Pesca artesanal: sustentável, ou falácia? Para os socioambientais a pesca artesanal é sustentável, para os preservacionistas, nem tanto
A pesca artesanal é mais uma das polêmicas que dividem o meio ambiental. Até recentemente eu não tinha opinião formada. Faltavam dados para que eu pudesse defender uma posição. Até que terminou a série de documentários que fiz para a TV Cultura, dissecando cada uma das 59 Unidades de Conservação federais do bioma marinho.
Pesca artesanal: anotes, alguns dados
De acordo com o site meiorural.com.br
31% da pesca brasileira é artesanal, um tipo de pesca caracterizada, principalmente, pela mão de obra familiar, com embarcações de pequeno porte, em canoas ou jangadas. Outros 69% da pesca marinha (industrial) – captura de pescado, utilizando navios de grandes dimensões, geralmente bem equipados, dispondo de redes potentes.
Das 59 UCs federais marinhas, 19 são Reservas Extrativistas
As Resex são ferreamente defendidas pelos socioambientais. E combatidas com igual rigor pelos preservacionistas. O ICMBio as define como…
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Sobre as políticas na Resex, o ICMBio apregoa “o uso sustentável dos recursos naturais”
Mais adiante, diz a definição do ICMBio:
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O foco é estabelecer estratégias promissoras de produção extrativista e uso sustentável dos recursos naturais; implementar políticas públicas universais e específicas; e subsidiar a formulação destas políticas.
Algumas Resex conseguem certo sucesso ao rechaçar a especulação imobiliária
Nas 19 Resex que visitei pude constatar, talvez, ‘a melhoria da qualidade de vida’ em algumas delas, especialmente naquelas que ficam próximas de grandes centros de turismo onde impera a especulação imobiliária.
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Nas APAS, e outras UCs, a especulação dá as cartas
Mas nem sempre uma Unidade de Conservação consegue sucesso contra a especulação imobiliária. Exemplo clássico é a APA de Cairuçu, em Paraty, onde a grande maioria das praias foi detonada por especuladores que expulsaram os nativos.
O caso desta UC é emblemático. Em algumas praias, como a Praia Grande de Cajaíba, restou apenas uma caiçara, dona Dica, octogenária, que luta sozinha para se manter no local onde seus avós nasceram.
O mantra das Resex: acabou o peixe, diminuem os crustáceos
Já nas reservas extrativistas, apesar do “uso sustentável” defendido pelo ICMBio, em todas elas ouvi reclamação idêntica: ou os peixes já acabaram, os extrativistas nem se dão mais ao trabalho de pescar, caso da Resex de Cassurubá, na Bahia; ou a reclamação é sobre a diminuição assustadora dos cardumes.
Ouvi isso em todas as 19 Resex da costa brasileira. Não seria, portanto, mero acaso, mas realidade. No começo, ao visitar as primeiras, considerava que aquilo talvez fosse uma reclamação pontual. Aos poucos fui percebendo que era um mantra. E são vários os motivos.
Pesca artesanal: os próprios extrativistas não respeitam as regras
Quando eu perguntava os motivos da falta de peixes, primeiro ouvia que ‘não existe fiscalização‘, em segundo era comum ouvir que ‘nem todos os membros da resex respeitavam as regras’.
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No Ceará dizimaram as lagostas usando equipamentos banidos, matando exemplares abaixo do tamanho mínimo. Na Bahia, outro exemplo, pescadores artesanais usam bombas para pescar! Matam um trecho inteiro de um rio, para retirarem um par de espécies.
Na região Norte, cansei de ver pescadores usando redes proibidas, ou mesmo cercando toda a extensão do rio com uma rede. Como garantir a sustentabilidade desta forma?
Pescadores das Resex não respeitam lista de ameaçados de extinção
Este é outro problema que vi em várias unidades visitadas. Na Resex Caeté Taperaçu, no Pará, os próprios membros pescam o mero, ameaçado de extinção. Para não serem pegos pela fiscalização, assim que tiram o peixe da água já cortam os filés para tentar ludibriar a fiscalização.
Estudo da EMBRAPA confirma os problemas
Um estudo feito pela Embrapa, Extrativismo, Biodiversidade e Biopirataria na Amazônia, começa com esta frase emblemática:
A destruição dos recursos naturais também ocorre de forma predatória, (in)consciente, provocando o esgotamento ou a destruição dos ecossistemas.
Mais adiante, outra informação que pode ser aplicada a todas as Resex marinhas:
Essa destruição decorre da busca pela sobrevivência pelo procedimento usual, que pode ser válido em um ambiente com pouca pressão sobre os recursos naturais, mas que tende a ampliar a magnitude da destruição pelo aumento do contingente humano e da quantidade extraída.
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O estudo confirma o equívoco das Resex como solução:
as reservas extrativistas estão sendo consideradas como uma alternativa de se evitar o desmatamento na Amazônia. Também são consideradas como uma melhor opção de renda e emprego. Além disso, atribui-se a essa atividade a proteção da biodiversidade, e o fato de poder ser uma barreira para conter a expansão da fronteira agrícola. Isto constitui um grande equívoco, uma vez que o ato de desmatar é um reflexo da situação econômica do extrator (pag. 24)
As Resex não sabem a quantidade extraída
Mas a pior situação, comum em todas as 19 Resex, é que os gestores não sabem a quantidade de peixes, ou crustáceos da área, muito menos a quantidade retirada por mês.
Como é possível falar em sustentabilidade sem responder estas simples perguntas? E acredite, algumas resex chegam a ter 9 mil famílias inscritas.
Imagine a quantidade retirada para alimentar toda essa gente, e ainda para vender nos mercados. Impossível a sustentabilidade.
Pesca artesanal: sustentável, ou falácia? Falácia, não tenho dúvidas
Um caso interessante que mostra que os artesanais não são assim tão ‘sustentáveis’ tem a ver com uma de minhas paixões: as embarcações típicas.
Vamos lembrar as jangadas, originalmente construídas com troncos de piúbas. Elas têm o lado bom, e o ruim, e sua história responde parte da questão da “sustentabilidade”. O bom é que a piúba flutua com extrema facilidade; por estarem sempre encharcados, os troncos não duravam muito, este é o lado ruim.
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Tinham que ser substituídos com frequência. Hoje não existem mais piúbas no Nordeste. O uso descontrolado esgotou os estoques, obrigando os nativos a construírem suas jangadas com tábuas. Não se vê mais jangadas-de-tronco…E não se pode culpar ninguém, a não ser pescadores artesanais, pelo fim da piúba.
NÃO É SUSTENTÁVEL
Juntando estes exemplos, e todos os problemas que vi nas 19 Resex da costa brasileira, não tenho dúvidas em afirmar que não, a pesca artesanal não é sustentável.
Trata-se de mais uma lenda, das tantas que temos neste país.
GOSTEI DE SABER que é uma falácia as RESEX. Já havia pensando rapidamente , mas agora com este entendimento desde vivência in loco… estamos pressionados por variados problemas que criamos e para sobreviverem nossos/as netos/as temos que ser curiosos/as e pressionar/divulgar entendimentos equivocados.
Pressionar autoridades e divulgar entendimentos equivocados com argumentos. É o que Mar sem fim está fazendo e nós, também!
Parabéns João!
É preciso coragem para escrever o que escreveu. Já vi em muitos lugares da Amazônia qual é a verdadeira face do ICMBIO.
É o uso escrachado do dinheiro público a serviço de uma ideologia.
Abraços,
Francisco
Muito obrigado, Francisco, grande abraço e volte sempre!
Na água doce os profissionais credenciados não se respeitam nada, usam malha mata fome e enchem de redes a foz do córregos.
Aki na Bahia..em frente a Cacha Pregos..o estuário do rio Jaguaripe precisa virar UC urgente…depois de anos agredido com pesca com bomba!
Um mês sem bombas e os golfinhos entrando para se alimentarem com os cardumes de tainhas cobiçados pelos bombistas.
Pois é, Carlos, sabemos disso. E vamos lutar até conseguir mais áreas marinhas protegidas. Abraços e obrigado pela mensagem.
João, que solução você indicaria para este problema? Você teria uma sugestão? Acho que isso faltou no seu texto.
Forte abraço.
Olá, Rodrigo, obrigado pelo correio. O que tenho defendido é a criação de mais unidades de conservação de proteção integral, ou seja, aquelas onde não se pode tirar nada, onde a pesca e o extrativismo são proibidos. Ao contrário das UCs de ‘uso sustentável’ como as Resex. Nas de proteção integral, há a chance dos cardumes se recomporem, assim como outros tipos de vida marinha. Depois, quando adultos, eles seguem seu ciclo de vida e contribuem para repor o que é perdido nas UCs de uso sustentável. O que é importante, Rodrigo, é desmistificar essa história de que a pesca pode ser sustentável. Não é, e não será nunca. O pior é que temos muito poucas unidades de conservação marinhas de forma geral, e 95% delas são de uso sustentável. Ou seja, a conta não fecha. É preciso balancear mais este quadro, criando as de proteção integral. Vou rever o texto do post para deixar essa posição mais clara. Grande abraço e volte sempre.
Se a pesca jamais poderá ser sustentável, então você defende a proibição integral dela, seja lá onde for, correto?
Qual seria a prática sustentável pra quem consome peixe? Não existe? Se criar em cativeiro, como o salmão, é péssimo pro meio ambiente e a pesca é insustentável, qual a saída? Virar vegano?
Carlos, ela jamais será sustentável se persistirem os subsídios mundiais, estimados em nada menos que US$ 35 bilhões de dólares por ano (https://marsemfim.com.br/subsidios-a-pesca-no-mundo-insustentaveis/), ou sem estatística que impendem o manejo. E, sim, criar espécies do hemisfério norte, no sul, como é o caso do salmão chileno, uma bomba tóxica como já explicamos (https://marsemfim.com.br/industria-de-salmao-do-chile-perigosa-e-insustentavel/), ela jamais será sustentável. A saída é o governo do Brasil fazer estatísticas e, os outros, deixarem de torrar US$ 35 bi de dólares/ano, porque têm medo do desemprego. Tem jeito, sim, mas dá trabalho aos governantes.