Livros náuticos para quem gosta do mar: conheça a lista

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Mais livros que todo homem/mulher do mar deveria ler

Alguns anos atrás publicamos uma lista com os ‘Dez livros que todo homem/mulher do mar deveria ler‘. O post teve sucesso e ampla repercussão entre os que nos acompanham. Muitos deram sugestões. O Mar Sem Fim  faz agora outra lista, destacando alguns dos mais recomendados. Viajar é bom demais. Mudar de ares, conhecer novos horizontes, aprender. Quem não gosta? Mas, se estamos presos em casa o jeito é viajar de carona, lendo as viagens dos outros. Os relatos, de aventura ou de parte de nossa história, têm um ponto em comum: o mar. Nova lista de livros náuticos é nosso assunto.

imagem de veleiro adernado no mar

Livros náuticos e o precursor das voltas ao mundo em solitário

Joshua Slocum, o primeiro a dar uma volta ao mundo em solitário, escreveu um clássico da literatura náutica: Sozinho ao redor do mundo. A epopeia de 46 mil milhas durou três anos em um pequeno veleiro de 37 pés (11.2 metros), sem rádio, motor, dinheiro (ao iniciar a viagem tinha no bolso U$1,70) ou patrocínio. Slocum, ex-capitão de navios a vela que não se adaptou ao vapor, estava com 51 anos.

A viagem começou em 1895 a partir de Boston, no Spray,  veleiro  que ele mesmo havia construído. Seguiu para Gibraltar, desceu para o  Atlântico Sul, costeou o Brasil e a Argentina e entrou pelo Estreito de Magalhães.

No Pacífico, subiu a costa do Chile com parada em  Juan Fernandes, ilha que inspirou a história de Robinson Crusoé (delicioso livro que também recebeu votos). Depois as Marquesas, Samoa, até chegar na Austrália. Dali para a África do Sul. Dobrou o Cabo da Boa Esperança, esteve em Santa Helena, e subiu de volta para casa.

Imagem réplica do veleiro Spray de Joshua Slocum.
Uma réplica do Spray.

Seu modo simples de escrever, as descrições dos locais em que esteve, seus encontros com povos exóticos (naquela época) e suas estratégias de navegação encantaram o mundo. Tornou-se um clássico cultuado por escritores como Jack London e Mark Twain. É uma delícia de leitura.

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Joshua Slocum adorava o Brasil e admirava a habilidade marinheira dos nativos da costa. O livro agora destacado teve muitos votos na primeira lista do Mar Sem Fim.

‘Aventuras no mar’, de Helio Setti Jr.

Este foi outro dos livros mais votados. E que viagem! Foram dez anos navegando ao sabor dos ventos. Este livro é especialmente importante para este escriba. Conheci Helio Setti algum tempo depois de seu retorno ao Brasil, em 1985. E nos tornamos grandes amigos. Velejamos juntos também. Lembro-me de uma regata emblemática que fizemos, com largada em Ilhabela e chegada em Santos, passando por fora da Laje de Santos. Estávamos a bordo do veleiro Rajada, na época de Tutinha Carvalho (Jovem Pan) que não participou.

capa do livro Aventuras no Mar

Aconteceu em 1987, no famoso verão da lata. Muitas foram vistas ao longo do trajeto. Eram latas de alumínio relativamente grandes. Conforme batia o sol surgia um ‘brilho’, um reflexo no mar. Então, barcos de repente davam um bordo para fora da linha do vento, navegavam pouco tempo naquela direção e…, davam a volta novamente, retornando ao vento e à regata. Era mais uma tripulação feliz!

Foi cômico assistir.

Durante a prova, Helio reclamou que não conseguia quem editasse seu livro. Estava chateado. Perguntei o motivo. Era muito grande, mais de 500 páginas. Sugeri fazer uma pré-edição, era preciso diminuir o volume. Algum tempo depois, os originais acabaram em minha casa. Quando estava começando o trabalho, Helio morreu de um ataque de aneurisma em 1992.

Pouco tempo depois a família pediu de volta o manuscrito, entregue  a um consagrado jornalista seu parente, Ricardo Setti. Ele foi o autor da estupenda versão final, já na sétima edição. Vale cada página.

Livros náuticos: ‘As Fantásticas Aventuras do Maitairoa’

Outro dos mais votados foi o famoso Cabinho, apelido de Roberto de Mesquita Barros, que escreveu este volume em parceria com Roberto Alan Fuchs. Cabinho, um yacht designer e cruzeirista apaixonado, é autor de outro livro também bem votado (Do Rio a Polinésia). Saiu de sua prancheta o Paratii, veleiro com que Amyr Klink invernou na Antártica. Fuchs é oceanógrafo e construtor de barcos. Neste livro três viagens acontecem no Atlântico Sul.

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capa do livro as fantásticas viagens do Maitairoa

Na primeira, o Maitairoa parte do Rio de Janeiro para a África do Sul, com passagem por uma das mais ermas ilhas do mundo, Tristão da Cunha, onde não pôde fundear em razão do mau tempo. Tempestades arrasadoras não faltam no relato. Seguiu para a África do Sul onde ficou por um tempo. Na volta, o Maitairoa subiu a costa africana até Angola, onde fez o rumo de Santa Helena (local em que um luso viveu recluso por 30 anos no século 16 e, quando ‘resgatado’, pediu ao rei para voltar à sua solidão), ilha onde Napoleão Bonaparte foi exilado e morreu. Mais uma parada de alguns dias para os tripulantes conhecerem os arredores. No retorno ao Brasil velejaram ao largo da ilha de Trindade, para depois descerem até o ponto da partida, Rio de Janeiro.

O curioso desta viagem pelas altas latitudes, onde enfrentaram grandes tempestades sem grandes problemas foi que, quando entravam no Rio entre Itaipu e a Ilha da Mãe, não perderam o barco por um triz!

O mesmo livro relata outra viagem do Maitairoa, desta vez até a ilha de Trindade;  e a terceira, para as Ilhas Falkland/Malvinas, onde houve um encalhe dramático. Na volta ao Rio de Janeiro mais tempestades, e até trombadas com baleias em alto-mar.

Livros náuticos: documento histórico

Outro que recebeu votos foi  Viagem à Terra do Brasil, de Jean de Lery. Um relato de viagem ao Brasil do século 16, contando as experiências de quase um ano na França Antártica, projeto de colonização francês na Baía de Guanabara. O texto é farto na descrição da flora e fauna, e a vida dos indígenas. O  antropólogo Claude Levi-Strauss referiu-se ao trabalho como “o breviário do etnógrafo”

O autor veio ao Brasil com outros treze companheiros em 1556. O destino era a colônia fundada em 1555 por Nicolas Durand de Villegagnon. A narrativa da travessia, do porto de Honfleur, Normandia, até o Rio de Janeiro, toma cerca de 20 páginas. Em seguida começam as descrições da Baía de Guanabara, hoje tão destruída, quase uma caricatura daquilo que encantou os estrangeiros com suas lindas praias cercadas de montanhas cobertas por Mata Atlântica.

O dia-a-dia dos indígenas, os animais ‘monstruosos da América’ como diz, a variedade de aves, dos peixes e modos de pescá-los, estão registrados numa linguagem fácil e acessível.

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Não se trata de um livro náutico, mas aborda a questão em suas páginas tanto na ida como na volta. E ainda nos dá uma ‘fotografia’ do que foi o Rio de Janeiro do século 16. Um clássico da literatura produzida por viajantes europeus que vieram ao Brasil nos primórdios da colonização.

Se for para ficar neste gênero, o melhor, na opinião deste escriba, é…

‘Duas Viagens ao Brasil’, de Hans Staden

Este foi um dos primeiros ‘best sellers’ do século 16, uma ‘narrativa de extraordinária aventura que se reveste, ao mesmo tempo, da capacidade exata de reviver com clareza e fidelidade, a aurora de um País que nascia para o mundo’.

Gravura de Theodor de Bry. Ataque dos índios caetés à vila de Igarassu
Ataque dos índios caetés à vila de Igarassu em Pernambuco, 1549. Gravura de Theodor de Bry.

‘Historicamente’, como revela a apresentação, ‘foi esse navegador o primeiro a deixar em forma de livro, para conhecimento dos pósteros, uma obra que o tornou secularmente célebre e que se fixou como uma das fontes mais autorizadas da etnografia sul-americana’.

A primeira viagem até Pernambuco em busca de pau-brasil

Na primeira viagem, em 1558, o navio de Hans Staden foi parar em Pernambuco à procura de pau-brasil, árvore que emprestou nome ao País. De lá, o donatário da capitania Duarte Coelho despachou os tripulantes para Igarassu, onde Hans Staden participou de uma escaramuça contra indígenas. A viagem é brevemente relatada.

A segunda viagem de Hans Staden

Na segunda, o navio em que estava arribou em Superagui, no lagamar, litoral do Paraná. De lá rumaram para Santa Catarina, onde Staden ficou por dois anos (e resume o período em duas páginas). Depois de muitas peripécias nosso herói consegue chegar na região de Santos em outro navio que naufraga em Itanhaém.

Staden descreve os piores momentos: “o vento ia nos atirar de frente ao continente e afundaríamos. Os vagalhões batiam de encontro à costa, num lance medonho. Invocamos a Deus pelas nossas almas…”

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No litoral paulista e carioca

Deu certo. Perderam o navio mas salvaram-se.  No litoral paulista, o alemão Hans Staden foi contratado como arcabuzeiro no forte de Bertioga, não o que fica no continente e está de pé até hoje, o Forte de São Filipe da Bertioga do outro lado, na ilha de Santo Amaro. Staden imaginava ficar quatro meses até ser substituído. Mal sabia que sua aventura estava prestes a começar.

Numa das escaramuças entre os tupiniquins, aliados dos portugueses, e os tupinambás, inimigos e aliados dos franceses, foi preso e levado de canoa para a região de Ilha Grande (RJ), numa aldeia próxima à do famoso Cunhabebe. Ali ficou por quase um ano sempre ameaçado de se tornar o jantar dos indígenas. Em seu relato, Staden descreve de modo saboroso esta parte do litoral brasileiro e os costumes dos índios.

Ilustração mostrando Hans Staden
Ilustração mostrando Hans Staden (de barba, ao fundo) observando os índios tupinambás praticando antropofagia, em uma aldeia situada entre Bertioga e Rio de Janeiro.

As praias que frequentamos hoje podem ser ‘vistas’ através de seu relato. O livro de Staden tem outra vantagem sobre o de Lery, é repleto de xilogravuras, podemos ‘ver’ e sentir suas angústias. Uma de suas descrições mais incríveis é a da pesca da tainha pelos indígenas. Exatamente como se faz ainda hoje na costa sul e sudeste do País.

Hans Staden, depois de uma incrível capacidade de adaptação e sobrevivência, conseguiu escapar. Voltou para a Europa onde desembarcou na cidade de Honfleur, França, em  fevereiro de 1555. E escreveu o livro que  tornou-se o primeiro best seller sobre o Brasil.

Do século 16 para o 18, ‘O Motim a Bordo do H.M.S Bounty’, de William Bligh

Alguns leitores da primeira lista sugeriram livros sobre o famoso motim. Mas não houve  indicação para o livro escrito pelo protagonista da viagem, o capitão William Bligh. O motim do Bounty é o mais famoso da história. E, convenhamos, nada como um motim para povoar nossa imaginação…Bligh era um  capitão-carrasco, mas um excelente marinheiro  que aprendeu a navegar com ninguém menos que James Cook.

Mercadores e aventureiros ingleses pediram ao rei que cultivasse fruta-pão em suas possessões das Índias Ocidentais (ilhas do Caribe), carentes de boa alimentação à época. Um navio foi preparado para a missão, o H.M.S Bounty, com comando entregue a William Bligh, em abril de 1787. Em dezembro partiram para o Cabo Horn. Três meses depois a vida da marujada já era um inferno.

desenho do navio HMS Bounty no Taiti
O H.M.S Bounty no Taiti.

Por causa das condições adversas de mar e vento, não conseguiram dobrar o Horn, deram meia volta e rumaram para o Cabo da Boa Esperança. A viagem prosseguiu até o Taiti, parando em várias ilhas e descobrindo outras no trajeto. Estavam embarcados há mais de ano quando estourou o motim.

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Bligh foi largado à deriva na altura da ilha de Tofua, no meio do Pacífico. E mostrou que apesar de tirano era excelente marinheiro. Depois de navegar no pequeno bote por cerca de 5.800 Km, chegou no Timor Leste. No trajeto descobriu outras ilhas ainda não cartografadas. De lá voltou à Inglaterra, foi julgado, repreendido, e absolvido.

Seu retorno  provocou o início da perseguição aos amotinados.

E sua épica travessia em bote, considerada um dos maiores feitos náuticos até então. Este livro foi descrito em mais detalhes aqui mesmo.

A lista dos destacados, e respectivas editoras

Sozinho ao redor do mundo, Joshua Slocum; Edições Marítimas.

Aventuras no mar, Helio Setti Jr.; L&PM Editores.

As Fantásticas Aventuras do Maitairoa, Roberto de Mesquita Barros; José Olympio Editora.

Viagem à Terra do Brasil,  Jean de Lery; Livraria Itatiaia Editora Limitada.

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Duas Viagens ao Brasil, Hans Staden; Livraria Itatiaia Editora Limitada.

O Motim a Bordo do H.M.S Bounty, William Bligh; Ediouro.

Livros náuticos para quem gosta do mar: onde encontrá-los

Os dois históricos, em qualquer boa livraria, dada sua importância para a história do Brasil. Os outros, no mínimo em sebos serão encontrados. Caso queira comprar algum, nossa sugestão é ‘googlar’ o nome do livro e escolher a melhor opção.

Livros náuticos

A bola está com você. Vamos partir para outra lista? Se sim, que sugestão daria?

Pequena ONG, praia da Baleia e um empresário/político

Comentários

6 COMENTÁRIOS

  1. Quando me encontro com insônia, fico a imaginar um navegador solitário. Primeiro, a construção de um moderno e atualizado Iate, com tds os recursos que existem hoje em dia como, energia própria para depender muito pouco do vento e ou motor a diesel. Fico a imaginar o que não poderia esquecer de levar como, atualíssimo sistema de comunicação, agua mineral, ferramentas, remédios, livros, um serviço de som ( gosto de músicas diversas ) alimentos fartos, práticos e variáveis, uma boa filmadora, armas e munições. Apetrechos salva-vidas modernos, caniços. sinalizadores, mapas náuticos e, mundi. Imagino também, estabilizadores laterais e de fundos, Já procurei livros de uma navegadora solitária, brasileira e algumas obras do mestre Amir Klink entre outros, preferencialmente dos séculos XX e XXI, não encontro. Algumas obras citadas acima também me interessaria, portanto, pediria orientações dos Senhores.

  2. José Manuel Malhão-Pereira, Oficial da Marinha de Portugal, comandou entre vários outros navios , o Navio Escola Sagres durante 4 anos, é Mestre em História dos Descobrimentos e da Expansão Portuguesa, Doutor em História e Filosofia das Ciências, publicou um livro sobre manobra de veleiros com o título – Manobrar é Preciso – , publicado pela editora Europa América em 1994. Tem imensos outros livros publicados, inclusive um sobre Vasco da Gama. De momento participa no projecto Rutter da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Basta ir no Google, a Rutter – Membros- e aí encontrará mais sobre o autor.

  3. Sou autora de uma trilogia, – Um Espião nas Descobertas- Que é um romance histórico absolutamente fidedigno, romanceado é certo, para dar mais interesse ao leitor, e que narra a primeira viagem de Vasco da Gama. Depois, o único personagem que criei e que portanto é fictício, segue na viagem de Cabral, chega ao Brasil, é deixado na Índia no meio do ataque do Samorim ás forças portuguesas, casa com uma filha de um dirigente local, passa a espião, assiste ás restantes viagens de Vasco da Gama, ajuda Albuquerque na conquista de Goa e tem uma vida de grande movimento e muita aventura. O seu bisneto após um violento naufrágio ( toda a informação muito seriamente retirada dos escritos dos jesuítas da época e da História Trágico Marítima ) regressa a Portugal no mesmo navio em que vinha Fernão Mendes Pinto. Durante essa viagem de 7 mese ele vai-nos contar muitas das suas aventuras. É uma obra de fácil leitura e muito esclarecedor quanto a História. Foi editada pela – Mar de Letras- . Gostava que visitassem a minha página pessoal, onde se pode ver as fotografias do lançamento e muita informação sobre os meus livros.

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