas, mas também servia de passagem para a portaria de um condomínio que tem a entrada de pedestres à margem da praia’.
Culpa da onda? Não! “O que tá errado é colocar edifícios aí.”
Local apresentava desgaste há cerca de dez anos
‘Os moradores reclamam’, diz a Gazeta, ‘que a prefeitura já deveria ter começado as obras de enroncamento (inserção de blocos de pedras) pois o local já apresentava sinais de desgaste há cerca de dez anos’.
Mais uma omissão dos despreparados gestores municipais. Agora, depois de mais este sinal que se repete litoral afora, ‘a administração municipal informou que vai construir um muro de contenção no local, mas não há data de conclusão’, informa o jornal.
O texto é lúcido. …’o poder público será continuamente demandado a realizar intervenções, como engodamento de faixas de areia, que nunca serão obras definitivas’.
‘O mar seguirá avançando sobre áreas que deveriam ser protegidas (e o são pela nunca seguida no litoral, legislação ambiental)’. E conclui o parágrafo: ‘O poder público deveria cumprir um papel fiscalizador (a-há!) que, também por ironia, acaba ficando no papel’.
Assim como aconteceu em Ilha Grande e região, neste verão; ou com o sul da Bahia, em dezembro de 2021.
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‘…mais planejamento na execução de empreendimentos públicos e privados à beira-mar’…
‘E, sobretudo, deve haver mais planejamento na execução de empreendimentos públicos e privados à beira-mar. O engenheiro civil, oceanógrafo, e mestre em engenharia ambiental Pablo Prata, ouvido pelo jornal, reforçou que o conhecimento do comportamento do litoral e dos pontos onde o mar e o continente interagem com mais veemência é imprescindível nas construções no litoral. As cidades litorâneas precisam de um reordenamento como forma de prevenção’.
Dãããrrr! Raulzito estava correto. “A onda tá certa. O que tá errado é esse negócio de colocar edifícios aí.”
Guarapari, por abuso, imprudência e egoísmo dos que fazem questão de casas pé na areia, em breve se tornará a Atafona do Espírito Santo.
Assista ao vídeo do profético Raul Seixas em entrevista para Glória Maria nos anos 70
Assista a este vídeo no YouTube
Imagem de abertura: Conceição da Barra, ES, acervo MSF.
Fonte: https://www.agazeta.com.br/editorial/o-mar-nao-vai-parar-de-avancar-a-ocupacao-humana-e-que-deve-recuar-0422; https://www.agazeta.com.br/es/cotidiano/mar-avanca-com-furia-e-coloca-imoveis-em-risco-em-guarapari-veja-video-0422.
Tambem sou engenheiro civil. Não há o que fazer, exceto abandonar as edificações acima fotografadas. A menos que se queira outra tragédia igual a de Petropólis, no início de 2022.