Ilha Grande, RJ, e região são devastadas pelas chuvas

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Ilha Grande, RJ, e região são devastadas pelas chuvas

As chuvas que castigaram a região de Ilha Grande são parte do macabro encontro que se repete em quase todos os períodos chuvosos. Desta vez não foi diferente. Bombeiros e Defesa Civil continuam os trabalhos de remoção do entulho e procura de corpos. A estrada Rio-Santos está interditada em onze pontos até esta segunda-feira, 4 de abril. Paraty também foi severamente atingida, assim como Ubatuba, litoral norte de São Paulo. A Defesa Civil informou que foram registrados 585 mm de chuvas nas últimas 72 horas no município. Cerca de 170 pessoas tiveram que deixar suas casas em Ubatuba. O bairro Camburi ficou isolado.

praia de Itaguaçu em Ilha Grande
A praia de Itaguaçu, antes e depois, em Ilha Grande. Imagem, Reprodução Redes Socias.

Litorais de São Paulo e Rio de Janeiro

Ao ver os noticiários da TV neste fim de semana um aspecto chamou nossa atenção. Sempre que as imagens mostravam quedas de barreiras nas estradas havia uma coincidência: a grande maioria aconteceu em áreas originais de Mata Atlântica já degradadas.

Empurrados para os sertões do litoral, os mais desvalidos não têm outra opção que não seja ocuparem áreas proibidas. Até aí nada de novo. Este é um dos motivos pelos quais criticamos os sucessivos prefeitos dos municípios costeiros que não agem prematuramente, e não respeitam os Planos Diretores de uso e ocupação do solo há décadas. Tudo o que querem é mais impostos para os combalidos cofres públicos, mais IPTU. E fecham os olhos para o resto.

A população de grande parte dos municípios costeiros têm sido inflada, a maior parte em razão do turismo, mas também pela procura de novos postos de trabalho, especialmente, mas não apenas, na construção civil. Sem Planos Diretores, esquecidos nas gavetas, acontece a  ‘ocupação desordenada’.

Governo do Rio investe menos de um terço dos recursos do Fundo Estadual de Conservação

Enquanto a tragédia ainda está fresca na memória, o jornal O Globo lembra que ‘O governo do estado do Rio de Janeiro investiu menos de um terço dos recursos do Fundo Estadual de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano, o Fecam, em 2021. De R$ 642 milhões disponíveis, apenas R$ 183 milhões foram aplicados, ou seja, 28%’.

‘Os outros R$ 459 milhões disponíveis deveriam ter sido usados nos seguintes setores: saneamento básico urbano, preservação e conservação ambiental, controle ambiental, recuperação de áreas degradadas e recursos hídricos. Os dados são públicos, disponibilizados pela Secretaria de Estado de Fazenda’.

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Aí está o resultado de mais esta omissão do governo carioca.

Ilha Grande e Angra dos Reis

A devastação em Ilha Grande foi tremenda. A praia de Itaguaçu praticamente desapareceu. Ao todo dez pessoas morreram soterradas em Angra dos Reis. E três estão desaparecidas em Ilha Grande.

A ilha não escapou da ocupação desordenada, ao contrário. Segundo Fernando Jordão, prefeito de Angra dos Reis, o deslizamento de terra abrangeu desde a vertente do morro, no alto da Ilha Grande, até a Praia de Itaguaçu.

Angra dos Reis
Angra dos Reis. Imagem, PREFEITURA DE ANGRA DOS REIS / PREFEITURA DE ANGRA DOS REIS.

O Estado de Minas: ‘outras regiões da Ilha Grande também foram afetadas por deslizamentos, como a Vila do Abraão, Praia Vermelha, Araçatiba, Provetá e Aventureiro’.

Segundo o jornal O Globo, ‘Seis pessoas morreram por causa da chuva em Angra dos Reis, segundo o município. Cinco pessoas seguem desaparecidas, de acordo com familiares. Todas as vítimas foram encontradas no bairro Monsuaba, onde foram registrados 655 mm de chuva em 48 horas’.

O mesmo jornal informa que ‘Na Ilha Grande, também na Costa Verde, os bombeiros estão trabalhando em busca de quatro vítimas na região da Praia Vermelha’.

Veja o antes e o depois na Praia de Itaguaçu

Temporal causa mortes em Angra dos Reis; praia é soterrada em Ilha Grande

Região de Paraty

Na comunidade de Ponta Negra, ocupada por caiçaras, uma mulher morreu junto com seus seis filhos depois de um deslizamento. A família morava numa casa de pau a pique que foi totalmente destruída. Dois corpos ainda não foram encontrados.

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Segundo O Globo, ‘Um deslizamento destruiu um posto da Polícia Rodoviária Federal (PRF), em Paraty, Costa Verde fluminense, na manhã desta sexta-feira. Segundo a corporação, o posto estava em atividade e havia uma equipe de plantão, mas não houve feridos. Há, pelo menos, 20 pessoas desabrigadas na cidade’.

Paraty
Paraty. Imagem, Divulgação.

‘A prefeitura de Paraty informa que equipes estão percorrendo os bairros mais atingidos pelas chuvas. Durante a noite, 23 pessoas foram abrigadas na escola Pequenina Calixto. As equipes também trabalham para desobstruir as estradas atingidas por quedas de barreiras’.

Ubatuba

Segundo a defesa Civil 171 pessoas foram obrigadas a deixar suas casas depois do temporal. O bairro Camburi ficou isolado  por conta do bloqueio da rodovia Rio-Santos na altura do Picinguaba, única via de acesso ao local.

Barreiras caíram na estrada de acesso à Ubatuba. A concessionária Tamoios informou que por precaução de segurança a Serra Antiga da Rodovia dos Tamoios foi temporariamente interditada. De acordo autoridades do município, Ubatuba registrou 300 milímetros de chuva em 72 horas.

Devastando o que sobra do manguezal às margens do rio Escuro, Ubatuba

A vegetação das margens de rios, leia-se mangues, é decepada como informamos recentemente nos rios Acaraú, Tavares, e outros, em Ubatuba, onde bairros foram criados com a leniência dos prefeitos, embora seja proibido pelo Código Florestal desde 1965.

calha do rio Acaraú, Ubatuba
Isto é a calha do rio Acaraú, Ubatuba. Imagem, acervo MSF.

Entre as vítimas desta nova tragédia estão muitas das famílias que ocuparam as margens do Tavares,  não poderia ser diferente. As casas foram inundadas, como era de esperar, pelo transbordo do rio.

Para piorar, a prefeita, Flávia Pascoal (PL), está devastando o que sobra do manguezal às margens do rio Escuro para ‘cavar’ mais um espaço para o crescimento do bairro de mesmo nome. Quanto à Mata Atlântica que originalmente cobria todas as encostas dos morros, temos denunciado seu sumiço pela especulação imobiliária desde 2016.

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ocupação irregular das margens do Rio Tavares, Ubatuba
A ocupação irregular das margens do Rio Tavares, Ubatuba. Imagem, acervo MSF.

No post Ubatuba especulação ameaça Mata Atlântica, publicado em 2016, alertávamos que As praias do norte de Ubatuba, como Itamambuca, Félix e Ubatumirim, vão ganhar mais construções de casas e comércios nos próximos anos. É o que prevê um novo plano estadual, chamado de ZEE (zoneamento ecológico-econômico), criado em 2004 e agora em reformulação.

topos de morros ocupados irregularmente em Ubatuba
Os topos de morros ocupados irregularmente sem ação das sucessivas prefeituras de Ubatuba. Acervo MSF.

E mais: Ao determinar que algumas áreas hoje classificadas como Z2, mais preservadas, virem Z4, mais urbanizadas, abre-se o caminho para que condomínios se instalem na região. A tendência é que novas casas sejam erguidas em áreas onde atualmente existe apenas mata atlântica.

Favelização litoral norte paulista
A favelização do litoral norte paulista. Enquanto as classes média alta, e alta, ocupam a faixa mais próxima do mar; a classe baixa sobe a Serra do Mar em favelas. É preciso reconhecer que nosso modelo concentra riqueza, destrói a biodiversidade, a beleza cênica, e pereniza a pobreza. Temos que repensar. Acervo MSF.

É isto o que acontece em quase todo o litoral de São Paulo e Rio de Janeiro.

Mas, das primeiras denúncias para hoje, a situação piorou muito em razão do aquecimento global e suas terríveis consequências como o aumento dos eventos extremos.

Apesar das evidências,  o poder público não leva a sério a ameaça, a despeito dos constantes avisos de pesquisadores e cientistas.

Prefeita de Ubatuba assina decreto que declara situação de emergência

Depois de mais uma tragédia anunciada, a prefeita Flávia Pascoal (PL) assinou o decreto 7859/2022, que declara situação de emergência nas áreas afetadas pelas fortes chuvas ocorridas entre 31 de março e 3 de abril.

Nele, há um artigo que prevê a autorização do início de processos de desapropriação, por utilidade pública, de propriedades particulares comprovadamente localizadas em áreas de risco de desastre. Veja o decreto neste link.

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Infelizmente, prefeita, foi tarde demais. Antes a senhora e seus antecessores não tivessem cortado o mangue às margens dos rios de Ubatuba, e a consequente ocupação irregular destas áreas. A tragédia agora registrada poderia ter sido bem menor.

Inação “criminosa” dos governantes

Em tempo: ainda em março de 2022 o IPPC alertou que “Metade da população mundial é muito vulnerável aos impactos cruéis e crescentes das mudanças climática – e a inação criminosa dos governantes ameaça reduzir as poucas possibilidades de um futuro habitável na Terra.

Imagem de abertura: PREFEITURA DE ANGRA DOS REIS / PREFEITURA DE ANGRA DOS REIS.

Fontes: https://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2022/04/03/interna_nacional,1357438/praia-de-itaguacu-na-ilha-grande-foi-varrida-apos-deslizamento-de-terra.shtml; https://oglobo.globo.com/rio/2272-chuvas-em-paraty-mulher-que-morreu-junto-de-seis-filhos-era-mae-solteira-prestes-ganhar-casa-nova-25460287; https://oglobo.globo.com/rio/2272-crianca-morre-dez-pessoas-estao-desaparecidas-por-causa-da-chuva-em-angra-dos-reis-25459891; https://oglobo.globo.com/rio/2272-deslizamento-destroi-posto-da-prf-em-paraty-interdita-br-101-angra-esta-em-estado-de-alerta-por-conta-das-chuvas-rv1-25458189; https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2022/04/03/desalojados-ubatuba-chuva.htm; https://oglobo.globo.com/rio/estado-do-rio-investiu-so-28-da-verba-do-fundo-para-conservacao-ambiental-em-2021-1-25457597.

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Comentários

2 COMENTÁRIOS

  1. Na condição de ex- Fiscal de Obras de um município da Grande SP, afirmo, sem nenhum medo de errar, que a ocupação de áreas perigosas é mais que tolerada por muitos gestores municipais, ela é abertamente incentivada por alguns desses gestores e muitos vereadores, por conluio com “empreendedores” (já vi loteamento de encostas, com direito a propaganda e tudo) ou por interesse eleitoral. A “bola” estaria na mão do MP, se esse buscasse trabalhar com menos holofotes e mais eficiência. Fora os eleitores de algumas localidades pararem de reeleger quem os incentivou a colocar suas famílias em risco.

  2. Querido Mar Sem Fim, o caso da especulação imobiliária de Ubatuba, recomendo que sugiram esta pauta sempre que possível para toda a imprensa séria que puderem, inclusive aqui, no Estadão. Mas para que sai como notícia (além de sair aqui) pois vejo que somente assim, denunciando e deixando evidente a ação terrível dos que são coniventes com isso, é que conseguiremos combater estes crimes. Eles não se importam com multas altas pois os empreendimentos devem dar mais lucros que as multas. E o poder deles faz com que se dê o famoso “jeitinho brasileiro” ($$$$) para que os empreendimentos sejam concluídos e a natureza seja destruída onde já é, por lei, protegida. Denunciem pela imprensa em geral, como notícia, se for possível. Use as redes sociais, etc. Obrigada por tanto conteúdo rico e essencial. Grande abraço!

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