Florianópolis aturdida por Plano Diretor controverso

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Florianópolis aturdida por Plano Diretor controverso

Nos últimos tempos publicamos diversas matérias sobre os Planos Diretores de municípios do litoral. Abordamos a discussão em Ubatuba, São Sebastião, Caraguatatuba, e Ilha Comprida, no Estado de São Paulo. De maneira idêntica, demos cobertura ao pleitos da população de São Francisco do Sul, em Santa Catarina, em especial ao grupo Cuidadores do Ervino, a praia mais visada no PD do município que, apesar de ser quase deserta, previa prédios de até 18 andares! Em comum, na tramitação de todos eles, a falta de discussão com a sociedade. Este é um ‘vício’ da maioria dos prefeitos de municípios costeiros. Agora, o mesmo processo se repete em Florianópolis.  A vasta maioria da população sequer sabe o que acontece. A pequena parcela que acompanha, está totalmente aturdida.

erosão em Florianópolis.
A erosão em Florianópolis assusta, mas não aos prefeitos. Imagem, Carlos Bortolotti/Divulgação/ND.

Afinal, o que é um Plano Diretor?

A Constituição de 1988 criou a figura do Estatuto da Cidade considerado o principal marco legal para o desenvolvimento das cidades. Trata-se da ferramenta central para o seu desenvolvimento. Pela lei, ele é considerado “o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana.”

Por sua importância em determinar o futuro de seus cidadãos, deve ser amplamente discutido com a sociedade e sua realização é obrigatória para municípios com mais de 20 mil habitantes. O professor Paulo Vilaça, da USP, assim o definiu:

“Um plano que, a partir de um diagnóstico científico da realidade física, social, econômica, política e administrativa da cidade, do município e de sua região, apresentaria um conjunto de propostas para o futuro desenvolvimento socioeconômico e futura organização espacial dos usos do solo urbano, das redes de infraestrutura e de elementos fundamentais da estrutura urbana, para a cidade e para o município, propostas estas definidas para curto, médio e longo prazos, e aprovadas por lei municipal.”

Todos os demais instrumentos do governo devem ser a ele subordinados, daí a importância da participação popular. Contudo, em Florianópolis repetiram-se os ‘vícios de origem’ quando a população não participou na forma devida.

Assim, grupos de cidadãos mais antenados pediram uma liminar concedida em 23 de abril para suspender a tramitação do projeto. Contudo, ela foi derrubada e o PD aprovado na Câmara de Vereadores em 24 de abril, por 19 votos contra apenas 4.

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Problemas comuns em municípios costeiros

Apesar de cada cidade ter as suas especificidades, algumas são comuns. Entre elas, é unânime a falta de planejamento e o respectivo crescimento desordenado. Por causa disso, a falta de infraestrutura como saneamento básico, é outra certeza.

Os municípios costeiros têm mais similaridades: todos sofrem com a natural erosão,  reforçada pela ocupação desordenada e a especulação com seu modelo equivocado de casas pé na areia. Com o aquecimento do planeta, e o aumento de força a intensidade dos eventos extremos, o problema da erosão  tornou-se um flagelo em toda a costa brasileira. Não há Estado que não sofra com ela.

Maioria da população de Florianópolis é excluída da discussão

Entretanto, a omissão do poder público prossegue. Por não dar projeção ao problema, a maioria da população desconhece seus efeitos deletérios e não participa das discussões. Mas são eles que pagam a conta.

Não é preciso lembrar a catástrofe no litoral norte paulista neste carnaval, com 65 mortes e milhões em prejuízos aos cofres públicos, ou as mais de 300 mortes e milhares de desabrigados em Petrópolis, em 2022. Em ambos os casos, os mortos e desabrigados fazem parte da camada mais baixa do estrato social. A maioria nem sabe o que é um Plano Diretor. Os alcaides do litoral se fiam nesta ignorância ‘orgânica’.

Erosão em morro.
Todos os verões um encontro marcado com a morte e a destruição. Até quando?

As  tragédias de Teresópolis e  litoral norte de São Paulo poderiam ser evitadas, afinal, a vasta maioria das mortes e desabrigados aconteceu em áreas de risco que não deveriam ser ocupadas.

O pior é que os prefeitos sabem. Mas não agem. Segundo o Serviço Geológico do Brasil, atualmente ‘3,9 milhões de pessoas vivem em 13.297 áreas de risco. Dessas, quatro mil são classificadas como de “risco muito alto”, de deslizamentos e inundações, por exemplo. Já o número de áreas classificadas como de “risco alto” é de 9.291’.

Além disso, e por motivos diversos, diz o SGB, ‘Os estados mais impactados são Santa Catarina, Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo’. O mesmo Serviço Geológico do Brasil disponibiliza mapas de risco online para a prevenção de desastres onde Florianópolis está contemplada. Mesmo assim, todos os anos convivemos com desastres.

A especulação imobiliária aos poucos desfigura Santa Catarina

Como em todos os Estados costeiros, a especulação imobiliária encontrou forte eco em Santa Catarina. Apesar de ter um dos mais belos litorais do País, muitas de suas praias foram desfiguradas pela especulação.

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Balneário Camboriú e agora, Balneário Perequê, são dois exemplos emblemáticos. Eles entraram para a história da especulação no Brasil. Mas não apenas. A mais que famosa Jurerê Internacional, em Florianópolis, é outro exemplo da capacidade destrutiva da especulação, aliada à omissão do poder público movido por propinas. Segundo consta, a empresa Habitasul pagava servidores públicos para que eles concedessem liberação de licenças ambientais para a construção de empreendimentos.

O mesmo rito maldito ocorre em Garopaba, Itajaí, Campeche, e assim por diante. A grande maioria, por falta de um Plano Diretor à altura. Agora, toda Florianópolis está ameaçada de sucumbir ao flagelo.

A tramitação do Plano Diretor de Florianópolis

A audiência pública de aprovação do PD foi a coroação de um processo farsesco. Os vereadores votaram sob protestos da população do lado de fora da Câmara, cercada com grades metálicas e segurança reforçada pela Guarda Municipal de Florianópolis!

erosão na praia dos Ingleses, Florianópolis.
A erosão na praia dos Ingleses, Florianópolis. Imagem, Marco Favero, Diário Catarinense, 2017.

Segundo o www.nsctotal.com.br, ‘Permitiram a entrada a 70 pessoas em um pequeno salão que dá vista ao Plenário. O grupo acompanhou a sessão com aplausos aos vereadores que se mostraram favoráveis à revisão do Plano Diretor.’

Ou seja, mais do mesmo. Normalmente, os prefeitos se aliam à indústria da construção civil, e/ou o turismo. Ambos  costumam ser fortes financiadores de suas campanhas.

Depois da eleição, é preciso pagar a conta. Então, começam as revisões dos PDs que normalmente mudam as regras de ocupação e uso do solo para favorecerem não a qualidade de vida dos cidadãos, ou os menos favorecidos, mas invariavelmente, os dois setores da economia que os ajudaram a se elegerem.

Ocorre que desta vez Florianópolis se rebelou. Circula nas redes sociais um…

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‘Manifesto por um Plano Diretor Popular para a Florianópolis que Queremos’

O primeiro parágrafo do manifesto resume o que dissemos: ‘A luta da população de Florianópolis pela participação popular no planejamento e gestão da cidade antecede o atual processo de discussão do Plano Diretor. A história da lei atual já evidenciava o embate entre os interesses da população versus o interesse do capital imobiliário e sua influência na Prefeitura, Câmara de Vereadores, Instituições do Estado e imprensa hegemônica.’

Antes de mais nada, o segundo parágrafo confirma que o golpe começou faz tempo: ‘A aprovação da Lei Complementar 482, promulgada em janeiro de 2014, foi fruto de um golpe orquestrado pelo setor imobiliário da cidade em conluio com a maioria dos vereadores. No “apagar das luzes” de 2013, à revelia do Regimento Interno e em regime de rito sumário, a maioria dos vereadores aprovou 305 emendas das quase 700 que haviam sido apresentadas, impedindo qualquer discussão no plenário e contando com intensa repressão policial contra a população que se manifestava.’

‘O processo ilegal de sabotagem da participação popular empreendido pela gestão Gean Loureiro/Topázio Neto’

Este é outros dos tópicos do Manifesto. Ele aponta o ex-prefeito Gean Loureiro (União Brasil), que deixou o cargo para concorrer ao governo, e o então vice e atual prefeito, Topázio Neto (PSD), como articuladores da sabotagem da participação popular.

A gana para impor os interesses da especulação imobiliária acima dos anseios da população ganhou outra intensidade durante a gestão de Gean Loureiro, na qual a estratégia passou a ser de evidente negação e, posteriormente, neutralização do processo de participação popular por parte da Prefeitura, buscando impor um Plano Diretor à toque de caixa e sem discussão com a sociedade, em evidente desacordo com a lei federal do Estatuto da Cidade.’

O engodo do ‘Floripa mais Empregos’

O documento mostra que em 2021 a prefeitura mandou à Câmara durante o recesso parlamentar um pacote onde estava incluso o ‘Floripa mais Empregos’. Porém, apesar do nome, o projeto visava modificar o Plano  Diretor sem qualquer audiência, o que é ilegal. Votado em regime de urgência, ‘acabou derrotado em apertada votação’.

Gean Loureiro não se deu por vencido. Em dezembro de 2021, em plena pandemia, nova tentativa de burlar a legislação. Contudo, alertado, o MPSC obrigou a prefeitura a realizar 13 audiências ao longo do primeiro semestre de 2022.

Loureiro abandou a prefeitura em março de 2022, mas o novo prefeito, Topázio Neto (PSD) deu andamento à farsa. Neto desconsiderou as propostas de entidades de realizar oficinas comunitárias, distritais e temáticas, de modo a informar a população.

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De maneira idêntica, não ofereceu uma minuta de projeto embora fizesse transitar inúmeras propostas nos bastidores com a nítida intenção de confundir. De todo modo, as audiências foram realizadas. Ao final, segundo o manifesto, ‘a Prefeitura compilou um anteprojeto que ignorou totalmente as demandas apresentadas pela população, individual e coletivamente, fazendo do processo de participação um teatro premeditado de faz de conta.’

‘Anteprojeto substitutivo global’

Ante a ridícula farsa comandada por Gean Loureiro (União Brasil) e Topázio Neto (PSD) coube a sociedade cicil a organização de um anteprojeto substitutivo global. Segundo o Manifesto, ‘A proposta tem como eixos principais a participação da sociedade no planejamento e gestão da cidade, o desenvolvimento ecologicamente sustentável, o direito à cidade, e a ciência do colapso do equilíbrio ecológico planetário.’

A íntegra do anteprojeto pode ser conhecido aqui. E além disso, os proponentes disponibilizaram um abaixo-assinado contra a maracutaia atual. O Mar Sem Fim já assinou.

Por último, parabenizamos os cidadãos que se revoltaram contra a arbitrariedade. Vamos continuar a apoiar esta causa até que o Ministério Público ponha um fim definitivo ao descalabro.

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Comentários

54 COMENTÁRIOS

  1. Esse plano que está de acordo apenas aos interesses se grandes empresário não é o que a população precisa.
    Não comprem a ideia de melhorias para a cidade pq a nossa cidade está ruim do jeito que está e com mais pessoas, construções tudo vai piorar.
    Não há transparência , não nos é falado a verdade sobre o que está por vim.
    Eu sou contra esse plano sem transparência cheio de controvérsia.

  2. Parabéns João Lara Mesquita. Como sempre denunciando as maracutaias de abutres. Sou seu leitos assíduo. Seria bom se existem mais jornalistas de seu nível profissional, descompromissados com o poder corrupto que assola nosso país. Está difÍcil arrumar nossa sociedade , pois como já disse nosso filósofo politico Pelé; “O Brasileiro não sabe votar”.

  3. Avaliações dos impactos sociais , sócio ambientais nas comunidades locais foram esquecidas mais uma vez . Se 70% das áreas de espaços públicas da natureza e de lazeres dentro da ilha pertencem a tutela legal da União Federal , ou seja , compete a União Federal legislar , em tese administrar e gerênciar seu território deveria e deve ser assim a gestão da Ilha de Santa Catarina . E por que não é ? Pode o poder construtivo com aval do poder municipal deteriorar , degradar e poluir terras , águas , as áreas da União Federal ? Parece que sim , pode. Então , só isso justifica que a administração a prefeitura de Florianópolis sofra uma intervenção federal .

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