Linhares – ES reconhece suas ondas como seres vivos
Poucos no Brasil souberam, exceto talvez os moradores de Linhares, no Espírito Santo, cidade nascida às margens do rio Doce. No entanto, a notícia ganhou repercussão global. Descobri o fato por meio do Hakai Magazine, um site ambiental canadense. “A cidade brasileira de Linhares reconheceu legalmente suas ondas como seres vivos, é a primeira vez que uma parte do oceano recebe personalidade jurídica”. O projeto foi aprovado pela Câmara Municipal de Linhares em julho de 2024, em seguida, foi enviado para sanção do prefeito. A abertura da matéria foi certeira: “Ao dar direitos às suas ondas icônicas, uma cidade brasileira está traçando um novo caminho para a proteção marinha”. Fiquei emocionado com a ação, e a repercussão internacional, e torço para que a ministra de Meio Ambiente & equipe, Marina Silva, conheçam esta história e nela se inspirem.
‘O respeito pelo papel cultural e econômico das ondas na comunidade’
O Hakai ouviu Vanessa Hasson, advogada ambiental e diretora executiva da ONG Mapas, que defende o nascente movimento de direitos da natureza. “A nova lei exige que a cidade proteja a forma física do rio, os ciclos ecológicos que tornam as ondas únicas e a composição química finamente equilibrada da água através de políticas públicas e financiamento. Também codifica o respeito pelo papel cultural e econômico das ondas na comunidade”.
Linhares também nomeou guardiões para vigiar as ondas e atuar como seus representantes na tomada de decisões públicas, diz o Hakai. As autoridades da cidade selecionaram Hauley Silva Valim, surfista e cofundador da ‘Doce River Alliance’, e outros dois com relações especiais com as ondas: um representante da comunidade indígena e um membro do comitê de meio ambiente do conselho da cidade.
Procurando uma matéria ‘made in Brazil’
Depois de esbarrar com esta novidade bem-vinda, pesquisei para encontrar uma matéria ‘made in Brazil’ que encontrei em A Gazeta. A jornalista Mariana Lopes informa que o projeto de lei, de autoria do vereador Professor Antônio César (União), concede os direitos particulares das ondas da foz do Rio Doce. ‘Esse reconhecimento tornam as ondas especialmente protegidas, competindo ao Poder Público e à coletividade respeitar, proteger e conservar a integridade e a identidade da onda, além dos elementos que a tornam única’.
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A jornalista Mariana Lopes ouviu o teólogo e surfista Hauley Valim, morador de Regência. Para ele “a onda de Regência quebrando não é só água, movimento e força física. A onda de Regência quebrando tem a ver com um grande ser, uma entidade, que é o Rio Doce. Reconhecer o direito da onda de Regência a continuar quebrando perfeita, é reconhecer a necessidade de cuidar de todos os fatores que a compõem. Cuidar da onda da boca do Rio Doce é cuidar do próprio Rio Doce”.
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‘Garantir que esse importante elemento do ciclo ecológico’
“Conceder às ondas da foz do Rio Doce especial proteção significa garantir que esse importante elemento do ciclo ecológico seja preservado e conservado em toda sua amplitude, desde os corpos d’água que a compõem até aos espaços de interesse cultural, ambiental e turístico aos quais fazem parte, e a partir delas existem”, finalizou.
A lei tem como base os Direitos da Natureza, modalidade jurídica reconhecida pela ONU e mobilizada no Brasil, principalmente pelo @direitosdanatureza. Em sua página no Instagram, Hauley justificou: “A Lei reconhece o direito da onda de continuar quebrando perfeita na foz do Rio Doce, já que ela ficou adormecida por quase oito anos desde o rompimento da barragem que a impactou”.
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Ondas longas e tubulares
O Hakai Magazine define as ondas protegidas como ‘longas e tubulares’ – desigualdades procuradas pelos surfistas – e famosas em todo o mundo.
Valim contou ao Hakai que o rompimento da barragem de Mariana, que matou 19 pessoas e devastou a região, também prejudicou as ondas na foz do rio Doce. A barragem continha resíduos de uma mina de minério de ferro próxima à cidade de Mariana, MG. Quando colapsou, lançou uma enxurrada de lama e rejeitos de mineração pelo rio Doce, acumulando-se ao longo do tempo, deslocando o curso do rio, reduzindo sua força e enfraquecendo as ondas na foz. As ondas só voltaram após uma grande inundação em 2022.
A tragédia, de responsabilidade exclusiva da Vale, não matou apenas 19 pessoas e deixou outras milhares desabrigadas, a empresa também matou o rio Doce.
O reconhecimento do mundo natural
Segundo o Hakai, governos ao redor do mundo reconhecem cada vez mais o direito intrínseco da natureza de existir e defendem esse direito nos tribunais.
Nos últimos dez anos, outras nações seguiram esse exemplo: Bangladesh concedeu personalidade jurídica ao rio Turg, enquanto a Nova Zelândia estendeu proteção a uma floresta, um rio e um vulcão extinto. Recentemente, a lagoa de sal Mar Menor, na Espanha, se tornou o primeiro ecossistema europeu a receber direitos legais.
Parabéns a todos os envolvidos
O Mar Sem Fim parabeniza os envolvidos: Hauley Valim e Vanessa Hasson, que iniciaram essa discussão; o vereador Professor Antônio César (União) e os membros da Câmara Municipal que aprovaram o projeto; além do prefeito de Linhares, Bruno Margotto Marianelli.
Este site se compromete a divulgar essa iniciativa para que sirva de exemplo no ‘País com a maior biodiversidade do mundo’, ao mesmo tempo em que lança um alerta para companhias irresponsáveis, como foi o caso da Vale. A empresa protagonizou duas tragédias que não apenas expuseram o Brasil negativamente ao mundo, mas também resultaram em centenas de mortes, na destruição de várias cidades e em milhares de desabrigados, cujos sonhos foram brutalmente interrompidos.
Não podemos esquecer o 25 de janeiro de 2019, data do maior desastre envolvendo mineradoras no mundo: Brumadinho. Nunca antes se registraram 270 mortes em um único acidente, além da morte do rio Paraopeba e a destruição de uma cidade inteira. Tanto essa tragédia quanto a de Mariana, permanecem sem solução. As milhares de vítimas continuam lutando na justiça para terem seus direitos reparados. Nove anos depois do desastre de Mariana, ainda não há responsáveis oficialmente punidos.
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