Oceanos semi-esquecidos pelo Observatório do Clima
O Observatório do Clima, acima de tudo, ‘tido como principal rede da sociedade civil sobre a agenda climática’, lançou (19/5) documento com sugestões para o próximo presidente. Dessa forma, diz, ‘O Observatório lançou o documento com 74 medidas para que o próximo presidente adote nos primeiros dois anos do governo’. E, assim, ‘começar a reverter o legado tóxico de Jair Bolsonaro‘ e, ‘reconstruir a política ambiental do país‘. Post de opinião, Oceanos, semi-esquecidos pelo Observatório do Clima (e otras cositas más).
Documento imenso, repetitivo, difícil de ler
Contudo, o documento é imenso, repetitivo, de leitura complexa, parcial e, sobretudo, político. Deveriam, ao menos, prevenir que se trata de relatório de opinião (política). Mesmo assim, disponibilizamos na íntegra.
E, explicamos: são 94 páginas, divididas entre 21 títulos e subtítulos. Embalado pela polarização o Observatório do Clima menciona apenas um governo ao longo do texto, qual seja, o de Bolsonaro.
Antes de mais nada, seria justo, não fosse exagerado. O governo Bolsonaro é citado, adjetivadamente, 41 vezes; como se antes não tivéssemos problemas ambientais.
Os excluídos, predileção do OC, indígenas, quilombolas, mulheres, ‘comunidades’, e ‘outros povos’, receberam 58 referências. Felizmente, nos pouparam da comunidade LGTB+, a não ser que esteja incluída entre os, enigmáticos, ‘outros povos‘.
A ‘justiça’, entre as quais, a ‘climática’, ganhou cinco citações. Enquanto isso, os oceanos, inclusa a zona costeira o mais importante ecossistema sem o qual não haveria nenhuma floresta tropical, apenas três alusões.
Já, o saneamento básico foi contemplado com quatro.
Os autores
Em seguida ao título, Construindo uma potência ambiental, volume 1, apresenta seus autores (pretendem entregar mais dois volumes até o final de 2022, ‘com a relação completa dos instrumentos a serem revogados‘, para ‘desfazer da herança de destruição socioambiental bolsonarista‘). E segue-se uma lista com 63 ONGs, instituições, e fundações.
Só não teve 64 porque o xerife do quarteirão de meu bairro pegou Covid-19 e estava internado.
Entre as primeiras, WWF Brasil; SOS Mata Atlântica; Greenpeace Brasil; Amigos da Terra—Amazônia Brasileira. E Gambá—Grupo Ambientalista da Bahia, entre tantas.
Já, as instituições, o Instituto ClimaInfo; ICV—Instituto Centro de Vida; Imazon—Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia são as mais destacadas. Afinal, pelas últimas, Fundação Grupo Boticário.
Sobre as 63 ONGs, instituições, e fundações
Mas, é nossa opinião, que o imenso grupo remete ao Conselho do Conama, formado por quase 100 pessoas no passado.
Até que o (des) ministro Ricardo Salles sofre um lapso, em consequência, um acerto de gestão. Aproveitou a obesidade mórbida para um golpe branco: diminuiu para 23 conselheiros.
Óbvio que um conselho com 96 pessoas funciona mal. Não há precedentes de outro deste tamanho.
Entretanto, o golpe branco consistiu que, antes, a sociedade civil tinha maioria. Depois do golpe, o governo passou a tê-la.
Porém, sobre o tamanho do conselho não há declarações no relatório.
Preâmbulo: o Brasil como sexto maior emissor
Eventualmente, para justificar a atenção aos problemas do clima, ocupa sua maior parte, justifica, ‘O Brasil, como sexto maior emissor do planeta, tem grande responsabilidade no corte de gases de efeito estufa‘.
Óbvio.
O índice do documento
Além do sumário, abertura, e introdução, há Política climática e acordos internacionais; Prevenção e controle do desmatamento; Bioeconomia e atividades agrossilvopastoris. E, ainda, Justiça climática; Energia, Biodiversidade e áreas costeiras; a Indústria e gestão urbana. Finalmente, Governança e financiamento da política ambiental nacional.
De fato, oportuna a manifestação. Hoje, a política ambiental é a pior desde a redemocratização. Acima de tudo, destrutiva.
E, passamos ao…
Press release
Nele, diz, ‘o relatório sugere 62 medidas emergenciais para os primeiros cem dias de governo’. Acima de tudo, ‘revogações de decretos da boiada antiambiental bolsonarista‘.
Além disso, ‘a retirada imediata dos mais de 20 mil garimpeiros que invadiram a Terra Indígena Yanomami‘.
E, nele, não há nenhuma uma palavra sobre oceanos. Já, a respeito de saneamento básico sem o qual não há avanços porque diariamente são despejadas 5,3 mil piscinas olímpicas de esgotos nas águas brasileiras, diz, ‘A realidade no campo do saneamento básico expõe desigualdades regionais e injustiças sociais‘.
É verdade. Mas, não há nada sobre o novo marco regulatório, iniciado no período Temer e aprovado neste governo. Não é estranho?
Assim também, há uma ‘birra’ pelo viés ideológico do grupo (o novo marco prevê privatização dos serviços), inclusos ‘ambientalistas‘, em não se pronunciar sobre o indispensável novo marco do saneamento básico. Para se ter ideia, a privatização rendeu aos cofres públicos do Rio de Janeiro, pioneiro, nada menos que R$ 22 bilhões de reais!
Patético, a opinião do Mar Sem Fim
Já dizia um dos titãs do ambientalismo, Paulo Nogueira Neto, ‘um dos mais importantes problemas ambientais é a erradicação da miséria’. O que se ameniza, adiantamos, com a universalização do saneamento.
Mesmo que o Instituto Trata Brasil tenha divulgado os resultados do estudo BENEFÍCIOS ECONÔMICOS E SOCIAIS NO RIO DE JANEIRO, demonstrando a quantidade de empregos gerados para a universalização, ainda assim, o OC se omite.
O documento cita a desigualdade, mas, não a relaciona à falta de saneamento básico para metade da população!
Brasil, primeira grande economia a atingir o estágio de “carbonização reversa”
Por último, acentua o OC, ‘o objetivo é tornar o Brasil a primeira grande economia do mundo a atingir o estágio de carbonização reversa. Ou seja, ‘retirar mais gases de efeito estufa da atmosfera do que emite, tornando-se não neutro, mas negativo em carbono‘.
Mas, novamente, esqueceu-se do principal. Depois de 13 anos o governo acaba de anunciar a regulamentação do mercado de carbono no Brasil, fundamental para atingir os objetivos citados.
À procura da Sustentabilidade
Ainda assim, as coisas andam mal paradas. Não por outro motivo, publicamos Sustentabilidade, a quem de fato interessa?, e destacamos as impressões de um dos líderes da agricultura orgânica, Leontino Balbo, responsável pela produção de 20% do açúcar orgânico comercializado no mundo.
Projetos brasileiros citados pela ONU
Balbo tem projetos citados pela ONU, que incluiu sua empresa Natíve na lista dos 29 negócios mais sustentáveis do planeta.
E, também, pela Fundação Ellen MacArthur que atua para acelerar a transição a uma economia circular. A Ellen MacArthur apontou o projeto de Balbo como o mais bem-sucedido em agricultura regenerativa em larga escala.
Entraves à agricultura orgânica
Entretanto, o empresário levantou entraves à agricultura orgânica no País, entre os quais, ‘grandes marcas nacionais que não se interessam pela produção orgânica’. Além disso, ‘impostos protecionistas do exterior, da Comunidade Europeia.
Finalmente, reclamou da ‘política fiscal que poderia fazer mais pela atividade’. Mas, sobre estes temas, não há menção do Observatório do Clima e a plêiade de parceiros.
Enfim, vamos ao capítulo…
Energia, Biodiversidade e áreas costeiras
Antecipadamente, diz o OC, ‘Frear aquecimento em 1,5°C requer corte de 45% nas emissões em 12 anos’.
Como resultado, ‘A média de aumento do nível do mar, por exemplo, tenderia a ficar 10 cm menor no cenário de 1,5°C (numa projeção até 2100)‘, é outra observação.
Carbono Azul
Adiante, ‘De forma mais ampla, o conceito do Carbono Azul necessita ganhar relevo nas políticas climáticas. E com atenção para o papel dos ecossistemas costeiros e marinhos nos ciclos de carbono e nos processos de mitigação e adaptação‘.
Gestão da atividade pesqueira
Prosseguindo, ‘O próximo governo deve retomar a gestão da atividade pesqueira’. Antecipadamente, ‘com o abandono das estatísticas de desembarque de pescados há mais de uma década não se sabe a dimensão do extrativismo dos estoques pesqueiros‘.
O que não disse o Observatório do Clima sobre a gestão da pesca
Estranhamente, o que não disse o OC, é que as estatísticas foram suspensas no governo Dilma do PT.
Regras relacionadas à pesca
Retomando, ‘Tornando a situação ainda mais complexa, o governo Bolsonaro flexibilizou muitas regras relacionadas à pesca, sem qualquer participação dos órgãos ambientais‘.
O Revizee
Finalmente, ‘O MMA deve voltar a se envolver com essa forma de uso dos recursos naturais’. Desse modo, ‘é relevante retomar um programa nos moldes do Programa de Avaliação do Potencial Sustentável de Recursos Vivos na Zona Econômica Exclusiva‘.
Ufa!, até que enfim uma menção aos oceanos.
Oceanos e a zona costeira
Será possível que esta gente não sabe a importância dos oceanos como o mais importante ecossistema da Terra? Claro que sabem.
Mas, então, por quê só falam em Amazônia e, vez ou outra, Mata Atlântica e Pantanal? Eu mesmo respondo: a única explicação reside no fato de que oceanos não chamam a atenção como a Amazônia, por exemplo. E eles querem, exatamente isso, usar o valor da Amazônia para, no fundo, fazerem proselitismo político.
Reforçar as unidades de conservação
Por certo, o documento frisa a necessidade de ‘reforçar as unidades de conservação nos diferentes biomas criando mais UCs‘; com ‘a necessidade da regularização fundiária,’ e ‘reforçar o contingente de áreas costeiras e marinhas protegidas…’
Fala ainda, na ‘violência (atual) no campo‘. Mas não diz que no governo Lula do PT, por exemplo, o MST foi instigado a invadir fazendas e laboratórios (de entidades do agronegócio), transformando o interior num filme de faroeste.
Enfim, ao levantar a bola ‘violência no campo’, Lula do PT não fez, senão, dar oportunidade ao pervertido do Alvorada de cortá-la, transformando o Brasil em pária internacional.
Que o contestem as lideranças lúcidas, felizmente, a maioria do agronegócio.
Demarcação de terras indígenas sob o título Energia, Biodiversidade e áreas costeiras
Por incrível que pareça, mesmo sob o título Energia, Biodiversidade e áreas costeiras, o relatório incluiu suas obsessões, ‘A remoção de carbono por áreas protegidas vinha crescendo de modo acentuado no país desde os anos 1990, …. em decorrência da expansão do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc) e da demarcação de terras indígenas (?!)
A criação de unidades de conservação federais e a demarcação de terras indígenas cessaram no governo Bolsonaro, e a regularização ambiental rural não foi implantada em larga escala…
Criação de novas áreas protegidas
Por outro lado, se fala na criação de novas áreas protegidas não diz, por exemplo, que dezenas de UCs federais do bioma marinho e terrestre muitas criadas há mais de 20 anos (portanto, antes de Bolsonaro), até hoje não têm Plano de Manejo.
Desde já, para quem não sabe, plano de manejo é essencial, ‘um documento técnico que, a partir dos objetivos definidos no ato de criação de uma Unidade de Conservação (UC), estabelece o zoneamento e as normas que norteiam o seu uso’.
Sem ele nada se faz. Seria como construir escolas com dinheiro público, mas não dotá-las de professores. Em consequência, muitas UCs daquele tempo estão apenas no papel.
Aliás, ambos os presidentes, Lula do PT, e o necrófago que alimenta a alma com mortos, do Alvorada (PL), cansaram-se de fazê-las (construir escolas sem, necessariamente, terem infraestrutura).
E, as unidades de conservação amputadas na falta de Plano de Manejo foram criadas antes de Bolsonaro com omissão dos que assinam o texto. Eles, curiosamente, jamais denunciaram o descalabro que agora apontam, ainda que com dois pesos e duas medidas, mas acertadamente.
Mancada. Dois pesos e duas medidas.
Adiante, o documento pede ‘fortalecimento de acesso aos recursos pesqueiros nas UCs de uso sustentável, e incorporar o conceito do Carbono Azul…Ou seja, mais obviedades.
Mas, estranhamente, não diz que dos cerca de 25% de áreas marinhas protegidas mérito de Michel Temer, ainda assim, atualmente, menos de 2% são de proteção integral as mais efetivas. Onde estava a cabeça dos parceiros que assinaram o texto?
Só isso…
Em síntese, foi só o que falaram sobre à zona costeira e oceanos. Todavia, esta é a primeira etapa. Em seguida, virão mais duas. Me pergunto se é preciso tanto ‘esforço’ e papel para a sugestão de política ambiental menos perniciosa que a atual.
Finalmente, desencantou perceber que citam ‘crimes bárbaros’. A ‘invasão da Terra Indígena Yanomami’ é um deles. Mas, não, outro tão bárbaro quanto. O corte raso do manguezal nordestino para criação de camarão, por exemplo. Do mesmo modo, jamais denunciado por eles.
Assim, aguardamos se haverá sugestão para o replantio de manguezal em áreas degradadas cuja importância é bem conhecida. E, igualmente, para o turismo sustentável no litoral.
Pesquisa realizada em 2018, por cientistas do Brasil e Estados Unidos, verificou que na Amazônia cada hectare de manguezal sequestra uma quantidade de carbono duas vezes maior que a mesma área de floresta tropical, conforme sabe o OC.
Especulação imobiliária
Por último, a ver, ainda, se nos próximos haverá destaque para a destruição da zona costeira pelo flagelo da especulação. Ela é frequentemente comandada por prefeitos, com o silêncio cúmplice de uma associação desmobilizada, a da arquitetura, somada à indiferença e ignorância do mundo intelectual e midiático que, acima de tudo, nós sempre denunciamos sozinhos.
Destruição, em primeiro lugar, fomentada por empresas do setor de turismo; em segundo, o da construção civil e; em terceiro o conluio de parte dos ricos que gostam, acima de tudo, de ‘casas pé na areia‘.
O que mais nos espanta
De antemão, o documento é político e parcial; sob o mesmo ponto de vista, causa estranheza a participação de instituições sérias assinando-o, ou emprestando seu prestígio para as platitudes.
Afinal, ao se prestarem a esse papel contribuem ainda mais para a confusão da opinião pública em relação às questões ambientais e, consequentemente, fomentam a polarização que nos paralisa, ameaça, e divide. Ela foi iniciada por Lula do PT com seu ‘nós contra eles’ durante os 13 anos no governo. E anabolizada, logo em seguida, por Bolsonaro que prega o ‘o bem, contra o mal’.
Assim, salta aos olhos que os protagonistas demonstram muito mais interesse em questões políticas do que nas ambientais.
E ficamos por aqui.
Imagem de abertura: Albatroz nos mares austrais, acervo do MSF.
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