Liberação dos jogos de azar e PEC das praias: tudo a ver
Há tempo afirmamos que existe uma relação direta entre a liberação dos jogos de azar e a PEC das Praias. Quando publicamos nosso primeiro post sobre a PEC, no início de 2022, alertamos sobre a especulação imobiliária e a proliferação de cassinos no litoral. Ambas as propostas chegaram ao Congresso na mesma época, há dois anos. Assim que aprovaram o projeto que libera os jogos de azar, com 293 votos a favor, 138 contra e 11 abstenções, no mesmo mês os deputados aprovaram a PEC das praias. Agora, ambos estão parados no Senado, graças à atuação de Luana Piovani, que jogou o debate sobre a privatização para as manchetes. No entanto, a PEC das Praias voltou a ganhar força no Senado em 19/06/24, quando a Comissão de Constituição e Justiça aprovou um relatório sobre o projeto de lei que propõe a legalização de cassinos e jogos de azar no Brasil.
Uma pedra no caminho da aprovação dos jogos de azar na Câmara dos Deputados
Mas havia ‘uma pedra no caminho’ na aprovação dos jogos de azar. Quando a Câmara dos Deputados aprovou o requerimento de urgência para a votação, houve contestação, especialmente da bancada evangélica. O requerimento só passou depois que o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), colocou em votação a PEC 200/2016, que isenta templos religiosos do pagamento de IPTU. Assim, os templos evangélicos conseguiram mais um subsídio do governo federal que, no total, soma a quantia de R$ 600 bilhões. Em seguida, os deputados aprovaram a lei dos jogos de azar.
Logo após, o Coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), classificou como absurda a venda das áreas de marinha. “Querem construir cassinos nas praias. São ilhas, restingas, manguezais e praias que poderão ser vendidas”.
Outros políticos e parte da imprensa também destacaram essa relação. Eles ouvem os rumores nos corredores, conversam entre si e conhecem as alianças entre partidos e os interesses particulares do presidente da Câmara.
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Jornalistas veem relação entre PEC das Praias e jogos de azar
Na época da aprovação na Câmara, a CNN reproduziu a declaração do presidente da Frente Parlamentar Evangélica, deputado Sóstenes Cavalcante (DEM/RJ): “deixa indícios” de que esses terrenos de marinha possam ser destinados a cassinos, mesmo que indiretamente.
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Em junho de 2022, a Folha de S. Paulo publicou o artigo “Lobby para legalizar cassinos e bicho envolve grupos do Brasil, Las Vegas e Europa, de Cézar Feitosa. A discussão sobre a liberação desencadeou, no Congresso, uma guerra entre lobbies de grupos estrangeiros proprietários de resorts e empresários interessados na exploração de cassinos, bingos e jogo do bicho.
Mais adiante, Feitosa afirmou que, no Senado há uma tendência de que a proposta seja reduzida para atender ao lobby de empresas estrangeiras que prometem investimentos bilionários em redutos eleitorais de políticos.
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Além disso, a votação na Câmara ocorreu no mesmo mês em que os deputados aprovaram a liberação dos jogos de azar. Defensores da liberação esperam impulsionar essa atividade, especialmente em cassinos ou resorts.
O jornalista Cedê Silva seguiu a mesma linha. A PEC que transfere terrenos de marinha para ocupantes particulares está intimamente ligada à legalização dos cassinos. Os dois temas foram aprovados na Câmara em um intervalo de menos de 48 horas.
Liberação dos jogos de azar e a PEC das praias no Senado Federal
Assim, chegamos ao ponto atual. Ambos os projetos estão no Senado, com os jogos de azar avançando primeiro. Em 19 de junho de 2024, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou a proposta por 14 votos a 12, e agora segue para votação no plenário.
Enquanto isso, em 21 de junho, em entrevista à rádio Meio, do Piauí, Lula se distanciou da questão ao declarar que deve sancionar o projeto de lei dos jogos de azar. “Eu não sou favorável ao jogo, mas também não acho que é crime”, disse ele.
Portanto, aparentemente, a porteira está aberta para a aprovação de ambos os projetos. No entanto, há outras informações sobre a relação entre a PEC das praias e os jogos de azar.
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“PEC das Praias e a lei que autoriza cassinos são irmãs siamesas”
A Carta Capital (junho de 2024), em matéria de André Barrocal, informa que em Brasília há quem trabalhe discretamente por outro tipo de turismo: o da jogatina. A pasta de Sabino faz parte dessa engrenagem. O plano é liberar cassinos em resorts, motivo pelo qual a “PEC das Praias” avança no Congresso, visando privatizar áreas litorâneas. No entanto, os patrocinadores da medida não previram a polêmica nas redes sociais entre a atriz Luana Piovani e o jogador Neymar, que levou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, a suspender temporariamente o andamento da proposta.
Barrocal enfatiza a relação entre os dois projetos. A mudança constitucional conhecida como “PEC das Praias” e a lei que autoriza cassinos são irmãs siamesas. “Os cassinos disseram que queriam praias privativas. Quem negociou isso foi Felipe Carreras, em nome de Arthur Lira”, revelou uma autoridade governamental que testemunhou o entrelaçamento das propostas na Câmara.
Barrocal também afirmou que Flávio Bolsonaro, relator do projeto de venda do litoral, está articulado com os empresários do jogo. Além disso, cassinos poderão ser instalados em embarcações marítimas (dez em todo o país) e em navios fluviais com pelo menos 50 quartos.
Viagem à Las Vejas, capital mundial dos jogos de azar
Mais um indício da ligação entre os dois projetos foi a viagem do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) para Las Vegas e Miami em 2020. Na comitiva estavam o senador Irajá Abreu (PSD-TO), ninguém menos que relator do projeto dos jogos de azar, o deputado federal Helio Lopes (PSL-RJ) e o presidente da Embratur, Gilson Machado.
A viagem provocou escândalo porque quem pagou as despesas foram os contribuintes. Flávio e Irajá receberam um total de R$ 26.928,72 para custear as hospedagens.
Na época, o DCM relatou que a agenda incluía uma reunião com o presidente da Las Vegas Sands Corporation, Sheldon Adelson. Adelson, um bilionário que contribuiu com 25 milhões de dólares para a campanha de Donald Trump, foi influente na decisão do presidente dos EUA de mudar a embaixada de Israel de Tel Aviv para Jerusalém.
A legalização dos cassinos no Brasil foi tema de conversa entre Jair Bolsonaro e Donald Trump em Washington, sendo uma das principais bandeiras do senador Ciro Nogueira. O DCM relatou que o site especializado iGamingBrazil abordou o assunto da legalização dos jogos.
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A comitiva brasileira, liderada pelo senador Flávio Bolsonaro, foi recebida no primeiro dia de trabalho em Las Vegas por Rob Goldstein, CEO do Grupo LVS, do magnata Sheldon Adelson. “O Brasil é o interesse número 1 do Las Vegas Sands para investir US$ 15 bilhões ainda em 2020, basta que regulemos o assunto para que tenham transparência e segurança jurídica”, disse Flávio Bolsonaro nos corredores do cassino Venetian, mostrando seu claro apoio à legalização dos cassinos integrados no país.
Redes sociais de Flávio Bolsonaro confirmam apoio aos jogos de azar
Em suas redes sociais, Flávio Bolsonaro fez um post intitulado: “INVESTIMENTOS ESTRANGEIROS: mais turistas, mais empregos para brasileiros”, onde descreveu parte de seu encontro com o poderoso grupo de cassinos Las Vegas Sands e incluiu um vídeo curto da reunião.
“Recém-chegados a Las Vegas, nos reunimos com um grupo de investidores estrangeiros especialistas em resorts integrados. Ouvimos do CEO e Presidente do Grupo, Rob Goldstein, que já foram procurados por vários países, mas o interesse número 1 é no Brasil”, comentou Bolsonaro.
O Mar Sem Fim vê relação da PEC das Praias com jogos de azar e especulação no litoral
Este site pode imaginar o volume de dinheiro disponível pelos lobbies interessados, e a forte pressão sobre os Senadores. O presidente da República se antecipou, e tirou o abacaxi de seu colo deixando claro que a decisão dos políticos deve prevalecer. Estes, por sua vez, têm interesses diretos no litoral. Muitos ‘mandam’ em seus Estados, outros têm terrenos e casas na zona costeira onde outra força poderosa já atua, a da especulação imobiliária; finalmente, muitos querem ficar ‘de bem’ com os fortes lobbys que, normalmente, pagam a conta depois de terem seus desejos atendidos.
Mesmo assim, com todas as evidências, o senador Bolsonaro e Arthur Lira negam qualquer relação entre os dois projetos, o que confirma para nós que eles têm, sim, íntima relação. A negativa, por políticos que usurpam o Estado em beneficio próprio, confirma a Cancún que está por trás.
Um dos projetos oficializa a especulação imobiliária, enquanto outro envolve a zona costeira com interesses de grupos econômicos fortíssimos como a indústria dos jogos de azar, a da construção civil, e a do turismo, vis-a-vis os interesses da classe política. Isso não pode dar certo. No mínimo será fonte de corrupção. Precisamos de muitas Luanas para que o País perceba o que está por trás e reaja enquanto é tempo. Ou isso, ou o que ainda temos de belo e prístino no litoral, vai se tornar ‘a ficha do jogo’.
Olá João, fico grato por sua atenção e resposta. Comungo com você da dor por ver o nosso tão belo litoral, com tantas riquezas naturais, sucumbir à ganância da especulação imobiliária, que resulta, via de regra, na ocupação absolutamente desordenada da zona costeira, com suas maléficas consequências, assim como a incompetência e muitas vezes corrupção do poder público, corroborando com esse problema. Entretanto, continuo achando que você confunde os temas. Veja que falei que os TERRENOS DE MARINHA, e não as praias, foram primeiramente privatizadas pelos mais pobres e pela classe média, e de fato foram. A partir do momento que um cidadão qualquer constrói uma casa ou mesmo uma barraca de praia para prestar serviços de alimentação ou o que quer que seja, esse espaço erigido foi privatizado, uma vez que só o dono pode entrar ali. Uma casa de veraneio em terreno de marinha, é um espaço privado num terreno que é da União. As PRAIAS não estão compreendidas nos terrenos caracterizados como “de Marinha”. Esses são os terrenos compreendidos pela faixa de 33m acima da máxima preamar do ano de 1831, como reza a lei. As faixas de areia onde há atuação direta do mar, cobertas e descobertas periodicamente pelas águas, PRAIAS, essas não são objeto de referência na PEC 39/11. Quem diz o contrário mente ou não sabe o que está falando, por pura desinformação! É possível gostar ou desgostar da PEC, criticá-la, propor melhorias ou defender a sua desaprovação, mas sempre falando a verdade. O que a PEC trata, é de repassar as áreas já ocupadas, e aí se enquadram as casas de pescadores, caiçaras, veranistas, condomínios, resorts, portos, museus, ruas, ou o que quer que seja, para seus atuais ocupantes, desafetando-as. Não sei se você tem conhecimento disso, mas todos os municípios ILHA já foram desafetados, ou seja, Vitória, Florianópolis, Cairu, São Luís, etc…, já não pertencem mais à União, e ninguém gritou ou esperneiou dizendo que as praias desses locais foram privatizadas. Você poderia propor, inclusive aqui no espaço do Mar Sem Fim, uma proposta de melhoria da PEC que determinasse, por exemplo, a impossibilidade de construção em todas as áreas de marinha ainda não ocupadas a partir de agora, transformando-as em áreas de proteção permanente, imprescindíveis para atenuar os efeitos das mudanças climáticas. Veja que na constituição do estado da Bahia essa lei já existe, e mais, além dos 33m, foram acrescidos mais 27m, sendo protegido por lei 60m da máxima preamar. Infelizmente a lei não é cumprida… Seria uma bela proposição! Vou deixar aqui o link da PEC para que leia e releia, tire as dúvidas, proponha melhorias, mas sempre falando a verdade, para que esse canal de comunicação não caia em descrédito! Um forte abraço
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=508965
Caro João,
leio sempre com muita atenção e entusiasmo os textos que publica no Mar Sem Fim. Entretanto, eventualmente discordo de alguns posicionamentos, o que é importante e salutar numa democracia. Veja, nesse tema sobre a PEC das praias, vejo muitos equívocos na maior parte das matérias que leio. É imprescindível destacar que as áreas de marinha no Brasil já foram privatizadas há muito tempo. Você que conhece bem o nosso litoral sabe muito bem disso. E estas áreas foram privatizadas primeiramente pelos mais pobres (pescadores tradicionais) e pela classe média que construía casas simples de veraneio. Hoje, extensas áreas estão ocupadas por grandes mansões, pousadas, resorts e cidades. Observe, por exemplo, que a orla de Salvador está praticamente inteira dentro de áreas de marinha, pertencentes à União. O Mercado Modelo, o museu do Solar do Unhão e a comunidade da Gamboa, por exemplo, todas em áreas de marinha. Estas áreas de marinha são fruto de uma lei de 1831, que tinha objetivos exclusivamente militares, nenhum compromisso com preservação. Como resultado, temos a ocupação absolutamente desordenada de todo o nosso litoral, que você tão bem conhece e que sempre tece críticas, justamente porque essa lei não impede a ocupação e edificação dentro dos 33m da máxima preamar do ano de 1831. A discussão iniciada por Luana Piovani só demonstra falta de conhecimento sobre o tema por parte dela e daqueles que apoiaram seu discurso. Seria muito interessante que as pessoas realmente estudassem a fundo a PEC e o quanto ela poderia ajudar a pacificar e colaborar na regularização fundiária de áreas já ocupadas, tanto por ricos quanto por pobres. Tanto o relator, senador Flávio Bolsonaro, quanto a oposição, que ataca a PEC com discurso aproveitador e dizendo-se protecionista dos mais pobres, assim como os jornalistas que produzem matérias sobre o tema, todos deveriam estudar mais e propor alterações que colaborassem com essa PEC, que é muito importante. A grande maioria demonstra desconhecimento da legislação que versa sobre o tema… Hora de pormos as ideologias de lado usarmos o conhecimento para resolvermos problemas relevantes do nosso país!
Caro Amilcar, sinto discordar. Você diz que “estas áreas foram privatizadas primeiramente pelos mais pobres (pescadores tradicionais) e pela classe média que construía casas simples de veraneio”. Não concordo, nunca em minha vida vi uma casa de caiçara, ou nativos da costa, “privatizando” qualquer praia. As praias onde eles moram são todas abertas, visitei carradas delas, e ainda visito. Quem privatiza praias são condomínios, às vezes resorts e hotéis, e sobretudo gente rica. Os terrenos de marinha nada mais são que uma necessária demarcação sobre a posse, neste caso, a posse é da União ainda que a maneira de medir o espaço, com a preamar de 1831, seja totalmente anacrônico. Não compete à União, muito menos aos militares, determinar o que pode ou não ser construído na praia, cabe aos Estados municípios e, em casos, especiais ao Ibama. Quanto ao tipo, tamanho, proximidade da praia, de cada construção etc, tudo está determinado na legislação ambiental. Esta é a confusão mais comum feita por leigos, pelo tipo de área chamar-se ‘terrenos de marinha’, supõem que a área está aos cuidados da Marinha do Brasil. Não é nada disso. O que a PEC propõe, é passar para as prefeituras municipais a autorização para novas construções. Aliás, em alguns Estados, como São Paulo, já é assim. O problema é que prefeitos em geral têm interesse na especulação imobiliária, é assim que fazem o pé de meia, trocando apoio da construção civil e do turismo durante as campanhas, pela ‘liberação geral’ depois de eleitos. Fazem isso alterando os Planos Diretores, como fizeram nos últimos dois anos Florianópolis, Itajaí, Ilha Comprida, São Sebastião, Caraguatatuba, e Ilhabela para ficarmos em apenas alguns. Aliás, este foi o tema que mais nos ocupou desde o início de 2023. Creia, Amilcar, quem está equivocado é você. Não se trata de concordar ou discordar, o que é salutar numa democracia. Você está insistindo no errado. A lei que criou ‘terrenos de marinha’ queria apenas estabelecer a posse da União, ela jamais foi feita para barrar ou liberar qualquer tipo de empreendimento. É isso, estudo que vc verá, abraços