Oceanografia: a mais recente disciplina científica

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Oceanografia: a mais ‘recente’ disciplina científica

Os oceanos são pouco estudados, isso já se sabe. A primeira investigação  organizada dos oceanos só aconteceu em 1872, quando a Royal Society, o Museu Britânico, e o governo britânico, organizaram a expedição do HMS Challenger. Nascia a oceanografia.

desenho do navio HMS Challenger
O HMS Challenger. Ilustração, North Wind Picture Archives/Alamy, BBC Travel.

Ela   durou três anos e meio, percorrendo todos os oceanos. Na volta trouxe mais de 4.700 novas espécies de organismos marinhos, e reuniu informações ‘suficientes para criar um relatório de 50 volumes, que levou dezenove anos para ser completado. A expedição  legou ao mundo uma nova disciplina científica: a oceanografia’ (Fonte: Breve História de Quase Tudo, de Bill Bryson, ed. Cia das Letras).

ilustração de mapa com a rota do Challenger, que iniciou a oceanografia
Mapa da viagem do Challenger (desenho: www.19centuryscience.org)

“A viagem do  Challenger mudou o conhecimento dos oceanos. Ele deu a volta ao mundo, entre 1872 e 1876, percorrendo 127 mil quilômetros. A saga mudou o conhecimento dos oceanos. Sua influência foi tal que o estudo do mar foi encarado a partir daí como uma disciplina legítima à qual foi dada o nome de Oceanografia. Liderada por Wyville Thomson, durante a viagem descobriram-se mais de 4.700 espécies.”

“E, mais importante, ficou-se sabendo que havia vida marinha abundante nas profundezas. A maior proeza da viagem foi a descoberta de que a vida, que pensava restringir-se à terra e às águas iluminadas pelo Sol, estava à espera de ser encontrada, para lá das profundidades ou do frio.”

A viagem não foi um cruzeiro simples. Entre dezembro de 1872 e maio de 1876, a figura de proa na proa do HMS Challenger sentiu o borrifo salgado dos oceanos Atlântico Norte e Sul, bem como vastas faixas do Pacífico, até se aventurando abaixo do Círculo Antártico. A circuncisão de sua rota valeu a pena.

A lendária viagem do Challenger

Segundo a BBC Travel, ‘A história de sua agora lendária expedição mundial começou há 150 anos, em 1870, quando um professor da Universidade de Edimburgo e zoólogo marinho chamado Charles Wyville Thompson convenceu a Royal Society de Londres a apoiar uma longa e detalhada viagem de exploração pelos oceanos do mundo’.

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‘A aprovação do governo para a viagem foi solicitada e, posteriormente, obtida. A Marinha Real emprestou ao empreendimento um navio forte e robusto que passou a primeira década de sua vida em serviço ativo: o HMS Challenger.’

O HMS Challenger

Construído no extinto estaleiro Woolwich Dockyard, na Inglaterra, e lançado ao mar em fevereiro de 1858, o HMS Challenger nasceu como uma corveta de madeira da Marinha Real, equipada com propulsão a vapor. Media cerca de 61 metros de comprimento.

Para transformá-lo em navio de pesquisa, removeram 15 das 17 armas, abrindo espaço para laboratórios e salas de trabalho. Também criaram áreas de armazenamento para as amostras marinhas que seriam coletadas. A tripulação, com mais de 200 homens, ficou sob o comando do capitão George Nares — o mesmo que, em 1869, conduziu o primeiro navio a atravessar o recém-inaugurado Canal de Suez.. A bordo, juntou-se a eles uma equipe de seis cientistas liderada por Wyville Thompson.desenho de um laboratório a bordo do

Um dos laboratórios de bordo. Ilustração, Science History Images/Alamy, BBC Travel.

‘Nos 42 meses seguintes, o navio percorreria 127.600 km em uma jornada que incluía nada menos que 362 paradas – “a intervalos o mais uniformes possíveis”, segundo Wyville Thompson – para colher amostras do fundo do mar com redes pesadas, estudar a vida marinha, avaliar a profundidade do oceano e medir a temperatura da água’.

A coleção trazida da viagem

‘Hoje, examinar a coleção on-line de seus 4.772 espécimes físicos revela uma extraordinária cornucópia da vida marinha: caracóis marinhos dos Açores; lulas das águas ao redor do Japão; minúsculos alimentadores de filtro extraíram mais de 300 braças (550 m) abaixo das ilhas havaianas; dentes de tubarão, caranguejos, porcos marinhos e enguias de cobra’.

Atualmente, museus do Reino Unido, Irlanda e Estados Unidos — como o Museu de História Natural de Londres e o Royal Albert Memorial & Art Gallery, em Exeter — mantêm esses artefatos, muitos deles ainda em exibição.

O relatório  segue útil até hoje

As medições feitas pela expedição Challenger abriram caminho para todos os ramos da oceanografia”, explicou o Dr. Jake Gebbie, cientista da Woods Hole Oceanographic Institution. “A equipe registrou um momento que, de outro modo, teria se perdido. O relatório continua sendo usado em pesquisas de grande relevância até hoje.

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O efeito das mudanças climáticas na temperatura da água é apenas uma área em que as descobertas da viagem se mostraram inestimáveis. “Atualmente, estamos trabalhando na digitalização de todo o conjunto de medições de temperatura do Challenger”, continuou Gebbie, acrescentando que o instituto também está buscando entender a física que controla o oceano nessas escalas de tempo de um século. “Sem os dados do Challenger”, ele disse, “essa linha de pesquisa pode não ter sido tratável”.

‘Entre suas inúmeras outras descobertas notáveis, a expedição também foi a primeira a registrar a espantosa escala da Fossa das Marianas, o abismo do Pacífico que se estende muito mais profundo do que o Monte Everest é alto’.

Oceanografia: primeiros equipamentos modernos de mergulho

A oceanografia, considerada “a última das disciplinas”, só começou a se desenvolver de fato após a invenção do aqualung, em 1943, por Jacques Cousteau. A partir daí, o ser humano finalmente pôde iniciar a exploração direta do maior ecossistema da Terra.

Mesmo assim, o aqualung permite ver apenas uma pequena fração do oceano. Foi preciso esperar décadas até que a tecnologia passasse a integrar os esforços para desvendar seus mistérios. Hoje, satélites monitoram os mares, robôs submarinos descem a profundidades abissais e drones ajudam na exploração e no controle da pesca.

Mesmo assim, até hoje o ser humano explorou apenas cerca de 5% dos oceanos, e mapeou menos de 20% dos mares do mundo (atualmente o projeto Seabed pretende mapear todo o fundo dos oceanos até 2030). É por este motivo que um neto de Jacques Cousteau, promete uma estação espacial internacional subaquática dentro de três anos.

Mas o atraso nos estudos gerou problemas inacreditáveis até hoje, entre os quais…

Ano geofísico Internacional 1957-8, objetivo: estudar o uso das profundezas para despejos radioativos

Parece piada, mas não é. O episódio apenas reforça a abissal ignorância que ainda temos sobre os oceanos. A prova mais clara disso veio do principal objetivo do Ano Geofísico de 1957-58. A pesquisa surgiu porque, desde 1946, os Estados Unidos transportavam tambores de 208 litros com lixo radioativo para as ilhas Farallon, a cerca de 50 quilômetros da costa da Califórnia, e os despejavam no mar. De acordo com Bill Bryson

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tudo era feito no maior desleixo. Os tambores eram do tipo que se vê enferrujando atrás de postos de gasolina. Quando um deles não afundava, o que era comum, atiradores da marinha crivavam-no de balas para a água entrar e, lógico, plutônio, urânio e estrôncio vazarem.

Até a década de 1990 os oceanos eram depósitos radioativos

Os Estados Unidos só interromperam a atividade em 1990, depois de despejarem centenas de milhares de tambores em cerca de cinquenta pontos do oceano — quase 50 mil apenas nas ilhas Farallon. Mas os EUA não estavam sozinhos. Rússia, China, Japão, Nova Zelândia, e quase todos os países ricos da Europa seguiram esse exemplo.

Mapa onde o lixo radiativo, de ‘baixo nível, foi despejado no mar (fonte: iaea.org)

Oceanografia: do século 19, para o 21, avançamos pouco em pesquisas

Já no século 21, os avanços da exploração de petróleo em águas profundas impulsionaram o desenvolvimento de novos equipamentos, que passaram a servir também à oceanografia. A França, por exemplo, inspirou-se na Estação Espacial Internacional para construir um navio-laboratório destinado à exploração e ao estudo dos oceanos.

O salto mais recente, entretanto, aconteceu em 2025 quando um robô subaqutático autônomo, o Redwing, iniciou a primeira circum-navegação da Terra numa viagem de cinco anos para recolher informações dos oceanos.

Mesmo assim até hoje conhecemos menos de 5% dos oceanos profundos

Já a mundialmente reconhecida Sylvia Earle, em seu livro A Terra é Azul, diz que conhecemos menos de 5% dos oceanos profundos. Ela nos ensinou que, desde os anos 50, metade dos recifes de coral em águas rasas desapareceu, enquanto novas tecnologias de arrasto devastam os corais de águas profundas para capturar peixes com décadas ou até séculos de idade.

Essa prática fez com que várias espécies tivessem sua população reduzida em 90%. Para algumas, como o atum-rabilho, o bacalhau do Atlântico e certos tubarões, a taxa chega a 95%. E sua pesca ainda é permitida.

Imagem de abertura: North Wind Picture Archives/Alamy, BBC Travel.

Fonte virtual: http://www.bbc.com/travel/story/20200719-hms-challenger-the-voyage-that-birthed-oceanography?ocid=ww.social.link.facebook&fbclid=IwAR1Jn5rvSUMmK1RCmfCyDStAxB7X1aK-QND1BOY-0ftllBI6jG11bPXJvIw&referer=https%3A%2F%2Fl.facebook.com%2F.

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Comentários

6 COMENTÁRIOS

  1. Em meu doutorado, eu tive o prazer de estudar os exemplares coletados pelo HMS Challenger na costa do Brasil. O material está depositado no “Challeger Office” (British Museum). Os exemplares de crustáceos que estudei estavam perfeitos, com etiquetas escritas à lápis datadas de 1885.

    • Que interessante!!!! Meu sobrinho de 19 anos prestou Oceanografia e sou sua.maior incentivadora, como mergulhadora e amante do Mar, que sou. Estive muitas vezes no British, morei lá.por 6 meses. Mas não vi essa parte do museu. É de acesso ao público? Vi algumas coisas no Natural History

  2. Tenho uma filha oceanógrafa e sua paixão é o mar e a preservação da natureza. Felizmente parece que os jovens deste século tem uma pegada diferente e não ficam na contemplação ou no discurso desconexo da realidade. Ela está desenvolvendo um projeto em Ilha Grande que visa transformar o descarte de redes de pesca em produtos sustentáveis como sacolas de nylon para diversos usos domésticos. Além do sentido ambiental, gera renda extra aos pescadores que atuam como artesãos desses produtos. Nas “entrelinhas” passa conhecimento científico à comunidade e aprende dela uma cultura própria de quem vive em função do mar.

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