Restauração de áreas degradadas: Brasil usa espécies invasoras

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Restauração de áreas degradadas:  Brasil usa espécies invasoras

Em setembro de 2015, o Brasil prometeu na ONU enfrentar as mudanças climáticas com várias ações. Uma delas inclui restaurar 12 milhões de hectares de florestas até 2030, um dos compromissos mais ambiciosos entre os países. Segundo estudo do Instituto Escolhas, ‘o custo da restauração significa investimentos anuais entre R$ 2,2 bilhões e R$ 3,7 bilhões por ano durante 14 anos, a criação de 138 mil a 215 mil empregos e a arrecadação de R$ 3,9 a R$ 6,5 bilhões em impostos. Sua implantação consolidaria uma moderna indústria de recuperação florestal no país’. Por fim, em sua posse, em janeiro de 2023, Marina Silva reafirmou o compromisso. Contudo, em janeiro de 2024 cientistas brasileiros do Centro Brasileiro de Conhecimento em Biodiversidade  publicaram uma carta-alerta na Science: Aim for heterogeneous biodiversity restoration (Visando uma restauração heterogênea da biodiversidade), onde criticam o ‘modelo’ brasileiro (quando) muitas vezes se usam superespécies que são invasoras.

restauração de áreas degradadas
Imagem, www.etica-ambiental.com.br.

Quem paga a conta da restauração?

É importante saber outras questões relacionadas ao tema. Uma dela é como pagar a conta?

Muito simples, países ricos, instituições, empresas e fundos de investimentos do primeiro mundo podem financiar a meta de restaurar 12 milhões de hectares, criando milhares de empregos. Esse tópico já foi abordado em diversos posts sobre o ainda não regulamentado mercado de créditos de carbono no Brasil.

“Regulamentar o mercado de carbono deveria ser a única discussão no Congresso”

Para o especialista, e membro da Academia Brasileira de Letras, Jorge Caldeira, “o País responde por algo entre 30% e 50% de toda a produção natural do planeta, mesmo ocupando uma área de apenas 8%.” Por isso, “regulamentar o mercado de carbono deveria ser a única discussão no Congresso.”

Caldeira explica rapidamente o que é, e como funciona, a ‘nova economia’.

‘No passado’, diz ele, ‘a Natureza não era um valor econômico’. ‘Hoje, a humanidade chegou num momento em que não pode mais desperdiçar. Agora está se fundando uma economia que tem um preço, o preço do carbono. Se você emite carbono, paga; se você recupera carbono, recebe.’

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Críticas ao modelo de restauração brasileiro

Agora, sim, hora de abordarmos o surreal modelo brasileiro de restauração de áreas degradadas divugaldo no momento em que várias instituições respeitadas publicam relatórios bastante completos sobre o custo das espécies invasoras no Brasil.

Apesar dos malefícios de espécies invasoras serem de conhecimento geral, mal começamos a restauração e surgem críticas inacreditáveis de especialistas. Segundo matéria de Cristiane Prizibisczki para o site O ECO,  basicamente os cientistas disseram que…

A restauração não pode ser vista puramente como o esverdeamento de uma área. Da forma como a restauração de áreas degradadas vem sendo feita no Brasil, perderemos os ecossistemas como os conhecemos hoje

‘Isso ocorre porque os projetos em andamento adotam um padrão único para todos os tipos de ecossistemas, negligenciando a diversidade local de espécies e tornando áreas outrora biodiversas agora “homogêneas” após a restauração. Mesmo quando recuperadas, essas áreas não conseguem reproduzir as condições que existiam antes da degradação’.

Michele de Sá Dechoum, pesquisadora do Departamento de Ecologia e Zoologia da Universidade de Santa Catarina, e uma das autoras do alerta, explicou ao O ECO que as espécies escolhidas para a restauração são aquelas que germinam rapidamente e estão disponíveis em viveiros, em detrimento da diversidade genética e ambiental necessária para o local.

Espécies invasoras em áreas degradadas?

Antes de prosseguir, saiba que o Centro Brasileiro de Conhecimento em Biodiversidade em seu relatório pergunta: “O que espécies tão distintas como tilápia, javali, mexilhão-dourado,  pínus, tucunaré, coral-sol, búfalo, mamona e amendoeira-da-praia têm em comum? Todas são espécies exóticas invasoras (EEI) presentes no Brasil.” O objetivo, segundo o site oficial, é ‘auxiliar gestores e lideranças governamentais e empresariais na tomada de decisão acerca da prevenção e do controle das invasões biológicas no território nacional’. Afinal, elas custam ao Brasil entre USD 2 e 3 bilhões de dólares por ano!

Custo para o Brasil: 105,53 bilhões de dólares ao longo de 35 anos

Outro recente relatório, da BPBES (pg.19), destaca que as espécies exóticas invasoras resultam em custos significativos para os países, com impactos já documentados nas Américas Central e do Sul. No Brasil, estima-se que as invasões biológicas tenham custado mais de 105 bilhões de dólares em 35 anos (1984-2019), com a maioria dos recursos direcionados a reparar danos e perdas, e menos de 2% investidos em manejo.

O que é a Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos

A Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES) começou como um Grupo de Trabalho da SBPC. Desde 2015, desenvolve atividades com apoio financeiro do CNPq, Programa BIOTA/FAPESP, além do suporte da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS).

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Este é um esforço conjunto de algumas das instituições científicas mais prestigiadas do Brasil, como a SPBC, o CNPq e o Programa Biota/Fapesp, o que garante a seriedade do projeto. Os custos estimados em bilhões de dólares refletem o resultado de extensas pesquisas, mostrando que não são apenas números ao acaso, mas sim uma avaliação cuidadosa.

Voltemos para a matéria de Cristiane Prizibisczki, publicada por  O ECO,  Michele de Sá Dechoum declarou: “A variabilidade genética do local é muito pouco considerada nas iniciativas de restauração que a gente vê acontecendo no Brasil hoje […] Muitas vezes se usam superespécies que são invasoras, inclusive, que se adaptam a qualquer condição, mas que na verdade, não vão restaurar nada, só vão homogeneizar aquele sistema.”

Como pode um erro desta envergadura para um governo que pretende liderar a questão ambiental mundial? É difícil acreditar, porque o pessoal do Ibama e do ICMBio sabe muito bem sobre o perigo das invasoras.

O atual governo entra em seu segundo ano

O atual governo está entrando em seu segundo ano, com Marina Silva mais uma vez como ministra de Meio Ambiente e  Mudança do Clima. Não há mais desculpa para a agenda ambiental marinha estar totalmente parada, como já informamos. Ou de não haver um plano nacional para mitigar a erosão costeira, fenômeno que já atinge 60% da zona costeira, e que tende a se agravar conforme avança o aquecimento. Agora, junte-se a isso o fato noticiado por O ECO: o modelo brasileiro de restauração usa espécies invasoras, além de ‘adotarem  padrão único para todos os tipos de ecossistemas, negligenciando a diversidade local de espécies e tornando áreas outrora biodiversas agora “homogêneas” após a restauração’.

A sensação que temos é que Marina e equipe estão perdidos. Marina também não se manifestou sobre a importância de regularmos o mercado de carbono. Agora, ficamos sabendo que a restauração aceita espécies invasoras na recuperação de áreas degradadas! É muita desorganização e improvisação do Governo Lula 3.

Cristiane Prizibisczki aponta a leucena, originária do norte da América Central, como uma superespécie invasora comum em reflorestamentos no Brasil, presente em diversos biomas. A IUCN classifica a leucena entre as 100 piores espécies invasoras globais.

“Arco da Restauração da Amazônia”

Durante a COP28, com a presença de Aloizio Mercadante, presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o País lançou um novo programa voltado para a restauração em larga escala na Amazônia. A proposta é substituir o “Arco do Desmatamento” – região da fronteira agrícola, onde estão os maiores índices de desmatamento da Amazônia – pelo “Arco da Restauração”. A base da proposta é que restaurar florestas tropicais é o meio mais fácil, rápido e barato de remoção de CO2 da atmosfera, condição essencial para limitar o aquecimento a 2°C.

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Para a Academia Brasileira de Ciências, a proposta é ainda mais ambiciosa: ‘A proposta diz que é fundamental a mobilização internacional de recursos para criar um cinturão de restauro e de proteção da Amazônia e de todas as florestas tropicais. A ideia é restaurar 24 milhões de hectares, em duas fases: até 2030, será necessário um investimento de US$10 bilhões em áreas prioritárias, começando por unidades de conservação, terras indígenas e quilombolas e áreas públicas não destinadas’.

E, de acordo com o BNDES, o Brasil reservou R$ 1 bi para Arco de Restauração, com R$ 450 milhões já aprovados do Fundo Amazônia. Enquanto isso, Cristiane Prizibisczki  diz em sua matéria ‘segundo os autores da carta-alerta publicada na Science, o ideal seria que este e demais projetos de restauração ao redor do globo fossem “heterogêneos”. Isto é, alicerçados na riqueza genética do local em que o projeto é realizado’.

RS1 bilhão para reflorestar áreas degradadas usando espécies invasoras, e tornando áreas outrora biodiversas em “homogêneas”, é um total contra-senso, não há nada que justifique.

Centro de Desenvolvimento em Biodiversidade

Segundo Prizibisczki, Os autores da carta publicada na Science fazem parte do Centro de Desenvolvimento em Biodiversidade, realizado dentro do Programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT), que articula e agrega os melhores grupos de pesquisa em áreas estratégicas no país.

E eu que pensava que só a agenda marinha estava parada, antes fosse. Não sei como estas informações ainda não entraram no radar da grande mídia.  Foi apenas consultando O ECO que descobri.

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