Por que é tão difícil a governança sustentável dos oceanos?
Talvez este seja um dos maiores desafios do século 21: a governança sustentável dos oceanos. No passado havia total desconhecimento dos problemas e virtudes dos oceanos. Hoje, não mais. Sabe-se que eles correspondem ao ‘coração’ do planeta. Do mesmo modo, a poluição brutal que eles sofrem é de conhecimento geral, assim como outros obstáculos provocados pela humanidade como a acidificação de suas águas, a pesca excessiva, a pandemia de plástico, o aumento da temperatura de suas águas, a poluição sonora, a destruição de habitats, etc. Algumas destas dificuldades acontecem em razão do aquecimento do planeta.

Contudo, mesmo que por milagre este distúrbio fosse contornado, ainda assim a saúde oceânica persistiria na UTI. Então, por que não conseguimos avançar? O Mar Sem Fim fez uma curadoria na internet e traz agora algumas possibilidades.
A falta de um propósito comum
Seria muita pretensão nossa trazer todas as respostas a uma pergunta tão complexa como a deste post. Mas podemos pincelar alguns dos maiores empecilhos para que os interessados tenham a dimensão do desafio colossal que temos pela frente.
Sabemos que a humanidade não tem como sobreviver sem oceanos saudáveis e seus incomensuráveis serviços ecossistêmicos, que vão da produção de proteínas e até ao oxigênio que respiramos. Mas, mesmo assim, quase não avançamos. Um dos motivos pode estar neste subtítulo: a falta um propósito comum.

O mar e seus serviços ecossistêmicos são um recurso comum. Ao contrário de propriedades privadas em terra, por exemplo, eles não pertencem a indivíduos, mas estão disponíveis para toda a humanidade.
O problema com o uso de bens comuns sempre foi que os interessados em usar esse tipo de recurso competem uns com os outros. Se uma empresa ou país fizer uso de um recurso comum, menos estará disponível para as outras partes interessadas. Porém, do ponto de vista puramente econômico, vale a pena uma empresa ou país explorar estes recursos o máximo possível, a fim de garantir a maior quota possível e gerar lucros em conformidade.
Nas últimas décadas, essa abordagem levou a danos cada vez mais sérios ao meio ambiente marinho. A pesca não contida é um dos usos dos bens comuns que causam tais danos. Da mesma forma, a descarga de poluentes da indústria ou dos municípios para o mar é um exemplo de uso de bens comuns marinhos que é egoísta. Empresas, municípios ou países poupam-se de grandes gastos com a eliminação de poluentes, fazendo uso das águas costeiras como um tanque de drenagem gratuito para efluentes.
A pesca em alto-mar e a governança sustentável dos oceanos
Um exemplo que sublinha claramente este dilema é a pesca em alto-mar, em águas internacionais. Aqui o princípio predominante é o da liberdade, segundo a qual todas as nações podem pescar à vontade.
Seria inútil se um país se abstivesse de pescar para proteger as populações sobrepescadas, enquanto outros continuassem com a pesca excessiva. Daqui resulta que a proteção global do mar só será possível no futuro se todas as nações se unirem em um propósito comum.
As observações certeiras deste tópico são do World Ocean Review que assim põe luz nas dificuldades de um tratado global da pesca em alto-mar, ou uma espécie de ‘Acordo de Paris’ para o plástico, que a ONU tenta há mais de dez anos sem resultados.
Complexidade da jurisdição internacional prejudica a governança
Para o Climate Sustainability Directory, este é outro dos grandes entraves. Compreender as principais dificuldades Complexidade jurisdicional → A delimitação → explicação de como a sobreposição ou a falta de clareza das competências entre governos nacionais, organismos regionais e organizações internacionais complicam a tomada de decisões e a aplicação da lei no espaço marinho.

Deficiências de dados → Reconhecer a escassez de informações científicas disponíveis sobre muitas áreas oceânicas e ecossistemas, o que dificulta a gestão eficaz e a formulação de políticas. Aliás, sobre esta questão, recentemente comentamos o estudo que demonstra que até hoje nós só temos imagens de 0,001% do mar profundo.
Não há uma solução única para melhorar a saúde dos oceanos, mas há desafios que, se abordados com urgência, permitirão que eles se recuperem e apoiem nossa crescente população no futuro.
Convenção das Nações Unidas sobre o Direito no Mar (UNCLOS)
Em 1982, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS) estabeleceu os princípios legais fundamentais para a governança dos oceanos. Esta convenção, sem dúvida o maior e mais complexo tratado já negociado, entrou em vigor em 1994.

Contudo, a recusa dos EUA em se juntar à convenção, apesar do apoio generalizado, continua a limitar sua força, criando um vácuo de liderança no regime marítimo.
Além disso, esta convenção acabou por criar outro entrave ao subdividir o oceano em várias zonas, cada uma das quais da responsabilidade de diferentes instituições. Quais zonas seriam estas?
Mar territorial, Zona Econômica Exclusiva, Plataforma Continental e Alto-mar
O mar territorial é a zona de 12 milhas náuticas a partir da costa. Ela pertence ao território soberano de um Estado, onde o direito de passagem pacífica prevalece para o transporte marítimo internacional.
A Zona Econômica Exclusiva é a parte que se estende da borda externa do mar territorial até 200 milhas náuticas da costa. Apesar de não fazer parte do território de um Estado, a exploração desta parcela está sujeita à legislação do estado costeiro, que por sua vez deve estar em conformidade com as regras internacionais estabelecidas na UNCLOS. Outras nações só podem usar os recursos se o Estado costeiro consentir.

A plataforma continental é uma faixa de terra submersa existente em todo litoral dos continentes que, em suave declive, termina ao dar origem ao talude continental. Geralmente, a plataforma tem uma extensão de 70 a 90 km, e profundidade de 200 metros, antes de atingir águas oceânicas mais profundas ou, em outras palavras, o alto-mar. Esta é a parte mais produtiva dos oceanos, 90% da vida marinha depende dela.
O alto-mar, considerado no direito internacional ‘res communis usus’, ou ‘área de uso comum a todos’. É a parte dos oceanos que pode ser livremente utilizada. Trata-se de cerca de 60% dos 364 milhões de Km2 de oceanos globais.
Zoneamento em conflito com governança sustentável dos oceanos
O melhor, e mais completo artigo que encontramos, é o do World Ocean Review. No entanto, o texto reforça que este zoneamento está fundamentalmente em conflito com qualquer governança abrangente sustentável dos oceanos.
Muitos países estão muito longe de praticar uma boa governação dos oceanos e uma utilização sustentável das suas zonas marítimas. A separação entre diferentes setores e domínios de competência e entre os níveis global, internacional e nacional torna ainda mais difícil unir forças e proteger de forma abrangente o ambiente marinho.
The Global Oceans Regime
Outro interessante artigo é do Council on Foreign Relations, The Global Oceans Regime, de 2013, cujo diagnóstico não difere muito dos outros. ‘Até agora a tentativa mais abrangente de governar as águas internacionais produziu a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS). Mas a recusa dos EUA em se juntar à convenção continua a limitar sua força, criando um vácuo de liderança no regime marítimo’.
O artigo aponta algumas fragilidades: ‘Outros estados que aderiram ao tratado muitas vezes ignoram suas diretrizes ou não conseguem coordenar políticas em jurisdições soberanas. Mesmo que tenha sido perfeitamente implementada, a UNCLOS tem agora trinta anos e está cada vez mais desatualizada’.
‘A Assembleia Geral da ONU desempenha um papel no avanço da agenda dos oceanos em nível internacional, mas suas recomendações são fracas e ainda mais limitadas por sua falta de capacidade de execução’.
‘Apesar dos esforços, os oceanos continuam a deteriorar-se e persiste um vácuo de liderança global. Há muito trabalho para modernizar as instituições e convenções existentes para responder eficazmente às ameaças emergentes, bem como para coordenar as ações nacionais dentro e entre as regiões’.
Parêntesis
Apontar os obstáculos não significa desistir, muito menos espalhar pessimismo. Pelo contrário: só quando compreendermos o tamanho do desafio conseguiremos construir soluções reais. A governança sustentável dos oceanos não é utopia, mas uma urgência que exige engajamento global — de governos, empresas, instituições e cidadãos. Quanto mais gente entender o problema, maiores as chances de reverter o rumo. É disso que se trata este post: informar para mobilizar. Porque o tempo corre, o mar adoece — e ainda dá tempo de agir.
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