Sophie Bely, a morte trágica de uma navegadora audaz
Sophie Bely, a morte trágica de uma navegadora. Uma tarde levei um susto tão grande que me deixou atordoado. Lá pelas tantas, resolvi xeretar o WhatsApp, justo eu, que quase não uso celular. Um direto no queixo. O amigo, Betão Pandiane, passou o seguinte recado: “Uma notícia triste. Recebi a notícia que a Sophie Bely caiu no mar junto com o capitão e amigo do barco que ela estava. Eles voltavam da Geórgia do Sul quando uma onda adernou o barco e levou duas pessoas. A Sophie e o Arnaud, comandante do barco (o veleiro polar Paradise). O Igor está no Kotic na Antártica trabalhando. Está muito abalado. Não tenho mais informações mas isso parece que foi ontem (6 de março).”
Fiquei ofegante. Deu branco… demorou segundos para ligar as pontas. Então, de repente, ‘vi a cena’ em câmera lenta, quadro a quadro; pesadelo de todo homem, ou mulher do mar.
Sophie Bely, a morte trágica de uma navegadora
Era casada com Oleg. Mãe de Olga, e Igor. Sophie conquistava pela simpatia, o companheirismo, e a arte de cozinhar. Era uma exímia cozinheira, não por acaso, a foto a mostra em seu QG.
O casal foi um dos ‘desbravadores’ das viagens privadas de veleiros à Antártica. Elas começaram, se não me engano, em algum momento dos anos 70 do século passado. Os dois se apaixonaram pelo que descobriram. A extraordinária beleza, a proximidade com uma fauna marinha e alada que ainda não se incomoda com nossa presença, ao contrário, interage.
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Oleg Bely
Pra quem é amante do mar, como eu, o casal era uma lenda, um lindo par de personagens náuticos. Eu conhecia sua reputação há muito tempo. Corria o final da década dos 80 do século passado, quando eu participava de regatas em Ilhabela enquanto sonhava com voltas ao mundo e coisas assim.
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Um dia, depois da regata, um amigo conta que iria pra Antártica, naquele verão, com Oleg e seu Kotic II. Fiquei fascinado com o que ouvi.
Os dados a seguir são parte da minha memória desta família especial. Oleg era um francês, também de origem russa, que se fez na vida trabalhando na NASA.
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Tive o prazer de conhecê-lo durante a primeira viagem à Antártica, em 2011. Em Ushuaia, Oleg esteve a bordo do Mar Sem Fim e nos deu aulas sobre locais legais de ancoragem, e seus problemas na península antártica. Era uma simpatia, além de um monumento à navegação privada na Antártica.
Os pioneiros Oleg e Sophie Bely
Eles foram os primeiros a fazer charters na Antártica. Abriram o caminho. Conta-se que Oleg (sempre, e por consequência, leia-se a família) tem mais de 30 travessias do Drake, o espaço mais ‘birrento’ de mar que há no mundo.
Tornaram-se referência para quem navega acima do paralelo dos 40º de latitude Sul. O casal mudou-se para um sítio, às margens de um rio, no Uruguai. Ali o Kotic, o lindo veleiro que Oleg construiu em Dois Córregos, interior de São Paulo, fica fundeado ao lado da casa da família.
Nos verões, eles descem até Ushuaia. Chegam por volta do fim de novembro, ficam até fevereiro, explorando, fazendo charters.
O Kotic II
O Kotic II é mítico. Durante minha primeira viagem à Antártica, encontrei-o num dos lugares mais lindos de lá, as Ilhas Argentinas.
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O casal, mais o filho Igor (dizem que nasceu na Antártica…), mais uma vez levavam um grupo de brasileiros para conhecer a última joia do planeta, a ‘cereja do bolo’ da Terra.
Quando chegamos, vimos o Kotic. Fundeamos atrás. No dia seguinte Igor nos levou num passeio pelos arredores da baía.
Depois de um platô, demos com um morro em cima do qual havia uma caverna, ele nos levou até lá. A Antártica é o quintal deste excepcional navegador com uma brutal experiência na região, ainda que tenha apenas 35 anos.
O charter que perdi, o amigo que ganhei
Entrei em contato com Oleg e comprei um lugar a bordo, na primeira viagem do verão de 1991. Estava feliz da vida em meu trabalho na Eldorado.
A rádio marcava gol em cima de gol e, no verão seguinte, eu iria conhecer a Antártica com o notável Oleg Bely.
Passei o ano pensando nisso mas, ao fazer as malas, ameaçou estourar a primeira guerra do Golfo. Como diretor de uma rádio jornalística, abdiquei da viagem. Sentido, foquei a cobertura da guerra…Desde então me perguntava, haverá outra oportunidade? Quando, enfim, vou conhecer a Antártica?
Abaixo, a linda baía Brown, apenas mais uma belíssima surpresa.
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Dezoito anos depois nos reencontramos
Foram precisos 18 anos para acontecer nosso encontro. Assim que cheguei em Ushuaia, com o Mar Sem Fim no verão de 2011, fui a bordo do Kotic e me apresentei.
Eu era aquele que faltou na viagem dos anos 90. Naquele minuto ficamos amigos. Oleg lembrava-se de nossas trocas de mails.
Visitei o mítico veleiro por dentro, uma graça, ao mesmo tempo aconchegante. Um espaço interno quase todo aberto que dá um ar de ‘loft’ ao barco da família, e super seguro. Um veleiro polar dos melhores que há no mundo.
Toda a família era simpática, alto astral e ótimo papo. E mestres na Antártica, e na navegação polar em geral (às vezes trocavam a Antártica pelas Geórgia do Sul).
Epílogo
No final de 2015 fui diagnosticado com um raro tipo de câncer linfático. Ele obrigou-me a focar no tratamento da saúde. Mas acompanhei a saga de meus amigos do mar.
Em 20 de maio de 2016, também com câncer (no cérebro), nosso herói não resistiu a mais uma dolorosa sessão de quimioterapia depois de sua última viagem ao polo; Oleg fez a última viagem, deveria estar com setenta e mais.
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Ele deixou pencas de admiradores no mundo polar, dezenas de brasileiros entre eles. Igor, assumiu o lugar do pai como comandante do Kotic e passou a realizar os charters. A vida, aos poucos, voltava ao normal. Até que recebi a trágica notícia.
O mar sem fim chama a atenção do internauta quanto ao raro fenômeno que agora se repete, de que os comentários dos visitantes (veja abaixo, em comentários) do site passam ser protagonistas, tal a quantidade de relatos sinceros que completam a história original.
Sinais de respeito e admiração que pairam no ar.
Mar Sem Fim enlutado, bandeira a meio-pau, homenagem dos amigos
Meus mais sinceros sentimentos ao Igor, e sua irmã Olga, que não tive o prazer de conhecer. Daqui de meu bunker, extremamente abalado, penso no acidente, no charme e simpatia de Sophie. Sinto calafrios.
O caso lembra-me o de Eric Tabarly, considerado pelo Sail Universe, ‘o melhor marinheiro desde sempre‘, que teve o mesmo, e terrível desfecho.
Que este casal único se encontre outra vez, enquanto nossa memória afetiva sofre pra se recompor. O mundo da vela polar está ao lado dos ‘meninos’, de luto fechado, tentando entender como foi possível.
Foto de abertura para ‘Sophie Bely, a morte trágica de uma navegadora’: Julio Fiadi.
Je suis triste d’apprendre que Sophie à perdu la vie, elle faisait le meilleurs pain du monde et était si douce et si gentille, une vraie Maman pour tout le monde ! Alors à Oleg, Igor que j’appelai “Bicounet” et Sophie, je vous envoie mes plus chaleureuse amitiés et mon amitié.
Oleg … quand est-ce que l’on retourne à la ccopé de Port Locroy ? J’espère en tout cas que tu ne reprendras pas de champignons en boîte !!! Oui, j’ai 82 ans mais encore toues mes jambes et surtout toute ma tête !
André POZZI
Kotik 2 : 1991
O nome dele é Arnaud Dhallenne e não Arnout.
Bons ventos!
Hola Fernando, te escribimos desde Uruguay, Estamos escribiendo un libro y uno de los capítulos hace referencia a Oleg y Sophie. Nos gustaria contactarnos contigo. Nuestro correo es [email protected].
Desculpe me só vi seu comentário hoje, meu e-mail é [email protected]
Que notícia triste! Convivemos com Oleg e Sophie durante os anos de nascimento e primeiros anos de vida de nossa prole (Igor e Olga têm as mesmas idades que meus filhos). Não foram poucas nossas viagens e encontros pelos mares! Descansem em paz meus caros amigos!
Meu nome é Fernando, tive a honra de participar da construção do Kotik em Dois Córregos, Oleg e Sophie me davam aulas de francês após o trabalho, tenho até hoje o livro que ele trouxe de Paris para minhas aulas. Igor e Olga eram pequeninos, mais uma triste perda. Meus sentimentos a eles.
E tenho certeza que Igor e Samantha vao continuar com muita garra e competência a saga do Kotic!!!
Bons ventos!!!