Batalha naval de Actium, fim do Egito ptolomaico

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Batalha naval de Actium, o fim do Egito ptolomaico e o início do Império Romano

Dê um tempo para você mesmo. Vamos viajar a um passado glorioso da humanidade. Antes de mais nada, a história do antigo Egito é fascinante. Foi a civilização proeminente no mundo mediterrâneo por quase 30 séculos – desde sua unificação por volta de 3.100 a.C.  Porém, quando pensamos no Egito lembramos das pirâmides, dos mistérios de faraós como o jovem Tutancâmon e seu túmulo  intacto, contudo, para conseguir a proeminência que tiveram os egípcios conquistaram o mar. Acima de tudo, foram um dos povos que mais avançaram em seu tempo na arte da construção naval e marinharia, assim como os fenícios o fizeram antes. Não fosse isso, não existiriam pirâmides, templos, e outras obras de arquitetura que sobrevivem até hoje. Do mesmo modo, ao perder a hegemonia marítima na batalha naval de Actium, encerrou-se igualmente a era do Egito ptolomaico.

mosaico Egito ptolomaico.
Este mosaico fazia parte do piso de uma gruta em Palestrina, perto de Roma, na Itália. Data de c. 100 a.C e é um exemplo do interesse que os artistas e as elites romanas começaram a ter no Egito ptolomaico durante os séculos 2 e 1 a.C. Ele retrata a vida no Nilo durante uma enchente e suas figuras incluem animais exóticos, soldados gregos ptolomaicos e caçadores etíopes. O mosaico retrata uma variedade de paisagens encontradas no antigo Egito, bem como a mistura de estilos arquitetônicos egípcios e helenísticos que prevaleciam na época. (Museu Arqueológico Nacional de Praeneste, Palestrina, Itália).

A importância do mar e da navegação para as nações

Em primeiro lugar, não houve um caso na história de uma nação líder ao seu tempo sem que tivesse alcançado melhorias na construção naval e, consequentemente, o domínio dos mares. Dos tempos mais remotos até à modernidade sempre foi assim.

A princípio, os antigos egípcios se destacaram no desenvolvimento de embarcações fluviais pela importância do rio Nilo, então a maior ‘estrada’ do mundo antigo e razão de ser do país dos faraós. O barco mais antigo conhecido do mundo, com cerca de 4.500 anos, foi encontrado na pirâmide de Quéops.  

Navegação no rio Nilo.
Navegação no rio Nilo. Ilustração, www.amuraworld.com.

O primeiro registro de um navio à vela, entretanto, remonta a 3.200 a.C. retratado em um pote egípcio. Eram navios  feitos de madeiras nativas ou coníferas do Líbano. Assim, a esta civilização remonta também o primeiro relato histórico do comércio marítimo em grande escala, atribuído ao faraó Sneferu (2.650 a.C.), cuja memória sobreviveu através da Pedra de Palermo, onde existe uma inscrição na qual se lê: “trazendo de 40 navios cheios de madeira de cedro”, e refere-se a duas expedições marítimas que organizou a Biblos (hoje Líbano).

‘O barco é um dos elementos mais comuns do Egito’

Segundo estudo de Dorian Vanhulle, da Universidade de Bruxelas, publicado no researchgate.net, ‘O barco é um dos elementos mais comuns do Egito pré-dinástico e início das dinastias (ca. 4500-2700 a.C). Quer sejam barcos reais ou modelos em miniatura (feitos em barro, marfim e madeira), representações utilizadas como marcas de oleiros, pintadas em vasos ou gravadas na rocha. A temática da navegação ocupa um lugar privilegiado na documentação pré-dinástica.’

a rota de Alexandre até o Egito.
A rota de Alexandre até o Egito. Imagem, Google.

‘Esta apresentação tentará mostrar que a navegação, primeiro por jangada de papiro e, logo depois, por grandes barcos de madeira, foi fundamental para o desenvolvimento da sociedade pré-dinástica e do estado faraônico.’

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Em outras palavras, ainda antes do período dos faraós, os antigos egípcios já experimentavam a arte da navegação.

O estudo, Ancient Egyptian Sea Power, de Gregory P. Gilbert, confirma a navegação desde priscas eras:  ‘Durante o período pré-dinástico egípcio, há muito mais evidências de comunicações marítimas entre o Egito e as cidades costeiras da Síria, especialmente Biblos. A cidade, na costa libanesa, tinha seu valor em razão do cedro de alta qualidade, especialmente adequado para a construção naval. A evidência sugere que as ligações comerciais marítimas entre as cidades do Alto Egito e as cidades do Líbano eram atividades regulares do período pré-dinástico posterior em diante. O crescimento do comércio marítimo está ligado à formação dos primeiros estados da Mesopotâmia e do Egito.’

Alexandre, o Grande, e o período ptolomaico

Contudo, se teve um período onde a navegação egípcia atingiu o seu ápice foi após a conquista de Alexandre, o Grande, em 332 a.C. que, um ano depois, tornou-se faraó. Alexandre havia iniciado sua expedição para a conquista da Ásia apenas dois anos antes, em 334 a.C.

alexanre o grande.
Alexandre o grande. Pintura de Costanzi, 1736-1737.

Segundo os autores Thomas Martin e Christopher Blackwell, em Alexandre, o Grande, “inspirado por um sonho que citara versos da Odisseia de Homero, ele instruiu seus arquitetos a planejarem o traçado de uma nova cidade. Nomeada em sua homenagem essa cidade portuária, Alexandria, estava destinada a promover o comércio marítimo por toda a bacia do Mediterrâneo.”

Assista esta animação sobre Alexandria

Alexandrie, incroyable récit des origines

E, para promover o comércio no Mediterrâneo, mais que nunca era preciso desenvolver novos navios, bem como promover técnicas de navegação. Os mesmos autores contam que quando morreu, Alexandre deixou  instruções detalhadas de projetos grandiosos que unificariam e expandiriam seu império.

Os planos incluíam um milhar de navios de guerra, maiores dos que todos que já se viram, para uma expedição naval ao norte da África, Sicília e Espanha; descreviam uma rota, equipada de portos e estaleiros, que se estendia do Egito aos Pilares de Hércules, onde o Mediterrâneo se encontra com o Atlântico.

Navios de guerra da época de Alexandre

Para Thomas Martin e Christopher Blackwell, ‘ao tempo de Alexandre o principal tipo de navio era o trirreme, com 35 metros de comprimento e seis metros de largura. Cerca de 170 remadores por navio, arranjados em três bancos de cada lado, conduziam a embarcação para a batalha.’

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Quiquirreme romano
Quiquirreme romano. Imagem, www.histoire.et.civilisations.anciennes.com.

Alguns marinheiros ficavam no convés. O navio era sua própria arma principal: o combate consistia em manobras destinadas a golpear o inimigo com um aríete ou esporão que se projetava da proa sob a linha d’água. Os trirremes eram capazes de avançar, recuar, e virar-se rapidamente. A reconstrução de um deles mostrou que chegavam a uma velocidade máxima de 14,5 km por hora. Esses navios tinham um único mastro armando uma vela quadrada para viagem; ela não era usada em batalha.’

Contudo, depois da morte de Alexandre, em 323 a.C., a cada um de seus generais coube uma parte de seu império. O Egito ficou com o amigo Ptolomeu, general grego-macedônio.

A dinastia Ptolomaica

Alexandria floresceu, tornou-se a capital do império ptolomaico, bem como a cidade mais importante do mundo antigo, com sua espetacular biblioteca, e o icônico Farol de Alexandria, uma das sete maravilhas da antiguidade e mais uma prova do  desenvolvimento da navegação.

mapa do Império Ptolomaico do Egito

Alexandre teve como tutor ninguém menos que Aristóteles, ‘cuja escola e biblioteca eram seu modelo, e que havia, não por acaso, ensinado tanto Alexandre, como seu amigo de infância, Ptolomeu I’, explica  a escritora Stacy Schiff, em Cleópatra – Uma Biografia.

Assim, entendemos melhor o papel do general que iniciou a dinastia Ptolomaica, e que veio a terminar quase 300 anos depois com sua descendente Cleópatra VII, na batalha naval de Actium. Mas, antes, vamos conhecer o contexto da época.

Conhecimentos de navegação e construção naval ao tempo de Cleópatra

Cleópatra tornou-se rainha do Egito em 51 a.C., aos 18 anos, e casada com seu irmão Ptolomeu XIII, na época com apenas 10 anos. Casamentos entre irmãos, ou outros parentes, eram comuns no Egito antigo.

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Sobre os conhecimentos de navegação ao tempo de Cleópatra, temos uma pista na descrição de Alexandria por Stacy Schiff: ‘Foi em Alexandria que se mediu pela primeira vez a circunferência da Terra, que se fixou o Sol como centro do sistema solar, que se estabeleceram os fundamentos da anatomia e da fisiologia, que se produziram as edições definitivas de Homero.’

Ou seja, fizeram o que fazem hoje as nações inteligentes: importaram cérebros, os melhores do mundo de então.

Alexandria
Alexandria , durante o Império Romano. www.jeanclaudegolvin.com

‘Cleópatra foi beneficiária direta’

‘Cleópatra foi beneficiária direta disso. Ela sabia que a Lua afetava as marés e que a Terra era esférica. Sabia a existência do equador, conhecia o valor de PI, a latitude de Marselha. Sabia que se podia navegar da Espanha para a Índia, uma viagem que não seria feita ainda por mais de 1.500 anos, embora ela própria pensasse fazê-la em sentido contrário.’

Alexandria na época de Cleópatra
Alexandria na época de Cleópatra. Imagem, Google.

Outra descrição, de Irene  Vallejo no delicioso, O Infinito Em Um Junco, A invenção dos livros no mundo antigo, mostra que alguns dos conceitos de navegação e construção naval também eram estudados na biblioteca/universidade de Alexandria:

‘Durante séculos o museu reuniu, como Ptolomeu desejava, uma resplandecente constelação de nomes: o matemático Euclides, que formulou as teorias da geometria; Estrabão, o melhor físico da época; o astrônomo Aristarco; Eratóstenes, que calculou o perímetro da Terra com exatidão espantosa; Arquimedes, descobridor da hidrostática. Em Alexandria nasceram teorias revolucionárias, como o modelo heliocêntrico do Sistema Solar. Os alexandrinos já estudavam astronomia quando Roma era pouco mais que uma aldeia ‘

Gravura egípcia
De animais selvagens a criaturas divinas, os gatos no antigo Egito desempenharam um papel importante por milhares de anos. Imagem, As exéquias de um gato egípcio , de John Weguelin , 1886, via Auckland Art Gallery.

Por fim, diz a autora, ‘os Ptolomeus estabeleceram em Alexandria o maior centro intelectual de seu tempo, que começou onde Atenas terminou.’

Guerra civil romana e a ida de César para o Egito

Corria o ano de 48 a.C. quando, no começo de julho, Cleópatra ficou sabendo da guerra civil romana, disputa que opunha o invencível Júlio César ao indômito Pompeu, nos conta Stacy Schiff. Era uma notícia alarmante já que desde criança Cleópatra lembrava que os romanos eram protetores dos monarcas egípcios. Ao mesmo tempo, estava em guerra com seu irmão que queria o trono só para ele.

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plano de Alexandria.
Plano de Alexandria, uma Nova Iorque antes de Cristo. Ilustração, fr.wikipedia.org.

Em 28 de setembro, Pompeu apareceu na costa de Pelúsio, no delta do Nilo, no lado aposto a Alexandria. Tinha sido derrotado por César, então decidiu se refugiar no reino aliado de Roma. Mal desceu em terra, contudo, Pompeu foi esfaqueado até a morte e teve a cabeça separada do corpo pelo exército de Ptolomeu XIII, irmão e marido de Cleópatra que estava  refugiada nos arredores de Alexandria, acampada na península do Sinai.

Júlio César navegava para o Egito atrás de seu inimigo

Neste momento, Cesar navegava para o Egito atrás de seu inimigo. Ele chegou três dias depois da morte de Pompeu. Instalou-se em terreno do palácio de Ptolomeu, na parte oriental de Alexandria. Ao saber da chegada, Cleópatra escreve uma página marcante de sua vida, ao entrar no palácio disfarçada, enrolada em um tapete carregado por um aliado.

Júlio César.
Júlio César, pintura de Adolphe Yvon. Domínio público.

Assim começou o romance entre os dois. Pouco tempo depois, as tropas de Ptolomeu XIII sitiam Alexandria. Foi durante esta revolta civil que César, em desvantagem, e com receio de que sua frota ancorada caísse em mãos inimigas, ateou fogo em seus navios. Este incêndio foi, de maneira idêntica, o início do fim da mais famosa biblioteca de todos os tempos: o incêndio portuário evoluiu ao ponto de tomar uma parte da biblioteca de Alexandria.

Ptolomeu XIII morreu ao final do confronto. Em compensação, César atribui o reino do Egito a ela, a esta altura já grávida de seu primeiro filho. Como era o costume no Egito, e ‘para satisfazer a preferência do povo por um casal governante’, explica Stacy Schiff, Cleópatra casa-se com o único irmão que sobrara, Ptolomeu XIV, na época com doze anos. Ambos tornam-se faraós em seguida.

Júlio César no Egito
Júlio César no Egito. Imagem, www.opera-online.com.

Apesar do casamento, Cleópatra continuou vivendo com Júlio César, de quem teve mais dois filhos. Depois da morte de César, ainda casou-se com seu general favorito, Marco Antônio, com quem teve mais dois filhos. Finalmente, ambos morrem quando Otaviano, filho adotivo de Júlio César, invadiu o Egito, em 30 a. C., declarando guerra ao país, depois que Marco Antônio deixou Roma para juntar-se a sua amante.

A batalha de Actium

A Batalha de Actium, 2 de setembro em 31 a.C., foi o ponto culminante de uma rivalidade de uma década entre o filho adotivo de Júlio César, Otaviano (mais tarde conhecido como Augusto, primeiro imperador de Roma), e o general favorito de César, Marco Antônio. Foi a escalada inevitável de uma guerra fria, que começou após a partida de Antônio para o Egito para se juntar a sua amante Cleópatra. 

A batalha naval de Actium.
A Batalha de Actium, 2 de setembro de 31 aC , Lorenzo A. Castro ,1672, via Royal Museums Greenwich.

Marco Antônio chocou Roma ao legitimar abertamente o filho de Cleópatra, Cesário, como filho de César. No mesmo ano, Cesário recebeu o título de “Rei dos Reis”. Como César apenas adotou Otaviano, a legitimação do filho biológico de César ameaçava sua posição política.

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Segundo o www.thecollector.com, ‘Então, em 32 a.C, Marco Antônio se divorciou de Otávia e se casou com Cleópatra. Otaviano viu a oportunidade e a agarrou. Ele conseguiu ilegalmente o testamento de Marco Antônio, expondo-o ao público romano. No testamento (que pode ser uma falsificação), Antônio prometeu mais posses romanas aos filhos de Cleópatra e exigiu ser enterrado em Alexandria após sua morte. Como um político astuto, Otaviano culpou Cleópatra, não Antônio.

Inimigo de Roma

Denunciando seu rival como inimigo de Roma e das tradições republicanas, Otaviano declarou guerra ao Egito ptolomaico e o conflito levou a um confronto naval. A marinha romana foi liderada pelo almirante Agrippa. As forças de Marco Antônio e sua amante, por eles próprios.

batalha naval de Actium.
Batalha de Actium, baixos-relevos expostos no museu Ara Pacis em Roma, cópias dos originais em mármore ( século I ) que se encontravam num templo dedicado ao culto imperial de Augusto, hoje conservado em Córdova. © Foto G.Collognat.

A batalha naval ocorreu perto de Actium, na costa oeste da Grécia, não muito longe de Corfu. Após vários meses de perseguição, Antônio e Cleópatra se encontram presos no Golfo de Amvracique, ao sul da ilha de Corfu. Calor, malária e sede os levam a forçar o bloqueio de Octavio e entrar em combate.

mapa da baatlha naval de Actium
O mapa da batalha que encerrou o cinco dos faraós. Depois dela, o Egito torna-se uma província do Império Romano.

As forças em combate

Antônio e Cleópatra partiram com sua frota em direção à Grécia Ocidental.

birreme romano usado na batalha naval de Actium.
Birreme romano usado na batalha naval de Actium.

O exército antoniano tem 500 navios, 300 navios romanos pesados ​​equipados com catapultas e 200 egípcios mais leves; 100.000 soldados e 12.000 na cavalaria. Já as forças de Otavio incluem 350 navios razoavelmente leves, 80.000 soldados e 12.000 na cavalaria.

Pela sua dimensão e pelas suas consequências, a batalha de Actium é geralmente considerada pelos historiadores como uma das batalhas navais mais importantes da história, em particular devido à importante propaganda augusta em torno desta vitória.

As escaramuças

Para a descrição da batalha, nossa fonte, além de Stacy Schiff em sua obra Cleópatra – Uma biografia, passa a ser igualmente o www.thecollector.com.

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Marco Antônio e Cleópatra.
Marco Antônio e Cleópatra. Imagem, www.emmesmaghrebines.com.

Para o www.thecollector.com, Antônio moveu suas tropas para a Grécia, preparando-se para uma batalha com Otaviano. Mas enquanto ambos comandavam grandes exércitos, a guerra não seria decidida em terra, mas no mar. Lá, os navios de Marco Antônio e Cleópatra superavam em número a frota de Otaviano.

A poderosa marinha egípcio-romana, com cerca de 500 navios, chegou ao Golfo de Ambracia, lançando âncora perto do promontório de Actium. O plano era atrair Otaviano para a Grécia antes de destruir sua frota e cortar suas linhas de abastecimento. A princípio, a manobra funcionou. Otaviano chegou à Grécia com suas tropas. No entanto, uma doença devastou o exército egípcio-romano, tornando seus soldados e tripulações de navios impróprios para a batalha.

A chance de um avanço finalmente chegou em 2 de setembro

A chance de um avanço finalmente chegou em 2 de setembro de 31 a.C. Por volta do meio-dia, Antônio moveu seus navios para fora do golfo e para o mar aberto. Lá, Otaviano e Agripa esperavam pela frota inimiga.

desenho biblioteca.
Representação artística da Biblioteca de Alexandria, parte do Musaeum, maior centro de ciências (Imagem: crystalinks.com)

Tendo chegado à Grécia com mais navios, Marco Antônio entrou na Batalha de Actium em menor número. Antes da batalha, Antônio teve que queimar muitos de seus navios de guerra, já que uma doença mortal dizimou suas tripulações. Agora ele tinha 230 contra os 400 de Otaviano. 

A maioria de suas embarcações eram quinquerremes

Antônio tinha outro problema. A maioria de suas embarcações eram quinquerremes, navios de guerra pesados ​​movidos por cinco bancos de remos. Seu grande tamanho os tornavam plataformas de armas ideais com altas torres de madeira repletas de arqueiros.

Ele também tinha vários octeres, alguns dos maiores navios de guerra do período helenístico. Embora essas naves fossem indubitavelmente poderosas e mortais,  eram muito mais lentas e menos ágeis que as menores de Otaviano. Além disso, Otaviano sabia dos planos de Antônio devido à deserção de um de seus generais.

A frota romana também estava de posse da recente invenção de Agrippa – a harpax – uma grande balista montada em um navio que podia lançar ganchos multifacetados em navios inimigos, puxando-os ao lado para abordagem. A enorme nau capitânia de Antônio foi atingida e agarrada por esta arma, com os soldados de Otaviano encontrando pouca resistência de sua tripulação.

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Fuga para o Egito

Depois de horas de luta pesada, os navios maiores de Antônio foram capazes de abrir uma brecha no centro da linha inimiga. Cleópatra, cuja frota estava esperando na reserva guardando o navio do tesouro, explorou a oportunidade. A pequena armada atravessou a brecha, escapando do golfo e zarpando para o Egito.

Segundo descrição de Stacy Schiff, ‘de repente, o esquadrão de Cleópatra levantou velas e, aproveitando habilmente o vento, cortou tranquilamente pelo meio da batalha, passando pelos mísseis e atiradeiras além das lanças e machados da linha inimiga. Os homens de Otaviano olhavam assombrados enquanto Cleópatra seguia depressa para o sul em sua majestosa nau capitânia, as velas cor púrpura enfunadas. Em sua maior parte, o inimigo não tinha potência para alcançá-la.’

Farol de Alexandria
Farol de Alexandria da perspectiva da terra para o mar. Fonte, www.fr.wikipedia.org.

Antônio logo a seguiu, abandonando sua nau capitânia, que trocou por uma embarcação menor e mais rápida. A Batalha de Actium estava quase no fim. Segundo Stacy Schiff, ‘ao chegar em terra Cleópatra tentou fugir. Ela queria erguer seus navios do Mediterrâneo e carregá-los por terra ao longo de 60 quilômetros até o golfo do Mar Vermelho.’

‘Com seus homens e seu dinheiro ela propunha fazer um novo lar, bem além das fronteiras do Egito, talvez mesmo na Índia. Contudo, os nabateus tocaram fogo em cada navio que era puxado à terra.’

‘Marinha de Antônio estava um caos’

A essa altura, a marinha de Antônio estava um caos. Tentando tornar seus navios mais leves e rápidos, as tripulações jogaram torres, catapultas, armas e todos os equipamentos não essenciais no mar.

Enquanto parte da frota se rendeu na manhã seguinte, parte da tripulação continuou a oferecer resistência, afundando com seus navios. A maioria das embarcações sobreviventes foram tão danificadas que não podiam se mover, então foram queimadas no local.

Incêndio da biblioteca de Alexandria.
Incêndio da biblioteca de Alexandria. Imagem, www.joshobrouwers.com.

A Batalha de Actium foi um triunfo para Otaviano. Ele ganhou não apenas a batalha. Ele ganhou a guerra. Quando a notícia da derrota chegou aos aliados orientais de Antônio, a maioria o abandonou.

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A última tentativa de salvar o Egito Ptolomaico

O exército enviado à Macedônia também desertou. Em 30 a.C., Otaviano desembarcou no Egito. Segundo Stacy Schiff, ‘ainda houve várias tentativas de salvar a situação. Cleópatra mandou emissários até Otaviano propondo passar o reino a seus filhos.’

‘Eles estavam entre as idades de sete e dezessete anos; ela punha sua esperança em Cesário, que já promovera para reinar em sua ausência. Mais tarde, enviou a Otaviano um cetro, coroa e o trono de ouro. Ela iria abdicar em troca de clemência. Antônio esperava ter permissão para viver como cidadão no Egito, ou se isso fosse demais, em Atenas.’

‘Otaviano respondia, privadamente, que seria absolutamente razoável com ela sob uma condição: Cleópatra tinha que providenciar a execução de Antônio, ou, no mínimo, seu exílio.’

Otaviano chegou a voltar para Roma após a vitória. Mas acabou retornando a Alexandria com suas forças em 30 a.C.  Ainda houve algumas escaramuças entre as tropas de Otaviano e as de Antônio nos arredores da cidade, até que Alexandria caiu.

Segundo Stacy Schiff, ‘Cleópatra sabia agora que seu amante estava no final, irrecuperável e inconsolavelmente arruinado. Fugindo de Antônio, ela correu para o mausoléu com suas criadas e seus funcionários…em seguida, mandou a Antônio um mensageiro com a notícia de sua morte.’

O suicídio de Antônio

Stacy Schiff: Antônio não perdeu tempo; sem Cleópatra, ele não tinha mais razão para viver. Estava preestabelecido que seu criado Eros o mataria se surgisse a necessidade. Antônio, então, pediu que ele o fizesse. Eros puxou a espada e, dando as costas ao seu senhor, suicidou-se. Caiu aos pés de Antônio.  Antônio só podia aplaudir a sua coragem e seu exemplo. Brandindo a própria espada – a lâmina devia ter 75 centímetros de comprimento- ele a cravou diretamente entre as costelas, errando o coração, perfurando o abdome. Ensanguentado e tonto, caiu no divã.’

‘Ao recobrar a consciência ele implorou aos que estavam à sua volta que dessem o coup de grâce, mas por uma última vez se viu abandonado. Sua equipe deixou a sala até o último homem. Seguiu-se uma gritaria, o que levou Cleópatra ao andar superior do mausoléu. Sua aparição causou uma comoção – então Cleópatra não estava morta, afinal! -, embora, se Dio estiver correto, ninguém possa ter ficado mais surpreso que Antônio. Mais uma vez, os relatos de Dio e Plutarco são incompatíveis. Não fica claro se foi Antônio que soube primeiro que Cleópatra ainda estava viva, ou se foi ela que descobriu que Antônio estava meio morto.’

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Seja como for, ‘Cleópatra limpou o sangue dele e passou no próprio rosto. Bateu no peito e arranhou-se. Chamou Antônio de senhor, comandante, marido…Ele silenciou os gritos dela e pediu um gole de vinho, ou porque estava com sede, ou na esperança de apressar o fim. Servido, encorajou Cleópatra a cuidar da própria segurança e cooperar com Otaviano até onde sua honra permitisse. Antônio morreu nos braços de Cleópatra.’

O suicídio de Cleópatra

Passaram-se alguns dias com Cleópatra vigiada de perto por um aliado de Otaviano. Ela preparou o enterro de seu amante. Era atendida em tudo que solicitava. Passou dois dias purificando o corpo de Antônio para o funeral.

Ambos conversaram sobre os termos a seguir. ‘Otaviano faz questão que Cleópatra marche pelas ruas de Roma como sua prisioneira, mas finge que não. Cleópatra desconfia mas finge aferrar-se à vida.’

Dias depois, pede ao vigia de Otaviano que levasse uma carta ao general. Otaviano, ao recebê-la, leu o ardente pedido de Cleópatra para ser enterrada ao lado de Antônio. No mesmo instante, entendeu o que havia acontecido. Mandou mensageiros investigarem.

‘O malefício, Plutarco nos conta,  havia sido rápido. Cleópatra estava deitava num divã dourado. Majestosa e meticulosamente vestida em seu traje mais belo, ela segurava nas mãos o cetro e o flagelo. Estava perfeitamente composta e completamente morta.’

‘Por muitas razões,’ diz Stacy Schiff, ‘é improvável que Cleópatra tivesse recorrido a uma naja egípcia para fazer o trabalho. Veneno é a alternativa mais provável, como Plutarco parece sugerir com seu levantamento dos experimentos de Cleópatra.’

‘Cleópatra tinha 39 anos e havia reinado durante quase 22, cerca de dez anos mais do que Alexandre, o Grande, de quem herdara o bastão que, inadvertidamente, passou para o Império Romano.’

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www.thecollector.comA região mais rica do Mediterrâneo era agora uma província do estado romano, enquanto o próprio Mediterrâneo se tornou um lago romano, o Mare NostrumTrês anos após a vitória na Batalha de Actium, Otaviano, com a ajuda de Agripa, aboliu a República Romana, tornando-se o primeiro imperador romano — Augusto.

Leituras sugeridas

O infinito em um junco, a invenção dos livros no mundo antigo. Irene Vallejo, ed. Intrínseca.

Cleópatra, Uma Biografia. Stacy Schiff. Ed. Zahar. E, finalmente, Alexandre O Grande, Thomas R. Martim & Christopher W. Blackell. Ed. Zahar.

Praias de Barcelona tendem a desaparecer (e as do Brasil, também)

Comentários

2 COMENTÁRIOS

  1. Como é bom ler a sua coluna! Acho muito interessante que alguém escreva sobre episódios históricos que, na maioria das vezes, ficam adstritos aos cursos e livros de História/Literatura (ficcional). O jornal conceder espaço para isso também transcende a função de informar – na verdade, ensina – ainda mais em tempos tão caracterizados pelas histórias superficiais e ligeiras. Parabéns por “ensinar” e pela pesquisa em obras “menos eruditas”, mas completas..

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