Ilha Comprida, prefeitura cancela prédios de 7 andares

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Ilha Comprida, prefeitura cancela prédios de 7 andares

Já escrevemos neste espaço sobre a especulação em Ilha Comprida, comandada pelo prefeito Geraldino Junior (PSDB), e os riscos que corre o Lagamar Iguape-Cananéia-Paranaguá, o mais importante berçário de vida marinha do Atlântico Sul, da qual ela também faz parte. Ilha Comprida, com 70 Km de comprimento por 3 de largura, age como uma antepara. Uma barreira constituída por estreita restinga, separada do continente pelo canal do Mar Pequeno, pelo Valo Grande, e pela foz do Ribeira de Iguape, no município de Iguape. Mas uma lei, aparentemente feita sob medida para um empresário, previa a construção de prédios com até 30 metros de altura e sete andares no local. Em nossa opinião, pura especulação imobiliária. A repercussão foi imediata, levantou a lebre, e deu resultados: Ilha Comprida, prefeitura cancela prédios de 7 andares.

mapa de Ilha Comprida, sul de São Paulo

Ilha Comprida

Até 1992 ela fazia parte de Iguape. Mas a ‘farra do boi’ da criação de municípios, depois da Constituição de 1988, fez com que os caciques políticos locais decidissem pela criação de mais um município. Mais uma Câmara de Vereadores, um prefeito e toda sua equipe, mais gastos públicos, enfim, desnecessários e insustentáveis.

Ilha Comprida não tem território, tampouco população suficiente, para ser um município autônomo. Sua economia é incipiente. Quem paga a conta mais uma vez somos todos nós.

E, desde a criação do município, quem perdeu mais foram os moradores da região. Uma vez autônomo, começou o processo da especulação que já deixou cicatrizes. Até que, mais recentemente, surgiu o absurdo de promoverem a ‘verticalização’ de Ilha Comprida.

Para um município com apenas 192,09 km², e uma população estimada pelo IBGE em 10.965 habitantes em 2018, não faz o menor sentido a construção de prédios, a não ser para os bolsos dos envolvidos: o empresário Chico Silvestre que ali pretendia erguer o empreendimento Ecco Ilha, e o prefeito Geraldino Júnior (PSDB), e seus amigos.

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Tudo errado desde o início

Em março de 2021 o vereador  Rogério Revitti denunciou ao Mar Sem Fim a criação de uma lei em 2019, durante a primeira gestão de Geraldino Junior (PSDB),  Lei Municipal nº 1.625, de setembro de 2019, que foi aprovada sem consulta pública. A lei entrou em vigor em 2020 e previa os prédios de até 30 metros de altura.

ilustração do empreendimento Ecco Ilha, em ilha comprida
O empreendimento Ecco Ilha, contemplado com um projeto de Lei feito sob encomenda.

Este site se mobilizou e entrou em contato com o biólogo, morador da Vila das Pedrinhas, Roberto Nicacio. Roberto enviou questionamentos, através da Ouvidoria, à prefeitura relembrando as irregularidades que permitiram o início da verticalização no Município. E lembrou que mudanças estruturais como esta implicam, necessariamente, em construção prévia com especialistas, cuidados com as características do território e consultas à população via audiências públicas, conforme prevê a legislação obrigatória.

No ofício, Roberto Nicacio pede que a lei seja revogada em razão dos erros de origem. Ao mesmo tempo o vereador  Rogério Revitti (Cidadania) entrou com um  projeto de lei (PL), que prevê a revogação das leis 1.625/19 e 1.674/20, de autoria do prefeito Geraldino Junior (PSDB).

CETESB licenciou empreendimento

Apesar do flagrante erro de origem da Lei Municipal nº 1.625/19, a CETESB emitiu parecer favorável ao empreendimento, dentro do rito Grapohab.
Vale destacar que, como já citado, o empreendimento está localizado em um Mosaico de Unidades de Conservação, e dentro da APA Ilha Comprida. Por estar dentro de uma Area de proteção Ambiental, o Decreto Estadual 48.149/03 Art 4 Inc V exige consulta ao Conselho da APA Ilha Comprida, o que também não ocorreu.

Outro gravíssimo erro não observado no processo de licenciamento foram as espécies de aves ameaçadas de extinção com comprovada ocorrência na área do empreendimento, espécies que constam na lista Nacional de espécies ameaçadas e Estadual, que lhes garantem proteção através do Decreto Estadual 63.853/2018 e condição no rito de licenciamento, não opção! A Cetesb ignorou as espécies e o diploma legal em seu parecer, sendo esse condição. O Art 5 deste Decreto diz:

Artigo 5º – No âmbito do licenciamento ambiental que envolve supressão de vegetação nativa de empreendimentos ou atividades sujeitas ou não à avaliação de impacto ambiental, deverão ser identificados os ambientes a serem impactados na área de influência direta ou de interferência do empreendimento, os quais servem de abrigo, alimento, nidificação ou sítio reprodutivo, rota e local para descanso das espécies ameaçadas de extinção, constantes do Anexo I deste decreto, visando subsidiar ações de mitigação de modo a evitar a extinção de sua população local.

Não houve consulta à Fundação Florestal para a construção dos prédios, mas para uma fábrica de concreto usinado.

Não houve consulta à Fundação Florestal, tampouco ao Conselho da APA Ilha Comprida para a construção dos prédios. Por sua vez, a Fundação Florestal, embora não provocada formalmente, tem plena ciência do que ocorre, sendo alertada desde março de 2021. O caso ganhou notoriedade e foi aberto um Inquérito Civil pela Promotoria de Justiça de Iguape.

Omissão da Fundação Florestal

Vale destacar que a Fundação Florestal foi omissa durante o licenciamento dos prédios, impedindo que o Conselho Consultivo da APA pudesse se manifestar.

Mas a FF teve oportunidade de se manifestar na ocasião do licenciamento do empreendimento da fábrica de concreto usinado, quando a  Cetesb o provocou. Nesse momento, quando poderiam pesar questões geológicas relevantes e seus potenciais impactos, apontadas por especialistas como a Dra. Célia Regina do Instituto Geológico; ouvir o Conselho da APA e, principalmente, considerar o Decreto Estadual 63.853/2018 por conta das espécies ameaçadas de extinção, não o fez!

Em sua Informação Técnica APAIC 085/2021 coloca-se favorável à instalação de uma fábrica de concreto usinado para atender especificamente o empreendimento Ecco Ilha Residencial Clube. A FF despreza em sua Informação Técnica os riscos e potenciais impactos, e despreza legislação que condiciona esse cuidado antes de qualquer aprovação; despreza igualmente o Conselho da APA, dando consentimento explícito para construção dos prédios através desta.

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Tanto é que, em sua defesa no Inquérito Civil e recentemente na Ação Civil Pública, a Prefeitura de Ilha Comprida cita a Informação Técnica APAIC 085/2021 evidenciando que a Fundação Florestal se manifestou, SIM, estabelecendo relação direta entre a Fábrica e os Prédios!

Enquanto isso, Roberto Nicacio acompanhou o processo, tendo encaminhado inúmeras manifestações, a última no dia 11 de Janeiro de 2022.
Nicacio enfatiza que ‘Embora os prefeitos tenham poder constituído para planejar e ordenar o desenvolvimento urbano dos Municípios, não podem fazê-lo de qualquer forma, desprezando instrumentos legais obrigatórios, como ocorre no caso em tela, sob pena de prejuízos coletivos, em detrimento a interesses pessoais e/ou de pequenos grupos’.

Fundação Florestal, useira e vezeira em sua ‘missão’

A FF é useira e vezeira em sua ‘missão’ de omissão no litoral.  Ilha Comprida não é exceção. Foi assim no caso escandaloso da destruição porque passava a Ilha das Couves, litoral de Ubatuba, quando era destruída por hordas de turistas.

Ao denunciarmos, o diligente diretor Rodrigo Levkovicz insistiu que a responsabilidade não seria dele apesar da ilha fazer arte da APA Litoral Norte, gerida pela FF: “A Ilha das Couves é um patrimônio da União e por ela é administrada. A Fundação Florestal é gestora da APA Marinha do Litoral Norte. A administração da visitação pública está, portanto, sob gestão da União.”

Foram anos de corpo mole até que, cinco anos depois, a própria FF desmentiu o que dissera seu diretor e finalmente tomou as providências que insistia em não ser de sua responsabilidade. O turismo finalmente foi ordenado na Ilha das Couves pela própria Fundação Florestal.

O mesmo acontece no município de Ubatuba, igualmente dentro da APA Litoral Norte, onde a prefeitura destrói o que resta do manguezal, ‘protegido’ pela legislação ambiental, para o crescimento do bairro do Rio Escuro. E a FF continua dormindo em berço esplêndido.

O mesmo se passa na APA Ilha Comprida, criada em 1987, e até hoje sem Plano Diretor documento fundamental que determina o que pode, e o que não pode ser feito na unidade. Criar uma unidade de conservação, e demorar mais de 35 anos para começar um Plano Diretor apenas confirma o que este site vem dizendo há décadas: o litoral está ao deus-dará.

Consema

Para piorar uma situação já crítica, muito em razão do despreparo de grande parte dos prefeitos de municípios costeiros, o  CONSEMA, Conselho Estadual do Meio Ambiente, subordinado à Secretaria de Estado do Meio Ambiente-SMA, prepara uma ação que pode determinar o fim do que resta de saudável do litoral paulista.

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Em breve TODOS os municípios do Estado poderão realizar o licenciamento ambiental de obras que possam trazer impactos ao meio ambiente, mesmo os menores sem a infraestrutura necessária, através de ‘consórcios’ entre os vários municípios de igual porte.

Será a gota d’água que falta para o litoral paulista se consagrar num parque de diversão para os especuladores de plantão. Triste fim…

Falta Plano Diretor em Ilha Comprida

Nicacio explica que, como as estâncias turísticas, e ainda por ser uma área de ‘alto risco geológico’, o Município tem por obrigação elaborar seu Plano Diretor para planejar seu desenvolvimento urbano, mesmo não tendo 20 mil habitantes, incorrendo em improbidade administrativa ao não fazê-lo ( Estatuto das Cidades – Lei 10.257/2001 ) apesar disto, o prefeito Geraldino Junior (PSDB) até hoje não se pronunciou sobre esta omissão.

Nos autos do Inquérito Civil, a Promotoria solicita que a obra não tenha início sem a manifestação da Fundação Florestal e do Conselho Consultivo da APA Ilha Comprida, tendo como base o Decreto Estadual 48.149/03 em seu Art 4 Inc V.

Prédios para veranistas ou ‘Unidades Unifamiliares’?

Na realidade são prédios de segunda residência para veranistas mas a prefeitura os chamava de ‘Unidades Unifamiliares’.   Nicacio frisa em entrevista a este site:  ‘O licenciamento dos prédios não teve manifestação da Fundação Florestal nem do conselho da APA Ilha Comprida, da qual é Conselheiro. ‘Faz mais de um ano que reclamo’. E isto é uma obrigação legal’.

Até hoje a Fundação Florestal se omite, alegando sempre que não teria esta obrigação. Mas, de fato, tem. Por ser uma unidade de conservação, da qual ela é a gestora, teria sim que se manifestar, e permitir que seu Conselho o fizesse. Quando teve oportunidade para corrigir este erro, Informação Técnica 085/2021, manifestou-se favoravelmente, mas impediu que o Conselho se manifestasse. (Questionamento encaminhado ao GAEMA -VR) que apura através de Representação.

Ilha Comprida, prefeitura cancela prédios de 7 andares

Este é mais um dos casos emblemáticos do litoral e que vale uma boa luta. O imbróglio continua mas, em fevereiro de 2022, ‘o prefeito de Ilha Comprida, Geraldino Junior (PSDB), emitiu uma certidão que trata do cancelamento das obras dos chamados ‘prédios de 7 andares’, diz o jornal Diário do Ribeira.

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De qualquer forma, a tutela antecipada ( liminar ) foi concedida, seguindo a discussão nos autos da Ação Civil Pública que abordará o Mérito, quando pode imputar responsabilidade a todos os envolvidos, é o que espera a sociedade.

Ministério Público de São Paulo entra com Ação Civil Pública pedindo a paralisação do empreendimento

Ainda segundo o jornal, ‘o Ministério Público de São Paulo entrou com uma Ação Civil Pública pedindo a paralisação do empreendimento denominado Ecco Ilha Residencial Clube, que previa a construção de 11 prédios, todos com 07 andares e 264 unidades habitacionais no total, a ser implantado no Balneário Xandú, Boqueirão Norte, inserida em uma Área de Proteção Ambiental’.

‘De acordo com trechos do documento emitido pelo MP, os trâmites de lei ocorreram de forma ‘atropelada’, sem participação efetiva da comunidade, sem respeito às normas ambientais e sem consonância com a Constituição do Estado de São Paulo’.

Isto confirma o que vem dizendo Roberto Nicacio, desde o início da polêmica, e desmente o que tem dito a Fundação Florestal. O Diário do Ribeira, confirma:

‘O Ministério Público pediu, em caráter liminar,  a anulação imediata do parecer emitido pela CETESB autorizando o empreendimento, e ainda a inconstitucionalidade das leis que embasam a construção dos prédios, além da condenação do município e da empresa responsável pelo empreendimento, a Ilha Comprida Empreendimentos Imobiliários, a recuperar os danos ambientais eventualmente causados’.

Que sirva de lição a outros municípios costeiros, e também aos ambientalistas e sociedade em geral: vale a pena brigar pelo que se considera certo.

O Mar Sem Fim vai continuar a acompanhar o desenrolar do caso. Tão logo tenhamos novas informações, voltaremos ao tema.

Imagem de abertura: Acervo MSF

Fonte: https://diariodoribeira.com.br/2022/02/10/prefeitura-de-ilha-comprida-cancela-alvara-de-construcao-dos-predios-de-7-andares/?fbclid=IwAR1h9j_y0q3lekIOYgj-5Xw8_jLrMGl3Vf3yA7SRRkZW1jVQ8E1r3kSKb-Y.

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Comentários

10 COMENTÁRIOS

  1. Basta a prefeitos e qualquer autoridade que sob o manto da impunidade tentam agir ao largo da lei de do bom senso. Basta o que já fizeram em quase todo.o litoral paulista e em boa parte do Brasil. Que as entidades ambientais publicas sejam moralizadas e delas erradicados todos aqueles que vencerem, licenciam, permitem ou autorizam empreendimentos descabidos como esse.

  2. Parabéns por esta vitória! A luta continua! O Lagamar deve ser preservado e o desenvolvimento econômico e social deve ser feito a favor da preservação.

  3. Notícias boas assim são raras no atual momento. Parabéns a todos os envolvidos nesta conquista. O litoral brasileiro chora com tantas interferências em sua natureza exuberante.

  4. Que tal todos órgãos envolvidos garantir também os reparos nos outros lugares que tem suas áreas de proteção invadidas e a especulação imobiliária, desrespeitando as leis e a população locais. Prefeitos que não cumprem o seu papel de desenvolver a cidade dentro da lei e da ordem.

  5. Ontem, dia 25/02, a prefeitura fez uma audiência pública, que tudo indica, com cartas marcadas, com torcida, com plaquinhas e o prefeito como animador da plateia.
    Estão achando que essa aberração é válida para legalização desse “empreendimento” criminoso.
    Vale uma grande investigação, pra apurar os interesses por traz disso.

  6. Prefeitura de ilha comprida não aprova construção no balneário mar limpo devido o terreno estar na área de app, mas, cobrar a um iptu absurdo dos proprietários, e uma vergonha!!!

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