Um futuro para a Amazônia, conheça mais esta tese

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Um futuro para a Amazônia, conheça mais esta tese

Temos aberto as páginas deste site para divulgar as políticas públicas sugeridas pela academia para a Amazônia. Não é de hoje que o governo federal não tem uma política  eficaz para a região. No máximo, alguns governos anteriores se esforçaram para não aumentar o desmatamento durante seus respectivos períodos, porque sabiam que ‘pega mal’ no exterior, prejudica o comércio exterior do agronegócio, etc. Na atual gestão a situação piorou sensivelmente. O presidente da República desconsidera qualquer benefício da conservação ambiental. E o desmatamento, mais uma vez, voltou a aumentar ao término do  primeiro ano de sua gestão. Em 2019, comparado com 2018, o aumento da área desmatada foi de cerca de 30%.  Por quê? Porque a floresta continua valendo mais derrubada, do que em pé. E enquanto persistir esta situação, o desmatamento será inexorável. Haverá um futuro para a Amazônia?

Planos existem, mas falta vontade política

Quer dizer que não existem planos de ocupação que privilegiem a floresta em pé? Sim, eles existem, mas não conseguiram ultrapassar os muros da academia. Recentemente, mostramos algumas pinceladas de um destes planos no post Desenvolvimento Sustentável da Amazônia. E antes ainda, destacamos o conceito da terceira via amazônica que o climatologista Carlos Nobre explica como…

O elemento inovador da terceira via é propor trazer para o seio da floresta e das comunidades as modernas tecnologias que lhes propiciarão enorme poder de gerar novos conhecimentos

Hoje vamos falar do estudo da pesquisadora Bertha Becker e Claudio Stenner…

‘Um futuro para a Amazônia’

Este é o nome do livro publicado por dois especialistas, Bertha Becker e Claudio Stenner, e editado pela Oficina Textos em 2008. É apenas mais um dos muitos estudos da academia que mostram ser possível um futuro para a Amazônia e, especialmente, para os cerca de 23 milhões de brasileiros que moram no que se convencionou chamar de Amazônia Legal, a grande maioria em situação extremamente precária.

imagem da capa do livro Um futuro para a Amazônia

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Bertha Becker é referência quando o assunto é Amazônia. Ela estuda a região há pelo menos 30 anos, e há dez anos defende uma ‘revolução científica’ para salvar a floresta e levar riqueza e desenvolvimento para seus habitantes.

À procura das especiarias, ou produtos extrativos da floresta séculos atrás

Desde tempos muito remotos o ser humano ocidental deu grande valor à exploração das especiarias, ou aos ‘produtos extrativos das florestas’, e muito antes também. Bertha Becker mostra isso no início de seu trabalho, e faz uma relação entre a procura destas drogas, e a descoberta do Brasil no século 16. Para a pesquisadora, “na Amazônia as especiarias foram os primeiros produtos valorizados pelos europeus no mercado mundial.”

imagem de sementes de guaraná
O guaraná é mais uma planta nativa da Amazônia. Imagem, https://revistapaidegua.wordpress.com/.

Naquele período estas especiarias eram conhecidas como ‘drogas do sertão’. Bertha explica que, “o início de uma política de povoamento da Amazônia, no século 17,  teve como objetivo criar ali os elementos essenciais à substituição da especiaria do Oriente que se perdia pela ousadia dos concorrentes”…

Ou seja, desde os primeiros tempos deste País desigual, já se sabia da grande riqueza da floresta Amazônica, muitos séculos depois considerada a de maior biodiversidade do planeta.

E prossegue a autora: “A exploração organizada das drogas só se fez com a implantação das missões religiosas no vale do Amazonas pela Coroa, ainda no século 17”.

A crise da borracha no Brasil

Todos nós aprendemos na escola sobre o ciclo da borracha na Amazônia. Bertha Becker: “o povoamento da região deu-se somente com a Revolução Industrial, que promoveu o ciclo da borracha entre 1840 e 1920. Foi a grande transformação na economia-mundo, com sua inovação científico-tecnológica constituída pela energia, que revolucionou a economia e o modo de vida na Amazônia. A máquina para a produção de bens foi a marca da Revolução Industrial, e a borracha tornou-se um de seus insumos básicos.”

imagem do ciclo da borracha na amazônia
É assim que pretendemos continuar em pleno século da tecnologia?

“Na segunda metade do século 19, o Brasil já era um Império independente de Portugal, mas mantinha os traços da colonização, vivendo da economia exportadora de matérias-primas.”

Frisamos: três séculos depois da descoberta, ainda vivíamos de exportar matéria-prima, ou seja, não beneficiávamos  nossos produtos de exportação.

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Mas, o que aconteceu com a borracha? Também aprendemos na escola: “Como maior fornecedor mundial da borracha, o Brasil atraía expedições estrangeiras para descobrir novos usos para plantas exóticas. Numa delas, em 1876, o inglês Henry Wickam enviou à Grã-Bretanha milhares de sementes de seringueira, e trabalhou anos com pesquisas (ou seja, a ciência e a tecnologia da época) até que as sementes pudessem ser plantadas na Ásia.”

Ciência, tecnologia e inovação

E o que aconteceu com a borracha nativa? Bertha Becker: “Acabou com o ciclo da borracha que, para muitos, parecia eterno.”

E a região Norte voltou ao ostracismo. Bertha explica as consequências do acomodamento na mera coleta, e venda in natura das drogas do sertão.

“Mais uma vez, ciência, tecnologia e inovação tiveram papel importante, desta feita na perda da riqueza…os brasileiros optaram por obter látex apenas por meio do extrativismo, a baixíssimo custo. A insistência tornou o Brasil incapaz de atender à demanda da Revolução Industrial. Enquanto a pesquisa sistemática conseguiu produzir a borracha na Malásia por meio do cultivo, e não da mera coleta, experiência tecnológica que alcançou um imenso sucesso.”

A importância de conhecer a História

O atual governo parece não ter aprendido grande coisa com aqueles que o antecederam, muito menos com a História, que é implacável. Ela nos ajuda a aprender com os erros do passado.

E quais seriam? Continuar o sono letárgico em berço esplêndido, eternamente ignorando a ciência, tecnologia e inovação é um deles. Até hoje, no século 21, o século da tecnologia, a vasta maioria dos produtos da floresta são vendidos internamente ou externamente, sem qualquer apoio da ciência, tecnologia e inovação.

imagem de extrativista recolhendo castanha do Pará
Extrativista da castanha do Pará. Imagem, National Geographic.

A madeira é vendida, legal ou ilegalmente, sem ser antes beneficiada, o que poderia elevar em muito o preço e, consequentemente, a renda dos extratores. O mesmo acontece com o látex, e os cerca de 400 produtos naturais explorados na Amazônia.

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Um futuro para a Amazônia

A tese de Bertha Becker está em sintonia com várias outras oriundas da academia. Todas defendem doses maciças de CT&I para as cadeias produtivas da Amazônia. O livro  explica em minúcias várias delas, e demonstra como poderiam ser caso a sugestão fosse ouvida. E não só, mas uma série de medidas de apoio.

Em resumo, as teses como a de Bertha demonstram que ainda não saímos da exportação de ‘drogas do sertão’ vendidas sem qualquer beneficiamento. O minério é exportado da mesma forma que é extraído; a soja, em grãos, a madeira, em toras, e assim por diante.

O Mar Sem Fim acredita que é preciso valorizar a floresta em pé. E que vale a pena divulgar as ideias hoje restritas à academia. Enquanto continuar o ciclo de exploração in natura, a floresta não será valorizada. E a população Amazônica, continuará miserável. Enquanto isso, o desmatamento ilegal aumenta em 2020.

É hora de virar o jogo. A Amazônia carece de desenvolvimento sustentável. A academia mostra opções. O governo deve chamá-la, dar-lhe voz, discutir suas propostas. Em outras palavras, por que não experimentar o exemplo dos ingleses aplicando doses de ciência, tecnologia e inovação aos produtos extrativistas? Não é fácil, nem barato. Mas tem potencial para virar o jogo se o mesmo remédio for aplicado na pecuária da região, na mineração, no turismo de observação, e nas outras atividades econômicas.

Quanto mais pessoas conhecerem as sugestões para a ocupação  sustentável da Amazônia, melhor. Quem sabe, aos poucos, a opinião pública bem informada possa influir, e pressionar o poder público sobre o destino do Inferno Verde. E além disso, nestes tempos de isolamento social, uma boa leitura é sempre bem-vinda.

Recomendamos o trabalho de Bertha Becker e Claudio Stenner.

Imagem de abertura: https://revistapaidegua.wordpress.com/.

Fonte: ‘Um futuro para a Amazônia‘, de Bertha Becker e Claudio Stenner, editado pela Oficina Textos em 2008.

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Comentários

1 COMENTÁRIO

  1. João, parabéns por esse site e especificamente neste artigo, abordar essa questão da Amazônia, que tem tantos recursos naturais inexplorados, sub aproveitados, ou ainda mal explorados. Já fiz um trabalho com produtos da amazônia e sei o quanto é difícil, mudar o pensamento, a cultura de exploração extrativista da região, mas não podemos deixar todo esse arcabouço de riqueza natural, serem dizimados.
    Siga nessa jornada de divulgação, militância pelo meio ambiente e sobretudo pela defesa e valorização de um dos ecossistemas mais ricos do planeta

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