2019, annus horribilis para o meio ambiente no Brasil

6
929
views

2019, annus horribilis para o meio ambiente no Brasil

Entramos no último mês do ano. 2019, annus horribilis para o meio ambiente no Brasil, ano que já vai tarde. E não por falta de aviso. Desde a campanha presidencial estava escrito que aconteceria. Afinal, ainda durante os meses que precederam a eleição, Jair Bolsonaro não se furtou de demonstrar seu primitivismo ao externar o que pensa sobre a questão ambiental: um impeditivo ao progresso aliado à farra de ONGs. Seu plano de desmonte do arcabouço legal foi pré-anunciado.

Dezembro de 2018

Ainda em dezembro de 2018 este site alertava: ‘Semear confusões sobre o clima, e o meio ambiente, parece ser o esporte predileto de Jair Bolsonaro. Pra que serve isso?’  No texto, dizíamos que “transformar o Ministério do Meio Ambiente em repartição secundária do Ministério da Agricultura era bravata inaceitável.” Não estávamos sozinhos. Oito ex-ministros do Meio Ambiente se uniram para escrever carta ao presidente. Foi publicada na sessão Opinião, do jornal Folha de São Paulo, como ‘Valor e Importância das Unidades de Conservação e do ICMBio’.  Não adiantou muito…

2019, annus horribilis para o meio ambiente, e a escolha dos novos ministros

Entre as confirmações de Sergio Moro para a Justiça, e Paulo Guedes na Economia, havia um que não se vexava em declarar que ‘o aquecimento global é uma trama marxista‘, era o das Relações Exteriores. O resultado não demorou para vir à tona. Numa afronta à comunidade mundial, em especial à França, o governo ameaçou deixar o Acordo de Paris,  e desistiu de sediar a 25.ª Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas (COP-25) prevista para  2019, que começa agora em Madri. Antes do fim do mês aconteceu a tragédia em Brumadinho, o maior  acidente do mundo entre mineradoras, em número de mortes. Podia piorar? Sim, podia.

imagem do ministro do maio ambiente Ricardo Salles
Imagem, Lula Marques.

Então, como derradeiro membro da equipe, Ricardo Salles foi ungido para o Meio Ambiente. Ministro que também questiona ‘se o homem é o principal agente da mudança do clima’. Começava o annus horribilis para o meio ambiente. Ano que, felizmente, falta pouco pra se despedir.

Fevereiro de 2019

A nova administração toma posse em janeiro. E em fevereiro iniciava o desmonte no Ministério do Meio Ambiente. Sem sequer conhecer sua equipe, o ministro  exonerou 21, dos 27 superintendentes do Ibama Brasil afora. O corpo técnico,  já deficitário, ficou acéfalo. Um mês depois, Salles impôs a mordaça ao MMA ao impedir que seus técnicos dessem entrevistas.   E em fevereiro as autuações de crimes florestais na Amazônia Legal começam a diminuir. O ministro seguia diretriz do chefe que, ainda em campanha, esbravejava: ” Não vou mais admitir o Ibama sair multando a torto e a direito por aí, bem como o ICMbio. Essa festa vai acabar.” Trinta dias depois novo quiprocó.

Março de 2019, o inicio do escárnio

O registro mais escatológico deste terceiro mês da administração foi a exoneração de José Olímpio Augusto Morelli, servidor do Ibama que havia cumprido sua função ao multar o então deputado Jair Bolsonaro em 2012 por pescar em área de proteção integral em Angra dos Reis. A baía de Angra tem cerca de 193 km2  livres para o esporte da pesca. Menos os 5% ocupados pela Estação Ecológica dos Tamoios. Pois foi neste espaço que o deputado decidiu soltar sua isca.  Pego em flagrante e multado, iniciou uma revanche reveladora de seu caráter autoritário que ainda não acabou. Desde então Bolsonaro trabalha para revogar o decreto de criação da Estação Ecológica de Tamoios onde pretende implantar uma ‘Cancún brasileira’.

Abril de 2019

Depois de mais uma vez ser agressivo contra seu corpo técnico, desta vez em evento público  no Rio Grande do Sul, Salles perdeu o único ambientalista de sua equipe. Incomodado com o estilo imperial do chefe, Adalberto Eberhard pediu demissão do ICMBio. Hoje, preside o órgão, o PM Homero de Giorge Cerqueira…E o ministro, alheio à questão ambiental a ponto de jamais ter a curiosidade de conhecer a maior floresta tropical do mundo, a Amazônia- que só visitou depois de ser alçado ao ministério- ficou sozinho. Deu no que deu.

Maio de 2019

Com cinco meses de gestão saltava aos olhos um dos ‘feitos’ da nova administração: a diminuição de 34% do número de multas aplicadas por desmatamento ilegal.  Não por outro motivo, a imagem externa do País desabava. Neste  mês o jornal inglês The Guardian publicou matéria com o título “Exterminator of the future’: Brazil’s Bolsonaro denounced for environmental assault” (em tradução livre, Exterminador do futuro: Bolsonaro é denunciado por agressão ambiental). Mas não foi só. Inspirado pelo secretario da Pesca, cuja empresa tem multas por passar por cima das leis da pesca, entre as quais pescar e transportar espécies que constam da lista de espécies ameaçadas, solicitou ao ministro do Meio Ambiente a suspensão da  lista de espécies aquáticas ameaçadas de extinção…

Junho de 2019

O mês começou mal. Eduardo Fortunato Bim presidente do Ibama, a mando de Ricardo Salles, ignora recomendações técnicas da equipe do órgão  e autoriza o leilão de sete blocos de petróleo localizados em regiões de alta sensibilidade, em áreas que incluem o pré-sal, na região de Abrolhos. Era um prenúncio do que estava por vir. Mas não foi só. Durante evento na Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) Jair Bolsonaro soltou mais uma pérola: “Eu falei para ele (para o ministro Ricardo Salles): ‘Mete a foice em todo mundo no Ibama’.”

Pouco depois, servidores do Ibama de seis Estados e Distrito Federal enviaram representação ao Ministério Público Federal (DFem que pediam que o órgão apurasse a conduta do ministro. Eles o acusavam de adotar “assédio moral coletivo”.

Julho de 2019

Trombada de Salles com o Fundo Amazônia por birra de criança mimada, e contra os interêsses do País. Mais uma vez o estilo hegemônico entrou em cena. Alemanha e Noruega não aceitam a intervenção unilateral, e saem de cena. E os milhões de dólares em doações para minimizar o desmatamento são bloqueados. Além do desnecessário desgaste, houve mais problemas para a imagem externa do Brasil. E até hoje Ricardo Salles não apresentou alternativa.

2019, annus horribilis para o meio ambiente: agosto

Saem dados de desmatamento (Deter) do Inpe. O presidente acusa o responsável, cientista Ricardo Galvão, ‘de trabalhar a serviço de ONGs’. Pouco depois foi demitido. Salles justificou a perda do cargo por “Galvão colocar lenha na fogueira” e declarou que os dados do Inpe ‘não são confiáveis’. Mais um escândalo internacional. A comunidade científica reage. O mundo fica perplexo.

E depois de sistematicamente demonizar os servidores, agora são funcionários do ICMBio que entregam carta aberta ao presidente do órgão, o PM Homero de Giorge Cerqueira. No documento, pedem o “fim à política de assédio e intimidação de servidores, envolvendo as remoções de cunho punitivo, o cerceamento à livre manifestação, além de críticas e insultos às instituições e servidores”. Foi mais uma ‘conquista’ do ministro. Algo que jamais houve no serviço público brasileiro.

Mais equívocos em agosto

Mas não foi o único. Em mais um devaneio, sem qualquer sustentação, Bolsonaro investe contra o Rio Grande do Sul que depois de anos de luta, em 2018  aprovou Lei (por unanimidade na Assembleia Legislativa) restringindo a malfadada pesca de arrasto a menos de 12 milhas da costa.    

Ainda em agosto, a guerra virtual estimulada pelo presidente, e anabolizada por ministros como o do Meio Ambiente, ganha novo impulso: ‘robôs impulsionaram hashtags contra ONGs na Amazônia e a favor de Salles. Os dados mostraram que por trás das tags estavam perfis com indícios de automação, responsáveis por manipular as tendências na rede social’. No mesmo mês, ‘o partido Rede Sustentabilidade entra com pedido de impeachment do ministro’.

Ainda em agosto, começam a aparecer manchas de óleo no Nordeste

Setembro, e o derrame de óleo no Nordeste

O mês começa com a atualização de dados das autuações de crimes florestais na Amazônia Legal: queda de  40% em comparação com o mesmo período de 2018. A promessa de campanha se cumpria. E as manchas de petróleo tomam parte significativa do litoral nordestino. Enquanto a população, espantada sai à luta; as autoridades federais, perdidas no espaço e nas redes sociais, não reagem.

Outubro de 2019

Ante a pressão  da opinião pública, Ricardo Salles sugere que o navio do Greenpeace derramou o petróleo. E, em vez de agir, perde tempo batendo boca. Ele esperou 38 dias para ver in loco a situação que já era de calamidade há muito tempo. Ao visitar as praias nordestinas, tudo que fez foi fotografá-las para suas redes sociais. Não procurou um governador ou prefeito para colocar ordem na casa. Sem saber o que fazer, sem aliados entre os técnicos da pasta que dirige, voltou à Brasília sem dizer ao que veio. Foi preciso uma ação do vice-presidente, que despachou o Exército para ajudar, seguido pela Marinha do Brasil, para o problema começar a ser tratado pelo governo. Durante todo o tempo em que mutirões improvisados cuidavam das praias atingidas, o Ministério do Meio Ambiente se recusou a assumir o protagonismo que dele se esperava.

Novembro revela ao País o resultado da promessa de campanha: aumento de 29,54% na taxa de desmatamento

Saem os dados de desmatamento, desta vez do PRODES, para os nove estados da Amazônia Legal. E são devastadores.  O valor estimado é de 9.762 km² para o período de agosto de 2018 a julho de 2019. Esse valor representa um aumento de 29,54% em relação a taxa apurada pelo PRODES 2018 que foi de 7.536 km².” Curiosamente,  não houve contestação. Numa reviravolta digna de hollywood o ministro disse que ‘ficaria feliz se a destruição subisse apenas 29% no ano que vem’. E nenhum cientista foi demitido.

Mas o pior aconteceu nas florestas protegidas onde o aumento na devastação alcançou 84%!

Três meses do início do aparecimento das manchas de óleo na costa brasileira…

Site O Eco: “Passados quase três meses do início do aparecimento das manchas de óleo na costa brasileira, o governo convocou especialistas em diversas áreas para reunir conhecimento e ferramentas visando o enfrentamento da crise. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais  sediou os encontros do grupo que trabalha com as questões mais prementes sobre o assunto: o de Monitoramento, Modelagem e Sensoriamento Remoto, capaz de responder perguntas como qual a origem do óleo e extensão do impacto das manchas. Paulo Nobre, pesquisador do INPE responsável pelo Grupo de Trabalho, explicou que, cruzadas as informações e expertises, será possível afunilar as possibilidades sobre a causa do desastre ambiental, saber se ainda há óleo para chegar nas praias e onde ocorreriam esses novos aportes de óleo.” Demorou!

E ainda antes do mês terminar…

Nova estultice por parte do governo

Por sugestão de empresários do setor, o governo estuda a possibilidade de liberar a exportação de troncos de árvores nativas da Amazônia. Voltamos a 1500. O jornal O Estado de S. Paulo reagiu, e foi feliz em editorial: “A ideia aventada pelo Ibama seria liberar a extração apenas de árvores nativas que estejam nos chamados “planos de manejo”, ou seja, áreas de reservas florestais teoricamente protegidas e fiscalizadas pelo governo federal. É nessas áreas que está a maior parte das árvores mais nobres, como o jatobá ou o ipê – o “ouro” da floresta. Na prática a situação está descontrolada. Justamente nessas áreas a devastação cresceu 84% em um ano.”

O presidente continua a acusar ONGs, sem provas, pelas queimadas. Sua diarreia verbal responsabiliza Leonardo DiCaprio e a ONG WWF por incendiarem a floresta de Alter do Chão. A bobagem repercute no mundo civilizado.

E é neste clima que o  ministro do Meio Ambiente, negacionista, pretende cobrar dos países ricos na COP-25 que se recusou a realizar, recursos “compatíveis com o desafio de preservação da Amazônia”, que “até agora não recebemos”. É risível, se não demonstrasse sua incapacidade mental.

Dezembro de 2019, annus horribilis para o meio ambiente no Brasil

É chegada a hora de uma reflexão sobre os meses anteriores. E torcer pelo futuro. A política ambiental, na verdade anti-política,  já deu provas de inocuidade e amadorismo. Assim como na educação e cultura entre outra áreas. Que sejam revistas para os anos vindouros, e que servidores públicos diplomados pelo retumbante fracasso deste ano sejam despachados de volta às suas  mediocridades civis. Nossos biomas valem mais que fotos para o Instagram.

Em tempo

Ricardo Salles foi condenado em 2019 por fraude pela Justiça. E passou a ser investigado por enriquecimento ilícito pelo Ministério Público de São Paulo.

Que 2019, annus horribilis para o meio ambiente no Brasil, não se repita jamais

Ilustração de abertura: pinterest

Fontes: https://envolverde.cartacapital.com.br/por-que-o-governo-bolsonaro-e-obcecado-pelo-meio-ambiente/?fbclid=IwAR3jVdiMTIByPxl4x5VFJzdsjIeYar8Lo1VjRjKHP1G3x_hbvM1fo_OPPaI; https://opiniao.estadao.com.br/noticias/notas-e-informacoes,recuo-importante,70002680816; https://sustentabilidade.estadao.com.br/noticias/geral,servidores-do-ibama-de-seis-estados-e-df-acusam-ministro-ricardo-salles-de-assedio-moral-coletivo,70002889194; https://exame.abril.com.br/brasil/robos-impulsionaram-hashtags-contra-ongs-na-amazonia-e-a-favor-de-salles/?fbclid=IwAR1cDB8xjFgPgwi7Rfp9xsylnV6f1MnBldpj8etHTtfFYbYBd8_l6JQnH1c; https://www.gazetadopovo.com.br/republica/balanco-meio-ambiente-ricardo-salles/; http://www.inpe.br/noticias/noticia.php?Cod_Noticia=5294; https://opiniao.estadao.com.br/noticias/notas-e-informacoes,medida-temeraria,70003106706; https://www.oeco.org.br/reportagens/governo-convoca-articulacao-de-especialistas-88-dias-apos-inicio-da-crise-do-oleo/?utm_campaign=shareaholic&fbclid=IwAR3S8743tFOzMoACNA7GURn1PKpXTtd5CeEl-QzMrO0erQ-cUuw1RJK2a1I; https://oglobo.globo.com/sociedade/artigo-chantagem-florestal-de-ricardo-salles-1-24111306?fbclid=IwAR0kfXHD1Hy2Il7bu0t8E28aH0TZTwJ1vewupYtELzetF7KAfBxDIZZFsCo.

Corais: descoberto novo banco em Fernando de Noronha

Comentários

6 COMENTÁRIOS

  1. O ano não é horrível, vocês é que são horríveis que não sabem lidar com o meio ambiente com a natureza o muito menos com as pessoas, vocês só olham para seus umbigos e são imediatistas da pior espécie. Vocês fazem os nossos anos ficarem horríveis.

  2. Isto é tudo uma falácea sem fim…o fato é que o meio ambiente está sendo mal administrado desde há 50 anos, sendo que nunca houveram tantas queimadas como na época que Marina Silva era ministra, durante o governo PeTista…e hoje este tema é recorrente porque temos um presidente dito “extrema direita” (SIC) no poder…e a turma utiliza este tema para atingir ao governo atual, sem realmente demonstrar qualquer preocupação legítima quanto a este assunto. Este ano foi de contestação quanto as políticas que já eram correntes desde governos anteriores…se fosse o Lula/Haddad presidente, teria havido muito mais queimadas, e ninguém falaria coisa alguma! É impressionante a hipocrisia desta turma dita “de esquerda”…

    • São negacionistas loucos. O filósofo desses loucos chamam-se Olavo de Carvalho, que afirma não haver prova de que a Terra gira em torno do sol, bem como de que a Terra seja um geóide, pois com certeza a superfície dos oceanos é plana. Precisa dizer mais alguma coisa?

  3. Será que não está na hora de imaginar como Haddad estaria lidando com as questões ambientais? Está na hora de admitir que os liberais em economia não têm nenhum compromisso com o meio ambiente, pelo menos os políticos liberais “reais”, aqueles que chegam ao poder graças ao patrocínio de ruralistas e apoiadores do Trump. O Salles é substituível…por outro Weintraub da vida. Horrível foi o ano em todas as esferas do governo, que só conseguiu mesmo atirar mais brasileiros à faixa da miséria. E olha que a reforma da previdência ainda nem colheu os primeiros frutos de emprobecimento da classe trabalhadora! 2020 não traz esperanças à nação brasileira, infelizmente…

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here