Ilhabela se consagra na avistagem de baleias
Em julho tive o privilégio de passar um dia na lancha Ballerina, de Júlio Cardoso, num programa de avistagem de baleias em Ilhabela. Naquele dia deixamos o Iate Clube e rumamos para a Ponta da Sela (lado sul). Júlio já está acostumado, afinal foi ele que começou as marcações de cetáceos que acabaram por consagrar Ilhabela como novo local para a prática que mais cresce no mundo, o turismo de avistagem. Até 2015 ainda era raro observar uma jubarte por ali. Elas normalmente seguiam da Antártica direto para o sul da Bahia, Abrolhos, onde passavam o inverno. Porém, de uma hora para outra, passaram a investigar os arredores de Ilhabela. A migração acontece desde tempos imemoriais. Não à toa, a ilha tem a ‘praia da Armação’ (local onde processavam os mamíferos), e a ‘Ponta do Borrifo’, o nome já indica o motivo. Com isso fica claro que no passado a caça às baleias acontecia também na ilha.
A migração das baleias
Em todo o hemisfério Sul é assim. Ao se aproximar o inverno, ali por maio, começam as migrações. O inverno na Antártica é inóspito até para elas. Assim, sobem os litorais da África, Oceania, e América do Sul à procura de águas quentes. Escolhido o ponto, geram seus filhotes depois de uma gestação de 11 meses. Se nascessem na Antártica morreriam de frio já que quando são bebês não têm a capa de gordura que assegura sua sobrevivência em águas geladas.
Desse modo, há anos as baleias francas fazem o mesmo percurso, parando ao largo de Santa Catarina. Enquanto isso, as jubartes subiam até Abrolhos. Mas, desde 2016, provavelmente devido ao crescimento das populações que foram quase extintas pela caça, quando o óleo extraído alimentava as máquinas de uma sociedade ainda pouco industrializada, as jubartes voltaram a rondar também a região de Ilhabela.
Caça às baleias
A história da caça à baleia reflete uma sociedade que sempre usou os recursos naturais até que ficassem raros. Então mudavam para outro, e o ciclo insustentável se repetia. Foi assim que acabou a madeira, o primeiro combustível humano, no Crescente Fértil; e diminuiu drasticamente na Europa e em toda Bacia do Mediterrâneo. Muito tempo depois, no final do século 19, começava a caça à baleia em escala mundial. Os animais, mortos desde os primórdios da humanidade, ainda pelos inuits, depois pelos vikings, em seguida por europeus e americanos em geral, não aguentaram muito tempo.’
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Declínio do berçário da baleia-franca e alerta aos atuais locais de avistagemMunicípio de São Sebastião e o crescimento desordenadoFrota de pesca de atum gera escândalo e derruba economia de MoçambiqueRuanda, líder global na redução da poluição plásticaAssim, em seguida a humanidade passou a usar outro recurso natural como combustível: o petróleo. Mais uma vez, um uso insustentável. Deu no que o secretário-geral da Onu diz ser ‘a era da ebulição global’.
Em 1986 foi decretada uma moratória. Os maiores animais do planeta estavam à beira da extinção, assim como os pinípedes também massacrados em razão da gordura e do óleo. O Brasil, presidido por José Sarney, aderiu à moratória, assim como a quase totalidade dos países do mundo. Hoje, apenas o Japão, a Noruega, a Dinamarca e a Islândia ainda caçam baleias.
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A beleza da conservação marinha
A beleza da conservação marinha então, algumas décadas depois, mostrou a sua cara. Apesar da brutal poluição, da pandemia de plástico, da acidificação da água dos oceanos, e de seu aquecimento, as populações da maioria das espécies de baleias se regeneraram. Poucas, como a baleia-azul, não conseguiram um aumento populacional que garanta a sua sobrevivência.
Este, provavelmente, é o motivo pelo qual hoje se pode praticar a avistagem de baleias também na costa paulista, carioca e capixaba, além da baiana. Esta é a beleza da conservação. Com muito pouco é possível salvar uma espécie tão importante e única como as baleias. É só não atrapalharmos demais que a natureza faz sua parte: ela ainda é capaz de se regenerar. Até quando, contudo, ninguém sabe.
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Júlio Cardoso, e a bióloga e fotógrafa de natureza Arlaine Francisco, criaram o Projeto Baleia à Vista, passaram a fotografar e arquivar as imagens dos animais, criando um banco de dados como se faz em toda a parte do mundo. As caudas das jubartes são como nossa impressão digital, identificando sem erro cada indivíduo. Aos poucos, estes bancos de dados são compartilhados com outros, possibilitando que pesquisadores aprendam mais sobre os mamíferos marinhos, suas rotas de migração, costumes, etc.
Assim, Júlio contribuiu não só para a conservação como para a educação ambiental, e até mesmo para a publicação de artigos científicos que utilizam seu banco de dados. Em outras palavras, juntou o prazer de navegar com a ciência cidadã. Este trabalho mereceu atenção da mídia internacional. A Reuters, por exemplo, acaba de publicar a matéria Brazilian citizen scientists see humpbacks return decades after mass killings (Cientistas cidadãos brasileiros veem jubartes retornarem décadas após mortandade em massa).
‘Aumento dramático no número de baleias na costa de Ilhabela’
A Reuters destaca a opinião de JoséTruda Pallazo Jr.: ‘Houve um aumento dramático no número de baleias na costa de Ilhabela nos últimos anos. Muitas agora retornam aos seus locais de reprodução originais ao longo da costa brasileira, onde costumavam ser mortas em massa.’
E, de maneira idêntica, explica algumas das táticas de Júlio Cardoso: “É um grupo de pessoas, voluntários. Trabalhamos a bordo e em diferentes barcos e temos pessoas olhando de terra, então temos informações muito boas sobre a presença de baleias jubarte aqui”, disse Cardoso, um aposentado que montou o projeto de observação de baleias, conhecido como Baleia a Vista, em 2015.
Como a Reuters é uma grande agência internacional, a esta altura a matéria já foi replicada em centenas de veículos e sites entre eles a Deutsche Welle; e um sem-número de outros.
Projeto Baleia Jubarte
Ao mesmo tempo, Júlio acionou o pessoal do Projeto Baleia Jubarte que ajudou a montagem da estrutura, na capacitação das empresas e pescadores que passaram a levar turistas, etc. Em pouquíssimo tempo Ilhabela ganhou mais um atrativo, e mais uma fonte de renda.
Agora, em 2023, até o dia 23 de julho cerca de 527 baleias foram avistadas, contra apenas 120 em 2022, e 155 em 2021. Ou seja, a consagração de Ilhabela na prática do turismo de avistagem que já começa a render empregos e renda, movimentando a economia ao mesmo tempo em que conquista mais adeptos para a conservação marinha. Ao logo do dia avistamos 16 animais. E contamos 23 embarcações levando turistas ao mágico encontro. Alguns deles, ex-pescadores que já conseguem fazer mais dinheiro com a atividade que com a combalida pesca.
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Para o leigo ter uma ideia do potencial da atividade, conheça os números de 2009, segundo o wwhandbook.iwc.int: “O turismo de observação de baleias está crescendo rapidamente em todo o mundo, gerando mais de 2 bilhões de dólares americanos e gerando empregos para mais de 13.000 pessoas em 2009.”
Incluir Ilhabela neste rol merece comemoração. Uma dupla comemoração em uma época sombria quando, pelo mau uso dos recursos naturais, a biodiversidade mundial enfrenta um declínio sem precedentes.
Assista ao vídeo da Deutsche Welle sobre o retorno das Jubartes à Ilhabela
Assista a este vídeo no YouTube