Brasileira disputa chefia da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA)
Não há nada relacionado aos oceanos que seja mais urgente, ou mais comentado neste momento, do que a disputa pela presidência da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA), braço da ONU que regula e ‘controla’ atividades relacionadas à extração mineral nos oceanos. De um lado está a oceanógrafa brasileira Leticia Carvalho, do outro, a terceira gestão, agora por Kiribati, do inglês Michael Lodge. Acontece que desde que começou a transição da matriz energética mundial, sabe-se que um dos muitos gargalos é a quantidade de metais raros como as terras raras, cobalto, cobre, irído, lítio, etc, indispensáveis para as novas tecnologias. Estima-se que, coletivamente, os nódulos no fundo do oceano contenham seis vezes mais cobalto, três vezes mais níquel e quatro vezes mais ítrio metálico de terras raras do que em terra firme. Portanto, é a possibilidade, ou não, do começo da perigosa mineração submarina que está em jogo.
A polêmica mineração submarina
Faz já algum tempo que um dos assuntos dominantes na mídia estrangeira, em se tratando dos oceanos, é a iminente mineração submarina. Um dos perigos ressaltados por especialistas é o fato de que a ISA, apesar de ser uma agência da ONU, é ‘organização autônoma’, portanto, não responde a nenhum organismo internacional, mas apenas aos interesses dos países membros.
Este é, aparentemente, o maior perigo. E os valores em jogo são altíssimos. Matéria da Ocean Economist (agosto de 2019), informa que ‘As empresas de mineração de alto-mar esperam tornar-se um dos setores líderes da economia azul, capitalizando sobre uma abundância de minerais no subsolo oceânico. O mercado global de mineração submarina pode valer cerca de US$ 7 bilhões até o final de 2026, embora haja uma incerteza considerável, visto que a mineração comercial em alto mar ainda não começou.’
Desde então, a polêmica só fez aumentar. Por exemplo, a cientista Elizabeth Kolbert, até então mais conhecida no mundo acadêmico, ficou famosa ao ganhar o Prêmio Pulitzer pelo livro The Sixth Extinction: An Unnatural History (O Mar Sem Fim repercutiu este livro em post de 2017, Extinção em Massa, começou a sexta).
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Para Kolbert, “mal exploramos o reino mais escuro do oceano. Com a mineração de metais raros em ascensão, já o estamos destruindo”. Ela também explica algumas características dos tão falados, ‘nódulos polimetálicos’.
‘Espalhadas pela área estão grandes riquezas. Na maioria das vezes, elas tomam a forma de caroços que parecem batatas enegrecidas. Os caroços, conhecidos como nódulos polimetálicos, consistem em camadas de minério que se acumularam em torno de fragmentos marinhos, como dentes de tubarão antigos’.
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E finaliza: ‘O processo pelo qual os metais se acumulam não é totalmente compreendido. Entretanto, é considerado extremamente lento. Uma única pepita do tamanho de uma batata pode levar cerca de três milhões de anos para se formar’.
Os dois lados da questão
Seja quem for o novo presidente do órgão, e muitos apostam em Leticia Carvalho, terá que mediar uma disputa de gigantes. De um lado, o valor do negócio que pode ultrapassar 7 bilhões de dólares, e seus aliados. Entre estes, mais de 30 empresas que já receberam licenças do I.S.A. para explorar uma das regiões mais ricas nestes metais, conhecida como zona Clarion Clipperton, área equivalente a aproximadamente duas vezes o tamanho do México, 4 mil metros abaixo da superfície do Pacífico.
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Parlamento norueguês vota pela mineração submarinaComo está a Guiana depois do boom do petróleo?Vida marinha enfrenta ameaça devido à remoção maciça de areiaE, do outro lado, ambientalistas e mais de 700 especialistas oceânicos que assinaram uma declaração pedindo o adiamento da mineração em alto mar. Além disso, gigantes como as montadoras BMW e Volvo, Samsung, e Google anunciaram em março de 2021 apoio a uma moratória para a mineração submarina. Finalmente, cerca de 30 países também pediram moratória, encabeçados pela França.
Para complicar ainda mais, depois que cientistas e ambientalistas provocaram, a ISA sugeriu que apresentassem pesquisas ou estudos para mostrar, afinal, quais formas de vida marinha estavam falando.
A rica vida marinha, e o endemismo, na zona Clarion Clipperton
Depois que os cientistas exploraram as profundezas da zona Clarion Clipperton, mais de 5.000 novas espécies foram descobertas vivendo no fundo do mar, em uma área intocada do Pacífico. O Guardian disse ainda que ‘a maioria dos animais são novos para a ciência e quase todos exclusivos da região.’
Atual presidente da ISA está desgastado
Não é tarefa fácil administrar interesses tão grandes, num espaço que pertence à humanidade e não a um país em especial. Há fortes lobbies agindo de ambos os lados, o que fez o inglês Michael Lodge ‘andar de lado’ várias vezes ao longo dos últimos anos. Nesta eleição, por exemplo, ele representará Kiribati, pequeno país insular interessado na liberação da mineração.
Kiribati é uma das três pequenas nações insulares do Pacífico – as outras são Nauru e Ilhas Cook – com as quais a The Metals Company fechou acordos para garantir o acesso à mineração para setores do Oceano Pacífico.
Estas derrapadas desgastaram o inglês, daí a aposta de muitos especialistas na eleição de Leticia Carvalho. Em nossa opinião seria muito positivo para o Brasil, onde o assunto ficaria mais conhecido, e para o mundo, descontente com a falta de pulso de Lodge.
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Neste momento, os países membros da ISA estão reunidos em sua sede, em Kingston, Jamaica. A organização inclui 168 estados membros além da União Europeia. Além disso, consiste em cinco órgãos principais: assembleia, conselho, secretariado, comissão jurídica e técnica, e comitê de finanças. No encontro, o conselho de 36 membros negociará o último rascunho das regras antecipadas de mineração do fundo do mar. Para encerrar, entre 29 de julho e 2 de agosto, o conselho vai eleger o novo secretário-geral.
Atualmente, Letícia Carvalho, especializada em hidroacústica, é chefe da divisão marinha e de água doce do Programa Ambiental da ONU em Nairóbi.
Leticia Carvalho prega mudanças
Segundo entrevista para o site Mongabay, Leticia Carvalho considera necessária uma mudança na Autoridade Internacional dos fundos Marinhos, reguladora da mineração em águas internacionais.
De acordo com esta fonte, Carvalho enfrenta apenas um oponente, o atual secretário-geral, Michael Lodge, um advogado do Reino Unido que recebeu críticas por mostrar aparente viés em favor da indústria de mineração em alto mar.
Os motivos para as mudanças segundo Leticia Carvalho
De acordo com a entrevista ao Mongabay, Leticia diz que é hora de alguém da América Latina e do Caribe assumir esse papel de liderança, o que estaria de acordo com os princípios de rotação geográfica da ONU. Além disso, ela observa que na governança oceânica, a maioria das posições de liderança é ocupada por homens, e é necessário promover mais igualdade de gênero em várias organizações, incluindo a ISA.
Minhas razões pessoais para intervir são porque tenho conhecimento científico, político e regulatório necessário para atuar como secretária executiva que pode liderar a mudança da exploração para a exploração de forma sustentável. Eu fui uma dos principais profissionais do marco regulatório para exploração petróleo e gás no Brasil há 20 anos, o que significa que o mar profundo não é novo para mim – muito pelo contrário.
Para Leticia, a ISA é uma organização dirigida pelo Estado-Membro. O secretário-geral tem um papel importante na criação de uma mesa para todos se sentarem e terem voz. Meu senso é que, depois de oito anos, por dois mandatos, cada secretário tem que sair com base em princípios democráticos, não importa quão dedicados, capazes e bem-sucedidos eles sejam.
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A ISA não precisa de uma mudança no seu mandato – o mandato é bastante claro; está absolutamente ancorado no Direito do Mar. Mas precisa de uma mudança na forma como a liderança entrega seus assuntos, porque se você é um administrador dos maiores bens comuns da Terra, você não pode ser chamado de obscuro ou opaco de forma alguma.
O pensamento de Leticia Carvalho sobre as pausas preventivas
Sempre em acordo com a entrevista ao Mongabay, Leticia disse que só para deixar muito claro, a pausa preventiva [para a mineração em águas profundas] não é um tópico sob a agenda do conselho. É um apelo político de vários Estados-Membros e entidades. Mas não foi abraçado pelo conselho como um item da agenda. No entanto, acredito que a afirmação por trás do que estamos chamando de “pausa da precaução” tem significados diferentes para diferentes jogadores. Eu ouvi coisas como uma pausa de 10 anos, por exemplo – é o que o Brasil declarou. Para outros, uma pausa pode demorar não muito tempo e talvez por um número diferente de anos. Para outros, há um apelo por uma moratória, o que significa que essa atividade não é de todo necessária e nunca deve acontecer. O conselho e o ISA não estão mediando o que significa uma pausa de precaução.
A entrevista é longa e pode ser lida na íntegra neste link. Entretanto, Leticia fez questão de ressaltar o mais importante, ao nosso ver: A ISA deve entregar a mineração em alto mar – está lá para isso – mas, ao fazê-lo, tem que cumprir a promessa de não prejudicar o meio ambiente.
Outras opiniões sobre a eleição na ISA incluem ‘escândalos’ ou ‘pagamentos por votos’
O site Cargreen diz que ‘a candidatura de Michael Lodge está cercada por escândalos, e considera Leticia uma candidata alternativa, indicada por seu país, o Brasil’.
O Greenpeace publicou matéria em que qualifica a candidatura do inglês Lodge, por Kiribati, como ‘um escândalo’. E destacou declaração de sua representante, Louisa Casson, que está em Kingston.
“A ciência é clara – não pode haver mineração em alto mar sem custo ambiental e a única solução é uma moratória. Quanto mais sabemos sobre a mineração em águas profundas, mais difícil é justificá-la. Os governos da ISA não devem dançar ao som da indústria e aprovar regulamentos apressados para o benefício de alguns sobre os interesses das comunidades do Pacífico e da opinião dos cientistas”
Pagamentos para garantir votos
O New York Times foi além, e sugeriu ‘possíveis pagamentos para ajudar a garantir votos’. E comentou: Estas são as travessuras de uma eleição corrupta em um país instável’.
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As acusações de truques ressaltam a natureza controversa da agenda da agência e os bilhões de dólares em jogo. Alguns países se opõem ferozmente à ideia de minerar as águas mais profundas do mundo, enquanto outros a veem como uma oportunidade econômica extremamente necessária. Quem quer que enlace o cargo mais alto da agência nos próximos anos terá uma influência considerável sobre essas decisões.
Segundo o influente jornal norte-americano, ‘os partidários dos dois candidatos acusaram o outro lado de tentar influenciar o resultado da eleição, oferecendo-se para pagar os custos de viagem para os delegados ou para pagar as taxas de adesão anteriores das delegações. Os países em atraso são geralmente proibidos de votar, e 38 nações estavam atrasadas em pagamentos a partir de maio’.
Kiribati tenta seduzir a brasileira para não concorrer
O Times traz uma denúncia ainda mais grave. ‘Para aumentar a intriga, o embaixador de Kiribati, uma pequena nação insular do Pacífico que patrocina a nomeação de Lodge, tentou, no final do mês passado, persuadir a Sra. Carvalho a desistir da campanha, em troca de um possível cargo de alto nível na Autoridade dos Fundos Marinhos’.
O New York Times informa que Lodge negou todas as acusações. Porém, o jornal acrescenta que a tentativa de atrair a Sra. Carvalho provocou uma resposta irritada dela e da delegação brasileira. “Temos uma grande candidata que já recebeu muito apoio e venceremos esta eleição”, disse Bruno Imparato, diplomata brasileiro que está ajudando a organizar a campanha de Carvalho.
E ainda confirmou que Teburoro Tito, o embaixador de Kiribati que pediu à Sra. Carvalho para deixar a disputa, confirmou a oferta de emprego em entrevista ao The New York Times.
Mais que nunca, temos que torcer por nossa patrícia. Ou ela entra e põe ordem na casa, ou os oceanos pagarão uma alta conta.