Você come cação? Pode estar comendo espécies ameaçadas
Muita gente no Brasil ainda acredita que cação e tubarão são peixes diferentes. Na verdade, “cação” é apenas um nome popular — e genérico — usado para disfarçar que se está vendendo carne de tubarão ou de raia. O problema é que esses animais crescem devagar, demoram anos para atingir a maturidade sexual e têm poucas crias por vez. Algumas espécies levam mais de uma década para se reproduzir — o que as torna extremamente vulneráveis à sobrepesca. Além disso, tubarões acumulam grandes quantidades de mercúrio na carne, já que estão no topo da cadeia alimentar. Consumir cação com frequência é, portanto, arriscado não só para o meio ambiente, mas também para sua saúde.
Então… você ainda vai pedir cação no prato?


Você come cação? Melhor se informar…
Os tubarões — ou cações — existem há mais de 450 milhões de anos. Surgiram muito antes dos dinossauros, mamíferos, insetos e até mesmo das árvores. Já nadavam nos oceanos quando nenhum animal sequer havia caminhado em terra firme.
Sobreviveram aos cinco grandes eventos de extinção em massa que quase apagaram toda a vida do planeta. Mas agora enfrentam uma ameaça inédita: o ser humano mal informado.
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Almirante Bouboulina: a grega que brilhou no MediterrâneoCOP30 em Belém, sucesso ou fracasso?3ª Conferência do Oceano: a vitória do tratado de Alto-marHoje, muitas espécies de tubarões estão à beira da extinção. E sua última linha de defesa pode estar justamente nas escolhas que fazemos à mesa.
Entre 70 e 100 milhões de tubarões são mortos por ano
A pesca industrial segue impiedosa, mesmo em um mundo ameaçado pelo colapso climático e por pandemias ligadas ao desequilíbrio ambiental. Enquanto cientistas soam o alarme, enormes embarcações continuam varrendo os oceanos, com foco especial em grandes predadores como tubarões e cações.
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Estima-se que entre 70 e 100 milhões desses animais sejam mortos todos os anos. Boa parte dessa matança atende à demanda asiática por barbatanas — consideradas um símbolo de status em festas e banquetes.
A famosa sopa de barbatana, popular em países como China e Vietnã, é um prato caro, servido para impressionar. Mas o gosto? Quase nenhum. Barbatanas são feitas de cartilagem e não têm valor nutricional real. O preço altíssimo é puro esnobismo, pago com a extinção de uma das espécies mais antigas do planeta.
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Essa matança não acontece só na Ásia. No Brasil, milhares de tubarões também são capturados — tanto para exportação de barbatanas quanto para abastecer o mercado interno com carne vendida como “cação”.
E o cenário piorou: em maio de 2025, o Ministério do Meio Ambiente autorizou a pesca do tubarão-azul, mesmo com a espécie incluída na lista oficial de animais ameaçados. A decisão ignora alertas científicos e reforça o descaso com a conservação marinha.
O papel do consumidor brasileiro
Quem compra peixe no Brasil precisa entender o que está por trás do balcão. Mais do que escolher pelo preço ou aparência, é fundamental saber a origem do que vai à sua mesa.
Sem essa atenção, o consumidor corre o risco de levar para casa espécies ameaçadas, muitas vezes vendidas com nomes genéricos como “cação”. Informar-se é o primeiro passo para consumir de forma responsável e não contribuir, sem querer, para a extinção marinha.
O perigo do mercúrio e a fraude nos rótulos
Um estudo publicado na revista Marine Policy, com participação de pesquisadores da Universidade Federal do Paraná, alerta para os riscos do consumo de cação no Brasil — tanto para a saúde humana quanto para o meio ambiente.
Segundo o biólogo Hugo Bornatowski, coautor da pesquisa, a indústria pesqueira nacional se aproveita da confusão nos nomes: mata tubarões e, ao filetar a carne, rotula o produto simplesmente como “cação”. Em outros casos, a venda é ainda mais direta — como mostra a imagem de abertura deste post, onde a carne de tubarão-tigre aparece sem nenhum disfarce.
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O problema não passa despercebido lá fora. A revista Forbes publicou um alerta contundente: Mislabeling Shark Meat In Brazil Is Cause For Concern (Rotulagem incorreta da carne de tubarão no Brasil é motivo de preocupação) O texto denuncia práticas de pesca insustentáveis, que ameaçam a vida marinha e os meios de subsistência de comunidades costeiras.
Por que tubarões são vitais para os oceanos
Entre os milhares de organismos marinhos, poucos são tão cruciais quanto os predadores do topo da cadeia alimentar. Eles controlam os estoques pesqueiros, predando os mais fracos ou doentes e ajudando a manter a saúde dos cardumes.
É exatamente essa a função ecológica dos cações e tubarões: regular os ecossistemas onde vivem.
O biólogo Hugo Bornatowski reforça que esses animais têm reprodução lenta e vida longa — muitos vivem mais que mamíferos. Por isso, a matança em larga escala pode levar suas populações ao colapso antes mesmo que a ciência perceba.
Saiba mais sobre o consumo de peixes e o mistério do ciclo do mercúrio.
Você come cação? Um apelo aos consumidores
Diante da omissão das autoridades, só nos resta apelar ao bom senso dos consumidores. Se você se importa com o meio ambiente, retire do seu cardápio qualquer carne de cação ou raia — espécies frequentemente ameaçadas e vítimas da pesca predatória.
Não é difícil entender: ao matar entre 70 e 100 milhões de tubarões por ano, a natureza simplesmente não consegue repor essas populações a tempo. E a indústria sabe disso. Por isso, nunca rotula esses produtos como “carne de tubarão” — prefere o nome genérico “cação”, que mascara o impacto real.
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Essa lógica vale também para outros produtos. No nosso podcast, já alertamos: ao comprar camarão, verifique a procedência. Evite camarões do Nordeste, onde a carcinicultura devasta manguezais — ecossistemas vitais para a biodiversidade costeira. Dê preferência aos camarões do Sudeste, cuja produção tende a ser mais controlada.

Oceanos: uma conta bancária à beira da falência
Enric Sala, um dos maiores nomes da conservação marinha, resume bem a crise dos nossos mares:
“Os oceanos são como uma conta bancária da qual todos fazem saques, mas ninguém faz depósitos.”
Somos mais de 8 bilhões de pessoas extraindo recursos do oceano todos os dias — sem reposição, sem equilíbrio. É inevitável: essa conta vai zerar.
Pense nisso antes do próximo prato. E ajude a mudar essa história.
Imagem de abertura: Tubarões-tigre em mercado em Ipanema, de Hugo Bornatowski
Cara, que triste, eu não fazia idéia! Hoje, sexta feira santa, resolvi fazer algum peixe pra comer( eu sozinho) e me indicaram justamente o cação(fazer uma moqueca)…depois dessa história não como mais, obrigado por informar🙏
Afinal, cação é ou não de espécie diferente de tubarão?
Como mostra o texto, Leonardo, cação e tubarão são sinônimos, ou seja, a mesma espécie.
Se o risco de extinção já não basta, vale lembrar que os metais pesados, que causam várias doenças, são bio acumulativos, ou seja, passam de um nível na cadeia alimentar para o nível acima, e os tubarões estão no topo da cadeia, portanto têm os níveis mais altos de contaminação com mercúrio, chumbo, etc. aumentando o risco de desenvolver doenças decorrentes desses contaminantes.
CAÇÃO OS HOMENS COMEM. TUBARÃO COMEM OS HOMENS.
EU NUNCA COMPREI O CAÇÃO E DAS POUCAS VEZES QUE COMI PODIA SENTIR CHEIRO DE URINA.
eu acabei de enviar o meu comentário e ele aparece como datado em 2020?
José: ao lado de seu nome, no comentário, aparece ‘ 2 de março de 2022 at 19:09.’
agora sim, obrigado
A Torá deixa claro que a gente só deve se alimentar dos mares e da água doce peixes com escamas. Os demais com peixes de couro e camarões não são casher, ou seja comê-los é fora da lei, que está discriminada com detalhes no Levítico e no Deuteronômio.
Ótima reportagem.
Vale acrescentar que, considerando em tese que peixe é, ou seria uma excelente fonte de proteínas, existem peixes menos famosos pescados localmente na costa de águas limpas seriam menos contaminados.