Marina Silva finalmente olha o mar: criação do Parque Nacional do Albardão

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Marina Silva finalmente olha o mar: criação do Parque Nacional do Albardão

Quando todo o processo está pronto para a criação de uma nova área protegida, em outras palavras, o estudo técnico, a proposta de criação, o diagnóstico ambiental, e o mapa da proposta, então o ICMBio inicia a última fase, a das consultas públicas. É nesta etapa que finalmente, depois de muitos e muitos anos, nós chegamos para a criação do Parque Nacional Marinho do Albardão, no litoral do Rio Grande do Sul. Nos dias 29 e 30 de abril, o ICMBio realizará consulta pública para discutir a criação do Parque Nacional do Albardão. Trata-se de um antigo pleito de pesquisadores, academia e ambientalistas. Marina Silva finalmente assumiu o cargo. Assim a agenda ambiental marinha, que estava totalmente travada desde 2019, começa a andar. Foram precisos 15 meses do atual governo, por isso estamos muito atrasados vis-à-vis os países que levam mais a sério a conservação marinha como o Chile, por exemplo.

aquarela do Parque Nacional do Albardão.
Linda aquarela do Parque Nacional do Albardão. Crédito da imagem: ICMBio, consulta pública.

Por que um Parque Nacional Marinho no Albardão?

Algumas das praias do litoral gaúcho, especialmente do litoral médio para o sul, são as mais selvagens do Brasil. Felizmente, grandes trechos ainda estão livres da chaga da especulação e da sanha de destruição que nosso modelo de ocupação impõe. Só por isso,  manter a paisagem original, já seria motivo para um  parque nacional. Como insistimos em lembrar, a proteção da paisagem é um princípio constitucional desde a Carta de 1934, passando pelas de 37, 1946, 1967,1969 e 1988.

A planície costeira do Rio Grande do Sul

Mas, para além de uma paisagem espetacular, agreste, rústica, e a maior planície costeira do País logo atrás, algumas praias do Rio Grande do Sul constituem um refúgio  pouco explorado, que merece ser preservado para as futuras gerações. Um estudo da Universidade de Caxias do Sul revela que três aspectos que diferenciam a planície costeira do Estado das demais planícies costeiras do mundo’.

A primeira, é a existência de dois corpos de água de grande extensão na área da planície, a Laguna dos Patos e a Lagoa Mirim. Elas existem devido à largura extraordinária da planície, que alcança mais de 70 km entre o mar e as montanhas’.

A segunda é que, ‘lagunas de grande extensão existem em muitos lugares do mundo, mas em poucos casos há uma sequência de lagoas menores entre as lagunas e o mar como no Litoral do Rio Grande do Sul, o assim chamado “Rosário” de lagoas costeiras’.

‘A terceira característica, e a mais importante, é a presença de lagoas de água doce muito próximas ao mar’.

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Os passos para a criação de uma UC

O documento da consulta pública demonstra quais passos foram dados até agora. ‘O primeiro esforço para a definição de áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade brasileira foi realizado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) entre 1997 e 2000. Nos anos de 2003 e 2004 o MMA apresentou os mapas das “Áreas Prioritárias para a Conservação, Utilização Sustentável e Repartição de Benefícios da Biodiversidade Brasileira”, onde a região do Albardão foi categorizada como de extrema importância para a biodiversidade’.

mapa do parque nacional do albardão
O parque nacional também protegerá as dunas

‘Em 2005, a região é destacada como de importância fundamental para a conservação dos tubarões e raias do Brasil. Em 2008 o Conselho Nacional da Reserva da Biosfera indica a criação de unidade de conservação na região do Albardão. Neste mesmo ano, a Diretoria de Criação e Manejo de Unidades de Conservação e a Coordenação de Criação de Unidades de Conservação (ICMBio) abrem oficialmente o processo para realizar estudos para a criação de uma Unidade de Conservação no Albardão’.

Os reflorestamentos com Pinus na planície costeira gaúcha

Mas, nem tudo são rosas. Por falta de conhecimento, nos anos 70 o Governo Federal decidiu apoiar o reflorestamento com Pinus. Para tanto, criou subsídios para a atividade que vigoraram até 1988. E, infelizmente, no Rio Grade do Sul um dos locais escolhidos foi justamente a planície costeira. Desde Torres, na divisa com Santa Catarina, até o Chuí, divisa com o Uruguai, há imensas áreas de reflorestamento. Como muitas eram áreas alagadas, elas foram drenadas para que as árvores pudessem crescer.

A drenagem acabou com parte da vida animal que havia, em especial, répteis, e anfíbios. De maneira idêntica, a drenagem fez secar a vegetação que segurava as dunas frontais. Com isso, quando entra o ‘Nordestão’, grãos de areia são empurrados pelo vento para o interior da planície, o que assoreou boa parte das lagunas, entre elas, as do Parque Nacional da Lagoa do Peixe, no litoral médio do Estado.

Mar do Chuí
Mar do Chuí agora protegido. Acervo MSF.

Sistema hidrológico torna a área do parque ainda mais importante

A proximidade com o sistema hidrológico torna a área do parque ainda mais importante. Segundo o ICMBIo, os processos oceanográficos que ali ocorrem, a forte influência das águas da pluma do rio da Prata e do complexo estuarino da Lagoa dos Patos-Lagoa Mirim, além dos processos de transporte de água subterrânea da Lagoa Mangueira para a região costeira, contribuem para que seja uma das regiões ecologicamente mais importantes da plataforma continental brasileira.

À exceção dos reflorestamentos com Pinus, o resto ainda tem a mesma fisionomia de ‘antão’. O cenário ganha vida com um espetáculo constante de aves nativas e migratórias que enchem o céu e as praias, criando um balé dinâmico e colorido.

Farol do Albardão
O Farol do Albardão. Acervo MSF.

Na linha de fronteira entre o mar e a terra, lobos e leões marinhos encontram um santuário para repouso, após longas jornadas vindos do extremo sul do continente. Esses mamíferos marinhos, frequentemente vistos descansando nas areias ou brincando nas águas rasas, adicionam um charme peculiar à paisagem.

Entre as dezenas de espécies de peixes, destacam-se os elasmobrânquios como o cação-anjo, a raia-viola e o cação-bico-doce, todos enfrentando risco de extinção devido à pesca excessiva e à degradação de habitats. Além disso, as águas dessa região são de crucial importância para a toninha, o cetáceo mais ameaçado do Brasil, que luta por sobrevivência em meio a um ambiente cada vez mais afetado por nossas ações. Tartarugas-marinhas também fazem da região o seu habitat.

Por último, o mar defronte à área do novo parque faz parte da rota de migração anual das baleias jubartes e francas. É pelo ‘excesso’ da biodiversidade do local, e sua fisionomia ainda personalíssima, que dissemos no início ser um consenso há muitos anos a necessidade da criação deste parque.

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O papel de Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul

É de crucial importância que o governador do Estado, Eduardo Leite, adote a ideia. Um parque nacional numa região tão selvagem é algo que vai valorizar ainda mais o litoral do Estado. Ao mesmo tempo, preocupa saber que a empresa japonesa de energia renovável, Shizen Energia do Brasil, estaria fazendo lobby para que o governador não apoie a iniciativa do parque, em detrimento das torres eólicas com que querem banalizar um litoral tão selvagem e rico em biodiversidade.

Ainda em maio de 2024, época das audiências públicas, o Instituto Brasileiro de Conservação da Natureza (Ibracon) apresentou uma denúncia ao MPF no Rio Grande do Sul com pedido de providências, segundo informação da Unisinos.

Maçaricos em praias
Os maçaricos veem do Alasca para se alimentarem nas praias gaúchas. Acervo MSF.

Um primeiro passo…

Marina deu o primeiro passo fora da Amazônia. Entretanto, ainda falta muito pra podermos dizer que a ministra realmente assumiu o cargo. Por exemplo, falta a recategorização da Rebio dos Arvoredos, SC; a ampliação de Abrolhos incluindo o banco Royal Charlotte; um plano central para combate à erosão; outro para o replantio de manguezais e restingas em toda a costa brasileira e, finalmente, fiscalização até hoje inexistente. A ver como agirá daqui pra frente a ministra, por enquanto, da Amazônia.

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Comentários

12 COMENTÁRIOS

  1. É decepcionante ver uma medida que parece favorecer um lado às custas do outro, sem considerar adequadamente os impactos socioeconômicos e ambientais. Vale enfatizar, que o parque é na divisa com o Uruguai, país esse onde peixes da espécie tubarões, cação anjo e entre outros possui liberação para a pesca sendo que, no Brasil é proibido pescar e comercializar.

    • Jerri: vamos recordar que nada ainda foi decidido. O texto mostra que os estudos estão prontos, e que há motivos de sobra para proteger o local. Mas as discussões sobre a criação, ou não, da área protegida ainda vão acontecer. Participe das audiências e dê sua opinião. Por último, os impactos ambientais da pesca desenfreada, feita por grandes barcos ao largo, e pescadores artesanais, direto da praia, além da poluição, erosão costeira, e outros, foram sim analisados. Portanto sua frase, “sem considerar adequadamente os impactos socioeconômicos e ambientais”, não corresponde a realidade.

  2. Façam,mas que seja so na parte deserta do lugal onde começa as praias nao,nao podem proibir as pessoas que ja sao nativos de la de viver no hermegildo e barra do chui,
    Façam ao redor do albardão onde deserto e está abandonado.

    • Julio, obrigado pelo correio. Acredito que esta questão será discutida nas audiências públicas que serão realizadas em breve. Temos que aguardar. abs

  3. Eu acho que vocês foram bem críticos em relação a Marina. Não acho 15 meses para um processo tão complexo para a criação de um parque algo tão absurdo assim, pelo contrário. Eu sou profundamente admiradora do seu trabalho e legado ambiental.

    • Patrícia, obrigado pela mensagem. O que o post procurou mostrar é que todo o processo para a criação do parque estava pronto. Tudo feito muitos anos atrás. Portanto, Marina não tinha que fazer nada a não ser anunciá-lo e preparar as audiências públicas. São atos muito simples que ela poderia ter feito no primeiro dia de mandato se quisesse. No entanto, aguardou 15 meses para fazê-lo. Esta é a crítica. Abraços

  4. Criação de uma zona de exclusão , não poderá vingar em país democrático sem antes haver uma consulta pública com os habitantes dos municípios que compõe a área . Protejam o ser humano e sua subsistência que o ambiente será protegido

    • E quem disse que não haverá consulta pública? Dissemos o contrário e logo no primeiro parágrafo do texto, acredito que você não entendeu. Sugiro nova leitura: “Quando todo o processo está pronto para a criação de uma nova área protegida, em outras palavras, o estudo técnico, a proposta de criação, o diagnóstico ambiental, e o mapa da proposta, então o ICMBio inicia a última fase, a das consultas públicas. É nesta etapa que finalmente, depois de muitos e muitos anos, nós chegamos para a criação do Parque Nacional Marinho do Albardão, no litoral do Rio Grande do Sul. Repetindo: “a fase das consultas públicas.”

  5. Vocês querem exterminar a nossa geração de pescadores e armadores de pesca. E de extrema importância essa área pra manter a economia e o sustento de milhares de famílias do Sul do Brasil.

    • Eu poderia responder, Murilo, que são os pescadores que querem exterminar os peixes. Todos sabem que a pesca no Brasil é uma esculhambação. Não há estatísticas, não há fiscalização e não há ordenamento. Por outro lado, a área que se transformará em parque é pequena se comparada à extensão do litoral gaúcho. Além disso, ela vai ajudar os pescadores permitindo que a vida marinha floresça naquele lugar poupado da pesca. Assim, depois de adultos eles mudam de local e aí sim, poderão ser pescados à vontade. Abraços

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