Sustentabilidade, a quem de fato interessa?
Primeiramente, você já ouviu falar de Leontino Balbo Jr.? A princípio, reconheço ignorância. Aos fatos, Leontino é criador da marca Natíve, produtor de 20% do açúcar orgânico do mundo! E afirma, em ótima entrevista à Folha de S. Paulo (16/5/2022), ‘que empresas e governos são verdes apenas na fachada’. Às tantas, depois de explicar aspectos que desconhecia da agricultura orgânica, pergunta, ‘a quem de fato, interessa a sustentabilidade?
A entrevista
Antes de tudo, comecei a ler e não parei. Que bela entrevista! Um empresário lúcido e comprometido com o meio ambiente! Assim, fiquei fascinado. Algumas coisas que fala, este site também já disse, e bastante.
Por exemplo, hoje, não há quem não se diga verde, sustentável, eco… Mas, antecipadamente, muitas empresas e governos, falam por falar. Apenas, o velho e conhecido blábláblá.
Agora, com o enorme conhecimento que tem no agronegócio, Balbo deu uma aula que divido.
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A Folha abre a entrevista, ‘Nos anos de 1980, o agrônomo Leontino Balbo foi chamado de maluco pelos vizinhos quando anunciou que não usaria defensivos químicos ou queimaria a cana na produção da Usina São Francisco, Sertãozinho (SP). Agora, ele e seus negócios são referência global em sustentabilidade’.
Enfim, é fera.
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‘Seus 20 mil hectares de canaviais certificados são responsáveis pela produção de 20% do açúcar orgânico comercializado no mundo. A marca Natíve coleciona certificações e prêmios. A ONU a incluiu na lista dos 29 negócios mais sustentáveis do planeta’.
Objetivos de desenvolvimento sustentável: a Fundação Ellen MacArthur e um projeto de Leontino Balbo
Recentemente, diz a Folha, a Fundação Ellen MacArthur, que atua para acelerar a transição rumo a uma economia circular, apontou o projeto de Balbo como o mais bem-sucedido em agricultura regenerativa em larga escala.
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‘Como a produção não usa químicos, o canavial virou uma espécie de reserva. Desde 2002, a Embrapa monitora a fauna. Foram identificadas 340 espécies de mamíferos, aves, répteis e anfíbios, com 122 consideradas raras como onça-parda, tamanduá-bandeira, lobo-guará, além de 49 ameaçadas de extinção’.
‘Mudanças climáticas não são levadas a sério’
‘Mas, assim também, Balbo se declara preocupado. Avalia que a pressão das mudanças climáticas não é levada a sério. Há muito marketing e pouca ação’.
A gente precisa parar de fingir. O greenwashing [lavagem verde] está institucionalizado, no Brasil e no mundo, dentro de empresas e governos. É decepcionante o comportamento em relação a produtos sustentáveis.
FSP: ‘O mais preocupante, é a resistência generalizada para abandonar o atual modelo agrícola. “Esse modelo deixa a produção e a comida mais caras. Você precisa de recursos cada vez mais sofisticados e onerosos para ter o mesmo resultado.”
Trechos da entrevista
(A partir de agora, em negrito as perguntas, seguidas de respostas).
A sustentabilidade entrou na moda. É mais fácil trabalhar com agricultura orgânica?
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É muito difícil mudar o modelo. Nos últimos 50 anos, a agricultura foi estruturada para atender agendas financeiras corporativas. De fabricantes de equipamentos e fornecedores de insumos, notadamente os que nos causam dependência. Com isso, você repete a compra e garante a continuidade dos negócios. Consequentemente, essa agenda não está aí para atender a necessidade do agricultor, do consumidor, do planeta ou das futuras gerações.
“Mas como funciona esse modelo?”
Na década de 50, um alemão radicado nos Estados Unidos idealizou um tipo de agricultura que foi chamada revolução verde. E preconizava quatro vetores.
Uso de defensivo e fertilizantes químicos. Alto grau de mecanização. Máquinas que ajudam muito. Por fim, melhoramento genético que deu enorme contribuição à produtividade. Não estou falando de manipulação genética. Mas, de pegar uma laranja, cruzar com outra e conseguir uma terceira melhor.
Da mesma forma, também incluiu o uso de produtos químicos customizados. Com um único produto feito em larga escala, a um custo fixo baixo, a empresa atende 500 tipos de culturas. Depois que passa o tempo de payback [retorno do investimento], o custo é marginal. Fica muito acessível como o famoso Roundup, um dessecante, e o Imidan, inseticida.
E então, é fera ou não é? O Mar Sem Fim não vai reproduzir a entrevista. Selecionamos trechos que seguem abaixo. E neste link disponibilizamos a íntegra.
Os adubos que acidificam o solo…
Aí vem o pior. Esses adubos também acidificam o solo. No Centro Oeste usam tanta ureia e cloreto de potássio que o solo precisa de três vezes mais calcário para neutralizar a acidez. No ritmo atual, nossas jazidas de calcário não duram 50 anos. Nossos filhos vão ver o calcário acabar porque usamos o fertilizante errado. Essa agricultura é sustentável?
Empresas como Natíve e Natura
…Empresas como Natíve e Natura têm dificuldade de capturar nos seus negócios o resultado da contribuição que dão para a sociedade ao investirem pesado para serem o mais sustentável possível…
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Enquanto isso, há alguns dias, todo mundo comemorou o início da exploração de um novo poço da Petrobras. Como pode?
Enfim, as ações tinham que cair. Ela está fazendo mal para o mundo. Vai emitir mais gás de efeito estufa. É péssimo, mas, ninguém questiona.
Quem sai perdendo? O consumidor. Além de quem faz direito e as futuras gerações. Porque a conta já chegou. Secas, incêndios, geadas, inundações.
Açúcar orgânico para a indústria nacional
Sabe quanto açúcar orgânico eu vendo para uso industrial no Brasil? Só 4.000 toneladas, 0,066% do total.
Quando a gente oferece o açúcar orgânico para as grandes marcas de alimentos no Brasil, eles pegam uma cruz para se protegerem. Como se vê, grandes marcas não se interessam pelo açúcar orgânico apesar dos atributos de sustentabilidade.
Nem as grandes que agora anunciam alimentos naturais?
Não. O mercado global de açúcar convencional é de 190 milhões de toneladas, enquanto, o de açúcar orgânico de 600 mil toneladas. Representa 0,4% comparado ao açúcar convencional. Se as indústrias tivessem interesse real, já não era para estar, ao menos, em 5%?
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A União Europeia tem sido muito ativa na questão ambiental. Qual a sua avaliação?
Fui convidado para falar em evento do Parlamento Europeu. Era um fórum sobre o futuro da agricultura. Está na internet. Meus colegas de painel, Kofi Annan, e, o professor Allan Savory, autoridade em estudos para reverter a desertificação.
…
Sugeri que avaliassem baixar o imposto de importação para equilibrar o jogo de quem dá esse tipo de contribuição no Brasil. A resposta foi que o tema é muito delicado.
…
Para você ter ideia, hoje, a gente vende uma tonelada de açúcar orgânico para Europa por US$ 660 [cerca de R$ 3.350]. Em contrapartida, paga US$ 540 [R$ 2.740] de imposto para entrar.
Apontam o dedo para o Brasil, ‘vocês estão desmatando, acabando com a floresta’, mas, cobram imposto de importação de açúcar orgânico? Cadê o incentivo, o sinal de boa vontade, quando vão passar do discurso para a ação?
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…
Como assim?
Falei com governadores, prefeitos, ministros. Eles podem usar a política fiscal para penalizar quem degrada e compensar quem preserva. Impostos diferentes. A política fiscal é a arma que os líderes têm para resolver a questão da sustentabilidade de vez. Pergunta se alguém escutou.
Por isso eu questiono, a quem interessa a sustentabilidade?
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Leia a entrevista. É uma aula sobre o Brasil, questões ambientais, dificuldades do comércio exterior ainda protecionista, e a realidade em que vivemos.
Precisamos de mais Leontinos Balbos. Ele é ‘o cara’, D+!
Imagem e abertura: Site natíve.
Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/05/brasil-precisa-parar-de-fingir-que-faz-esg-diz-criador-da-marca-native.shtml.