Praia Grande, Santa Catarina, vítima da especulação imobiliária

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Praia Grande, Santa Catarina, vítima da especulação imobiliária

Praia Grande fica na região da Grande Florianópolis, no município de Governador Celso Ramos. O município reúne 23 praias e está no epicentro da especulação imobiliária que destrói o litoral catarinense. A pressão por novos empreendimentos é enorme em toda a orla. As primeiras praias a sofrer foram as de Florianópolis. Lugares antes deslumbrantes, como Jurerê, Ingleses, Canasvieiras, Campeche e Armação, viram dunas, restingas e manguezais desaparecerem para dar lugar a imóveis. Muitas obras avançaram com o aval de prefeitos, mesmo contrariando a legislação ambiental. Hoje, a consequência é visível: a erosão costeira avança e ameaça centenas de imóveis.

Área desmatada em Praia Grande, SC
O desmatamento começou em setembro de 2024, o estrago é grande. E, com a decisão da Justiça, a empresa deve recomeçar a derrubada de árvores, algumas primárias, em breve.

Depois, a destruição seguiu para Balneário Camboriú, um exemplo extremo de como devastar a paisagem e superlotar o litoral. De Camboriú, a especulação saltou para Balneário Perequê, onde já planejam prédios ainda mais altos. Em seguida, Itajaí virou alvo, especialmente a Praia Brava, onde novos edifícios bloqueiam o sol. Agora, a vítima é Praia Grande, em Governador Celso Ramos.

A disputa entre a população e as imobiliárias

O laudo técnico do Ibama, Nº 2/2025-Difis-SC/Supes-SC, de abril de 2025, é absolutamente explícito. Afirma que as informações enganosas e omissas no processo de licenciamento ambiental IMA VEG/83492/CRF. Além disso, envolveram afirmações enganosas de tipologia da vegetação de Mata Atlântica com intuito doloso de descaracterizar vegetação com maior proteção ambiental’. Mais adiante, afirma: ‘As informações enganosas e omissas visaram exclusivamente adquirir a viabilidade legal para supressão da vegetação nativa para fins de loteamento urbano’.

fiscal do Ibama vistoria Praia Grande, Santa Catarina
O que os ‘ empreendedores’ e o IMA não esperavam era a vistoria do IBAMA que constatou a existência de dunas, Mata Atlântica, e áreas alagadas, todas protegidas.

‘A apresentação de informação, estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso, enganoso ou omisso em licenciamento ambiental é infração gravíssima. Isso significa que a pena é de reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa prevista no artigo 69-A da Lei 9.605/98′.

tronco de árvore decepada
Não pouparam nem mesmo as árvores centenárias, a julgar pela grossura deste tronco.

Contradições do IMA

O laudo técnico ainda expõe contradições do IMA, cuja responsável é Sheila Maria Martins Orben Meirelles. ‘Em 2019 houve a consulta de viabilidade ambiental Nº 145/2019 para um loteamento no lugar. O pedido foi solicitado por uma das empresas do grupo, Praia Grande Comércio de Imóveis LTDA. Entretanto, o município apresentou conclusão DESFAVORÁVEL ao empreendimentoEntre as justificativas já existia a informação de que o empreendedor desejava suprimir restinga fixadoras de dunas, consideradas áreas de preservação permanente segundo o código Florestal’.

área em litígio no litoral de santa catarina
Esta é uma das fotos anexadas ao laudo do IBAMA que mostra a área em litígio. É muita cara de pau do Instituto de Meio Ambiente de Santa Catarina. Como ignorar esta importante parcela de Mata Atlântica próxima à praia?

A equipe do IBAMA ainda encontrou dois cursos d’água omitidos nos estudos de viabilidade dos condomínios. Segundo o laudo da autarquia ‘a omissão de informações e estudos sobre este curso d’água impede a análise do órgão licenciador. Este é mais um elemento com intuito de conseguir autorização de supressão em área ambientalmente protegida’.

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É inacreditável. Poucas vezes vi algo parecido. Em outras palavras, um órgão ambiental federal, como o IBAMA, pegar em flagrante delito um órgão do Estado como o Instituto de Meio Ambiente de Santa Catarina, IMA.

Desembargadora ignora alertas do MP-SC

Nos autos do processo existem relatórios do ICMBio, MP-SC, Polícia Ambiental. Todos constataram que se trata de área de restinga, APPs – Áreas de Preservação Permanente – nascentes e olhos d’água, árvores primárias e, finalmente, espécies da flora em extinção no Estado.

Apesar disso, a Desembargadora da 2ª Câmara de Direito Público do TJSC, Maria do Rocio Luz Santa Rita, decidiu a favor da Litoral Terraza Urbanismo SPE e da Terraza Urbanismo. Com isso, restabeleceu a validade das licenças ambientais e da autorização de corte concedidas pelo IMA para o loteamento que prevê abrigar até 17 mil pessoas.

área alagada no litoral de santa catarina
Esta é mais uma imagem que o IBAMA anexou ao laudo, provando a existência de Lagoa interdunar intermitente em período seco, nota-se a presença de água em alguns pontos.

Juiz suspende embargo sem ouvir o IBAMA

A empresa, porém, recorreu à Justiça Federal contra o embargo. Recentemente, o juiz da 6ª Vara Federal de Florianópolis,Charles Jacob Giacomini, suspendeu o embargo do IBAMA sem ouvir o órgão mas acusando-o de ‘exceder sua competência’.

A decisão permite que a empresa retome a supressão da vegetação e inicie as obras, mesmo com o processo ainda em andamento e com as licenças questionadas. Assim, é provável que a importante restinga vá para o brejo, literalmente.

desmatamento na praia Grande, SC
A mata de restinga dilacerada que a Justiça parece não ter visto.

TJ-SC e TRF4 cegos, surdos e mudos?

A conclusão do laudo do IBAMA é a seguinte: ‘Conforme demonstrado, as informações enganosas e omissas apresentadas no processo de licenciamento ambiental foram absolutamente determinantes na dimensão da área da Autorização de Corte n° 442/2023′.

‘Importante salientar de que técnicos qualificados de QUATRO órgãos ambientais (ICMBIO, FAMGOV, PMA e IBAMA) e mais o quadro técnico do Ministério Público do Estado de Santa Catarina concordaram em suas análises de que os elementos ecológicos e vegetacionais foram enganosamente classificados‘.

‘As informações enganosas e omissas apresentadas no processo de licenciamento VEG/83492/CRF foram de fácil detecção por técnicos qualificados dos órgãos ambientais e ministerial’.

‘É possível perceber que a apresentação de diversas informações enganosas e omissas no processo de licenciamento ambiental possuía claro intento de receber aval para a larga supressão florestal’.

Em quase 50 anos trabalhando em favor da zona costeira, sempre denunciando a especulação imobiliária, esta é a primeira vez que vejo uma secretaria de Estado ser desmoralizada desta forma. Já a Justiça, bem, faz tempo que a opinião pública a condena, e não por acaso.

O outro lado: o que disse o IMA

‘Agradecemos o seu contato e reconhecemos a importância da discussão e o papel do jornalismo na abordagem, no entanto, informamos que, neste momento, não será possível atender à solicitação de entrevista já que se trata de um processo que perpassa pelo âmbito judicial. Esclarecemos que os processos de licenciamento ambiental que tramitam no órgão seguem rigorosamente a legislação ambiental vigente. Cada projeto protocolado é submetido a análises detalhadas, baseadas em estudos de impacto ambiental e pareceres técnicos, garantindo o cumprimento das exigências legais, bem como, das medidas de mitigação dos impactos ambientais sobre a flora, fauna e demais componentes ecossistêmicos. Reafirmamos nosso compromisso com a transparência e com a fiscalização dos empreendimentos, assegurando que as licenças sejam concedidas em conformidade com os parâmetros legais, com especial atenção à preservação ambiental e ao monitoramento contínuo das atividades’.

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