Parque Nacional de Fernando de Noronha, monumento à burrice tupiniquim
Pesado o título? Pode ser. Motivo? Chamar a sua atenção (ou seja, do leigo em questões ambientais). Por quê? Porque cansei da qualificação ‘paraíso’, disseminada pelo setor do turismo e ‘ambientalistas’, ou seja, aqueles que culpam todos menos eles. Do ponto de vista da conservação, Fernando de Noronha é um monumento à burrice tupiniquim. Mas de uma beleza fora de série. Espetacular é pouco para definir os contornos, as praias, e o mar azul e transparente ao redor.
Falta de competência dos responsáveis
Contudo, é uma tristeza o que as autoridades fizeram no passado, e continuam a fazer no presente. Tinha tudo para ser referência mundial. Mas ‘tinha uma pedra no caminho’. Você pode ir para este pedaço de éden para ‘desestressar’ da vida nos grandes centros e adorar a experiência. É um destino de sonhos. Mas, sobre o olhar crítico da conservação, que ‘ambientalistas’ evitam mas é a nossa obrigação, não sobra pedra sobre pedra. E você precisa saber. Aos fatos.
Um pouco de História
A princípio, foi chamada ilha da Quaresma, depois São Lourenço, até que finalmente foi rebatizada com o nome de seu dono (Fernão de Loronha). Um cristão novo que em 1502 arrendou toda a terra a que chamamos Brasil. Porém, no período da dominação holandesa (1630-1654), o arquipélago foi novamente arrendado a Michel de Pavw e ganhou novo nome: Pavônia (depois dos holandeses, ela foi ocupada por franceses mas por pouco tempo, 1736-1737).
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Este rico passado histórico ainda pode ser admirado na forma de construções coloniais que sobraram na Vila dos Remédios, e inúmeras ruínas de fortes e fortalezas dos séculos 18 e 19 erguidos ao longo do tempo, ou ainda os galpões construídos pelos norte-americanos durante a Segunda Guerra. Este conjunto, embora maltratado pelo IPHAN, empresta um sabor ainda mais especial à visita.
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De Esmeralda do Atlântico à ‘ilha pelada’
Fernando de Noronha, que agora é quase “pelada”, tinha até o século 19 uma pujante floresta (Mata Atlântica insular) e o único manguezal oceânico do Atlântico Sul, que ainda se mantém. Nos relatos de Vespúcio foi descrita como “um boníssimo porto”, com “numerosas árvores infinitas” e água doce.
Do mesmo modo, ao descrevê-la no século 19 Charles Darwin, que esteve aqui com o Beagle na viagem que começou em 1832 e durou até 1836, disse: “passei um dia delicioso, caminhando pelas florestas”. FitzRoy, o comandante do Beagle arrematou informando “a lenha catada na ilha pela tripulação estava cheia de centopeias e outros insetos nocivos”.
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Outro grande problema deste período foi a introdução de espécies exóticas, ou seja, espécies que as ilhas jamais tiveram, entre elas bodes e cabras, ratos, gatos, cachorros e, mais tarde nos anos 50, rebanhos bovinos e equinos, e o mais danoso de todos o teiú, maior lagarto do Brasil.
A pá de cal no século 20
Já no século 20, quando se transformou em presídio político, um dos chefes não queria bosques onde os presos pudessem se esconder, ou sonhar com jangadas para darem o fora. Assim, mandou derrubar todas as árvores que sobravam.
Foi-se, para sempre, a floresta. Sobraram poucos exemplares, e uma espécie de capim, na verdade uma praga que praticamente cobriu a ilha toda, entretanto, sobre isso os ‘ambientalistas’ não falam.
Desse modo, quando chove forte o desbarrancamento é inevitável. A lama que despenca morro abaixo ameaça cobrir os recifes de coral que ficam à beira-mar, e pode matá-los por asfixia.
Criação do Parque Nacional Marinho em 1988
A mesma erosão se vê nas trilhas abertas desde que tornou-se parque nacional em 1988 (o Parque abrange 70% da ilha principal e todas as outras 21 ilhas secundárias), o que demonstra que não aprendemos com os erros do passado.
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Outra dificuldade vem do fato do arquipélago pertencer a Pernambuco. Assim, as questões relacionadas aos moradores da Vila dos Remédios têm administração do Estado, enquanto o parque nacional é administrado pela esfera Federal, na figura do ICMBio. E ambos são um desastre.
Seja como for, é a partir da criação da unidade de conservação federal que passamos a chamá-la…
‘Monumento à burrice tupiniquim’
As bobagens praticadas antes de 1988 ainda têm a desculpa da falta da informação hoje disponível. Mas, as atuais, não mais. Agora, quem visita Noronha conhece as trilhas de terra batida usadas pelos turistas. No período chuvoso, são o escorregador de turistas e da lama.
Foram abertas a partir da inauguração do parque. Há dezenas de formas de fazer os turistas conhecerem seus encantos sem, entretanto, estragá-lo mais ainda.
Desde que visitei Noronha pela primeira vez em 1986, a paisagem arbórea continua praticamente a mesma, apesar de alguns inícios de reflorestamento por parte do ICMBio que toma conta da ‘área protegida’ que, porém, jamais frutificou como poderia e deveria.
Desse 1953 fala-se em reflorestamento, fala-se…
Desde pelo menos 1956, ficamos sabendo por um relatório do governador à época major Abelardo de Alvarenga Mafra, que já sugeria o ‘urgente’ reflorestamento ‘Com a colaboração do Professor Dárdano de Andrade Lima, da Universidade Rural de Pernambuco, organizado, em Julho de 1953.’
Não adiantou. Do mesmo modo, nenhum trabalho sério e constante foi feito para erradicar as espécies invasivas, e ou exóticas, sejam vegetais ou animais. Atualmente é mais que sabida a importância das ilhas para a biodiversidade mundial pelo seu endemismo.
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E, naquelas protegidas sem aspas, há trabalhos magníficos mostrando que com vontade e muito trabalho é possível erradicar a maioria.
Contudo, no parque nacional algumas espécies invasivas das mais perigosas como o o teiú são consideradas pelo ICMBio oficialmente ‘espécie nativa e protegida’.
Enquanto isso, o site do ICMBio sobre Fernando de Noronha informa que há ‘monitorando da flora nativa e exótica’. Da mesma forma, haveria um ‘projeto de manejo sobre o controle de gatos, teiús, e desratização’. Apenas esta informação, nada mais.
O paradoxo do Teiú
Para o leitor se dar conta da burrice, basta saber que o lagarto foi introduzido nos anos 50 numa tentativa desastrada de erradicar a imensa população de ratos.
O analista ambiental Carlos Roberto Abrahão, em estudo de doutorado realizado na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP (2019), estima a população entre 7 e 12 mil lagartos adultos na ilha principal!
Ovos de tartarugas-marinhas e da avifauna
E todos sabem os prejuízos por eles causados, entre outros, comer ovos de tartarugas-marinhas que desovam na ilha, ou da avifauna. Segundo o estudo de Abrahão, ‘na ilha principal os atobás não fazem mais ninhos no solo.’
Resta uma colônia que ainda resiste, com apenas uns 10 a 20 mil indivíduos, diz o pesquisador que recomendou o controle da espécie. Em vão.
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O teiú ainda é predador de espécies como a tartaruga-verde, o lagarto-de-Noronha (endêmico), e o caranguejo-amarelo (endêmico), ou o anfisbena-de-noronha (espécie de cobra-cega que, acredita-se, veio flutuando desde a foz do rio Amazonas há cerca de 12 milhões de anos, segundo artigo publicado na revista Molecular Phylogenetics and Evolution.
Cerca de 1.300 gatos se fartam de comer mabuyas, único réptil endêmico
Enquanto isso, as centenas de gatos domésticos se fartam de comer mabuyas, único réptil endêmico. Em tempo, por insistência de um comentário de leitor, voltamos a pesquisar sobre o tema. Depois de muita procura finalmente encontramos o plano de manejo para reduzir a população de gatos em Noronha.
O plano começou em 2018 no Governo Temer. Foram necessários, portanto, 30 anos para o ‘diligente’ ICMBio iniciar o processo (mas nada encontramos sobre os teiús, reflorestamento, manejo da população de ratos, ou outros).
Teiú ameaça o turismo
Segundo Carlos Roberto Abrahão, os teiús são uma ameaça ao turismo por conta da contaminação pela Salmonella enterica. A bactéria é encontrada nas fezes do réptil e, além do mais, o animal é consumido como “iguaria”.
Mas apesar de todas as evidências, para o ICMBio o teiú é ‘espécie nativa e protegida’. Enquanto isso há, talvez, milhões de ratos em Fernando de Noronha. Do mesmo modo, nada se faz de eficaz para controlar as três espécies de roedores que dominam a ilha principal.
E saiba, leitor, que desde 1956 o relatório do governador Abelardo de Alvarenga Mafra dizia que, ‘De difícil solução é a extinção dos ratos no Território, nesse sentido fizemos um acordo com a Empresa Geigy do Brasil que para aqui enviou um dos seus técnicos com o material necessário para o extermínio dessa praga.’
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Ao menos, ele tentou. E foi enfático ao propor ‘um completo expurgo nos animais que zootecnicamente são indesejáveis’.
Mas o ICMBio…
Mais adensamento em Fernando de Noronha
Nas primeiras vezes em que estive em Noronha nos anos 80, a população girava em torno de 2.500 pessoas. Hoje ninguém sabe ao certo. O último Censo (2022) indicava 3.167 habitantes, embora o Controle Migratório da ilha aponte 4.700 moradores.
Contudo, estimativas extra-oficiais citam ‘mais de 5.000 pessoas’. Já o g1 diz que ‘na alta estação, como em julho de 2016, a Compesa abasteceu 8.000 pessoas (incluindo visitantes).
E, segundo outra matéria do g1, de 2019, ‘apenas 50% das casas de Noronha têm coleta de esgoto’.
Houve um irresponsável ‘inchamento’ da população por parte do Estado de Pernambuco sem o respectivo crescimento da infraestrutura que é precária e deixa a desejar desde 1956.
Faltava água, saneamento, coleta de lixo, e energia limpa em 1956
Segundo o então governador, ‘Ao assumirmos o Governo, este era um dos problemas cruciantes: a água era insuficiente para os habitantes, quer para beber, quer para outras necessidades.’
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E, ainda, ‘Há deficiência na limpeza pública e coleta de lixo, o que faz com que apareçam algumas moscas e mosquitos.’
Por último, informava, ‘A energia elétrica é fornecida por uma Usina Termoelétrica (instalada em 1948) constituída de três grupos geradores Atlas Imperial-Diesel, sendo 2 de 200 HP e o outro de 80 HP, fornecendo corrente alternada de 2.200 volts na alta e 220 volts na baixa tensão.’
É certo que naquela época queimar diesel era a única solução. Pois bem, passados 67 anos desde este relatório, e outros 35 desde a criação da unidade de conservação de ‘proteção integral‘, vejamos qual a situação.
Século 21, falta água, coleta e tratamento de lixo, saneamento básico e energia limpa
Setembro é o mês em que acontecem os mutirões de limpeza litoral afora. Em 2021 não foi diferente. O mutirão de Fernando de Noronha revelou esculhambação.
Os organizadores do mutirão subaquático realizado na praia do Porto de Santo Antônio divulgaram no balanço nada menos que 1,1 toneladas de entulhos no mar. Entre outros foram retirados 400 quilos de pneus, 350 quilos de ferro, 250 kg de madeira e fibra e 100 de plástico, vidro e latas de alumínio. E, pelo menos até 2019, Noronha não tinha sequer coleta seletiva de lixo!
Até hoje falta água. O abastecimento praticado é de um dia com água para sete dias sem.
Mas há a promessa (2022) da instalação de usina solar fotovoltaica flutuante no espelho d’água do Açude do Xaréu. A ver.
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Frota de veículos movidos a combustíveis fósseis
Noronha tem uma ‘imensa’ (para uma ilha) frota de veículos movidos a combustíveis fósseis. Segundo o IBGE, há 1.400 na ilha principal, mais uma bobagem do governo pernambucano.
Além disso, 90% da geração de energia é de geradores a óleo diesel. E isso num local fustigado por ventos, e um dos pontos com a maior insolação do País!
Enquanto isso, o Plano de Manejo da UC, que permitia apenas 89 mil turistas ao ano, foi descaracterizado pela administração Bolsonaro que fez vista grossa, permitindo até mais de 100 mil turistas.
Favelão de puxadinhos
A Vila dos Remédios é hoje um retrato do Brasil, um ‘favelão de puxadinhos’ com lixo pelo chão. A improvisação é prática recorrente, governo após governo pernambucano. De novidades em relação à sustentabilidade temos apenas a proibição de plásticos atrasada, só aconteceu a partir de abril de 2019.
Mesmo antes do desgoverno Bolsonaro, em 2013, pela falta crônica de infraestrutura, a praia do Cachorro foi interditada para banho pelo Departamento de Vigilância em Saúde. Em setembro de 2015 o problema se repetiu. Na ocasião, a Compesa – Companhia Pernambucana de Saneamento – foi multada. Mas quem deveria ser multado mesmo são os sucessivos governadores.
Assim, a mesma deficiência apontada em 1956 ainda não foi resolvida apesar de 40% da taxa paga pelos turistas ser destinada para a limpeza urbana e gerenciamento dos resíduos!
Chorume na Cacimba do Padre
Em 2014 denunciamos que centenas de sacos de lixo faziam parte da paisagem do arquipélago.
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Consequentemente, o chorume contaminou uma das mais belas e conhecidas praias, a Cacimba do Padre. Na época, o engenheiro químico e consultor em resíduos sólidos, Edjar Rocha, alertou.
O mau cheiro é a liberação de gases com alta concentração de enxofre e amônia. Se isso está acontecendo é por uma sucessão de falhas. Erro na hora da triagem do lixo, má compostagem e acúmulo de big bags no terreno. São indicadores perigosos de grande risco ambiental.
Se você imaginou que os disparates se resumiam à falta de ação do ICMBio no reflorestamento ou controle de espécies invasivas; além da leviandade dos governadores do Estado, enganou-se.
Hamburguer de tubarão vendido em restaurantes do parque nacional
Ambientalistas sem aspas fizeram de tudo para transformar o local no único santuário de tubarões do Atlântico Sul. Especialmente porque tubarões valem mais vivos que mortos. Mas não foram ouvidos.
Assim, em 2016 o Mar Sem Fim denunciou o morticínio de tubarões em uma área de proteção integral de onde, segundo a Lei do SUNC, nada pode ser retirado.
Apesar do estúpido morticínio de tubarões mundo afora (entre 70 e 100 milhões são mortos para terem suas barbatanas arrancadas e servidas como sopa em países asiáticos), um restaurante de Fernando de Noronha, que é um Parque Nacional Marinho, portanto “protegido”, apresenta em seu cardápio ‘hambúrguer’ de tubarão, sem que as autoridades tomem qualquer providência.
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Desgoverno Bolsonaro piora situação
Então, depois dos problemas que persistem desde 1956, em 2019 teve início o desgoverno Bolsonaro. E a situação que já era caótica, piorou.
Em outubro de 2020 Ricardo Salles, O Exterminador do Presente, liberou a pesca da sardinha no arquipélago. Começava a esculhambação definitiva do Parque Nacional Marinho.
Mas teve mais. Contra a academia, ambientalistas, turistas, e até mesmo o ICMBio, em 2021 Bolsonaro abriu as regiões de Fernando de Noronha, Atol das Rocas, e Abrolhos para os leilões de blocos de extração de petróleo da ANP.
Houve imediata judicialização. Finalmente, o leilão fracassou. Nenhuma operadora fez lances por saber que eram áreas sensíveis do ponto de vista da biodiversidade. Prudentes, preferiram evitar encrencas.
Por último, em 2020 o senador Flávio Bolsonaro decidiu que mais navios de cruzeiro fundeassem na área. Ignorante como o pai, não sabe que na mesma época Veneza proibiu navios de passageiros nos canais pela brutal poluição que provocam, entre outros motivos.
A função de um parque nacional
Todo mundo sabe quais são. Em primeiro lugar, a conservação ambiental. Ou seja, dar uma chance à natureza para que ela se regenere. O parque Nacional de Fernando de Noronha nega a regeneração da fauna e flora desde sua criação.
Em segundo lugar, gerar emprego e renda com a conservação. Noronha gera poucos empregos, e a renda é tão mal aplicada que mesmo depois de 35 anos ainda não há sequer saneamento ou tratamento de lixo adequados.
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Por fim, a educação ambiental, da mesma forma é negada. Como é possível educar ambientalmente em uma ilha em que há lixo espalhado, chorume, pesca, dezenas de espécies invasivas, e até a venda de hambúrguer de tubarões?
Omissão dede 1989
Antes de encerrar, e para fazer justiça, um adendo: todos os governos após a redemocratização, que coincide com a criação das unidades de conservação federais, foram omissos.
Com exceção de Michel Temer, não deram bola ao bioma marinho, muito menos aos deboches que acontecem no parque nacional. Mas nenhum foi tão deletério como o governo Bolsonaro.
Assim, as unidades de conservação federais do bioma marinho, com poucas exceções, são mais do mesmo, em outras palavras, ‘para inglês ver’. Em Noronha há uma única exceção, o Projeto Golfinho Rotador.
Posso dizer com certeza porque sou o único brasileiro, até prova em contrário, que conheceu todas UCs federais do bioma marinho onde estive entre sete e dez dias, em algumas por várias vezes.
Por estas e outras o Parque Nacional de Fernando de Noronha, para chamar a atenção do leigo, só pode ser chamado de monumento à burrice tupiniquim. Não há outro modo de qualificar seus sucessivos gestores estaduais e federais.
Resposta do ICMBio às críticas do Mar Sem Fim
Este post foi publicado em 13 de janeiro. Poucos dias depois, em 18/1, recebemos um pedido da chefe do Parque Nacional Marinho, Carla Guaitanele do ICMBio, que assumiu o posto há apenas dois anos.
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‘…Diante da notoriedade e abrangência da sua coluna além do alcance e ética do Jornal Estadão e da nossa responsabilidade enquanto gestão das Unidades de Conservação de Fernando de Noronha solicitamos que as informações publicadas sejam complementadas com as informações corretas.’
Antes de mais nada, é preciso esclarecer que não fiz críticas pessoais a ninguém do ICMBio, até porque as chefias mudam com alguma frequência. Minha crítica foi dirigida à autarquia ICMBio, encarregada de cuidar de todas as unidades de conservação federais.
Críticas pessoais, no post, apenas para o ex-presidente Bolsonaro por sua política de destruição ambiental, chefiada pelo inqualificável Ricardo Salles e, ainda, ao palpiteiro e ignorante filho do presidente, Senador Flávio Bolsonaro.
Posto isto, vamos em frente com as explicações da atual chefia.
Sobre o Teiú e suas nefastas consequências
‘…O animal “teiú” citado pelo artigo é nativo do continente brasileiro, mas exótico e invasor em Noronha. O mesmo apesar de exótico a Noronha é uma espécie protegida pela legislação vigente, que tem abrangência Nacional.’
‘Conscientes da problemática…diz, o ICMBio… elaborou e mantém, desde 2021, um programa de manejo aprovado nacionalmente pela IN 6/2019, para o controle da espécie no Parque Nacional Marinho (conforme caminha o projeto, outras fases vão ocorrer na APA), com êxito nas áreas aplicadas.’
A pergunta é: por que demoraram 33 anos? Onde estava o órgão durante mais de três décadas, e quais as consequências para a fauna endêmica durante o longo período de omissão?
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Sobre os ratos no arquipélago
‘Sobre os ratos no arquipélago: há mais de uma espécie invasora que tem sido alvo de trabalho de controle e erradicação. Na Ilha do Meio, por exemplo, foi possível alcançar a erradicação total da espécie. Atualmente, a Ilha Rata é opróximo alvo da erradicação. Estamos nesse momento no início desse processo.’
Contudo, não há explicação sobre tais detalhes no site do ICMBio sobre Fernando de Noronha. O site, conforme mostramos no post, apenas informa que há ‘monitoramento da flora nativa e exótica’. Da mesma forma, haveria um ‘projeto de manejo sobre o controle de gatos, teiús, e desratização’.
Está na hora da autarquia aprender a se comunicar com a população. Sugerimos atualizarem o site oficial.
Sobre a liberação da pesca em uma UC de proteção integral
‘Sobre a pesca: após a realização de estudos sobre o impacto, levando em consideração principalmente a quantidade a ser utilizada, a liberação da pescada sardinha acontece em dias de impossibilidade de navegação e pesca na região do ‘mar de dentro’ (face norte-leste). Esta ação vem sendo monitorada constantemente e ocorre em apenas duas praias do Parque Nacional Marinho, sob tempo pré-determinado. Até hoje aconteceram menos de 5 dias de pesca, sendo realizada somente por pescadores devidamente autorizados.’
A crítica não foi sobre quantidades, ou quantos dias de pesca. A crítica foi e continua sendo, pela desvirtuação de uma unidade de conservação de proteção integral. Ou ela é, ou não é. Mas, apesar de parques nacionais serem de proteção integral, em Fernando de Noronha a pesca foi liberada. Não faz sentido. Quem sabe se o próximo chefe vai permitir mais dias, ou mais locais para a pesca?
Sobre a avifauna de Fernando de Noronha
Carla Guaitanele diz que ‘há educação ambiental para público juvenil e adulto, incentivo ao turismo de observação de aves, capacitação de condutores de visitantes como incentivar a economia local.’ E mais, ‘há pelo menos 20 anos ocorrem ações de pesquisa e monitoramento.’
E ainda reforça que ‘a proteção acontece muito em função da delimitação do Parque Nacional e vem se fortalecendo cada vez mais, principalmente pelas ações de manejo de espécies exóticas invasoras como o do Teju e dos gatos.’
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Tudo que mencionamos sobre a avifauna, é que os ovos são iguarias para os Teiús, cuja população foi calculada pelo pesquisador Carlos Roberto Abrahão entre 7 e 12 mil lagartos adultos na ilha principal (em 2019)!
E a autarquia só tomou conhecimento disso depois de 33 anos. Mais uma vez, fica a pergunta, como justificar as décadas de atraso?
Sobre o reflorestamento
‘A respeito do “reflorestamento”, esclarecemos que temos desde 2018 um plano de combate a flora exótica no Parque, elaborado pela nossa concessionária…que há ‘viveiros de mudas nativas’, etc.
Entretanto, foram necessários 30 anos para o início do processo. Mais uma vez, como justificar três décadas de atraso?
Sobre Hambúrguer de tubarão
‘Sobre o “hambúrguer de tubarão” é importante salientar que o restaurante Museu dos Tubarões não está dentro do Parque Nacional. Caso fosse, não permitiríamos a venda de tubarões lá. Desde 2014 esse comércio utilizando a carne de tubarões não existe mais. Quando existia, o mesmo era realizado com tubarões comprados fora de Noronha, dentro da legislação, e o ICMBio fiscalizava as notas fiscais para atestar que a carne tinha procedência fora deNoronha.’
Em primeiro lugar, o post não culpava o ICMBio por este absurdo. Como dissemos, tudo que diz respeito à Vila dos Remédios, à precária infraestrutura urbana, e o irresponsável ‘inchamento’ da população, é de responsabilidade de sucessivos governos pernambucanos.
Mas, cabe comentar a resposta na parte em que pontua que ‘os tubarões eram de fora de Noronha, e dentro da legislação.’
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O fato dos tubarões serem de fora de Noronha não diminui a insensatez de um restaurante vender carne de um dos mais importantes predadores marinhos, sabidamente em risco de extinção pela sobrepesca, num parque nacional marinho. Culpa, sem dúvida, dos omissos governantes pernambucanos.
Mas também demonstra, como sempre dissemos, que a pesca no Brasil é uma esculhambação total. E que é inacreditável a venda dentro de um parque nacional marinho. Desmoraliza a unidade de conservação e a educação ambiental, mesmo que a responsabilidade não seja do ICMBio.
Sobre as trilhas
‘Desde 2012 na trilha de maior fluxo de visitantes, que é o complexo Sancho-Baía dos Golfinhos, foram instalados cerca de 2km de trilhas suspensas, visando minimizar os danos ao solo e posterior carreamento para o mar. No ponto de apoio da praia do Leão, que faz parte do roteiro mais visitado na ilha, também foram instaladas trilhas suspensas até mirante mais visitado.’
Fazendo contas de novo, onde estavam os diretores do ICMBio que permitiram trilhas no solo durante 24 anos? Ao nosso ver, o ICMBio por sua omissão não só em Noronha, demonstra não estar à altura do desafio que é gerir as unidades de conservação federais.
Entretanto, uma ressalva. Já explicamos que muito do desabafo deste post deve-se à omissão de ‘ambientalistas’ entre aspas (porque felizmente também há os engajados), que jamais denunciaram o descalabro do poder público em relação à conservação, como se não existissem problemas graves como UCs no papel depois de 20, 30 anos de criação, entre uma penca de outros. Essa burocracia que gera o ‘custo Brasil’ é o ‘normal’ do poder público no País. Não há políticas de longo prazo nem para nosso maior ativo, a extraordinária biodiversidade.
Navios de cruzeiro
‘É importante salientar que, apesar de inicialmente ter sido divulgada na imprensa a volta de cruzeiros marítimos em Noronha, esta iniciativa não foi autorizada.’
Como explicado no post, esta foi uma ação do palpiteiro senador Flávio Bolsonaro. Quanto à negativa, meus parabéns ao ICMBio!
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Sobre o superadensamento
Sobre o superadensamento em uma ilha que é, da mesma forma, um parque nacional sem infraestrutura, a chefe disse que…
‘Por fim sobre o adensamento de Fernando de Noronha informamos que desde 2016 vimos trabalhando junto à Administração da ilha, trade turístico e Ministério Público Federal visando coibir expansão de visitantes na ilha (que acaba induzindo o crescimento de todos os outros serviços da ilha e consequentemente aumento de trabalhadores) e o cumprimento das normas presentes no Plano de Manejo da APA.’
Parabéns, mais uma vez, à Carla Guaitanele por esta preocupação. Da mesma forma, agradecemos pelos esclarecimentos. Contudo, reiteramos que, pelo que que se sabe, nossa crítica permanece. A intenção foi gerar repercussão e, ao mesmo tempo, alertar o público leigo, única forma de chamar a atenção do novo governo para a absoluta falta de pessoal e verbas do ICMBio e Ibama.
Explicações adicionais do Mar Sem Fim
Se o governo federal quer de fato mudar a imagem do País e cessar os absurdos ambientais em Pindorama, é imperativo investir, tanto no ICMBio quanto no Ibama, assim como modernizar a gestão, e aceitar discutir outras soluções para este ponto essencial. Por exemplo, você sabia que o Ibama tem apenas três embarcações para fiscalizar 7.5 mil km de litoral?
Verbas também do exterior
Para além disso, sabe-se que estas verbas não precisam necessariamente ser governamentais. Há grande disponibilidade no exterior. Basta que bons projetos sejam apresentados. Ilhas estão em destaque no mundo pela biodiversidade e endemismo veja-se, por exemplo, os inúmeros trabalhos desenvolvidos por ONGs como a Island Conservation. E ela é apenas uma, entre tantas, que se dedicam às ilhas em geral.
Por último, já cansamos de elogiar funcionários do ICMBio, afinal, visitamos todas as UCs, ocasião em que conhecemos as chefias. A maioria é formada por profissionais qualificados. Muitos fazem o ‘possível e o impossível’ para cumprirem sua missão mesmo sem equipes ou equipamentos. Mas, ainda assim, quem ‘ manda’ é o Estado cheio de vícios, e quase sempre com insuficiência de recursos.
Problemas recorrentes das UCs federais
Assim, grande parte das UCs federais, mesmo com mais de 20 anos de criação, não têm sequer plano de manejo! Em outras palavras, os antigos proprietários não foram indenizados mesmo após décadas de desapropriação. Deste modo, há pesca, criação de gado bovino e caprino, reflorestamento com espécies exóticas, especulação, etc, em várias UCs federais.
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Algumas falhas e vícios de origem da autarquia ICMBio
Além disso, ao nosso ver o ICMBio tem outras falhas, entre elas não impor metas às chefias, ao menos até a época de nossa visita (2014-2016); do mesmo modo, não os estimula.
Por exemplo, a situação de penúria é igual em todas UCs. Contudo, alguns chefes conseguem, com criatividade, fazer parcerias para a fiscalização, ou desenvolver e implementar o Plano de Manejo. Outros, uma minoria, se acomodam e passam o dia em gabinetes refrigerados. Porém, ambos são tratados do mesmo modo pela autarquia. Está errado. É mais que sabido que todos os funcionários, seja de que empresa forem, precisam de metas e estímulos.
Isto gera equívocos inomináveis, como a maioria das UCs marinhas que não ter sequer um barco. Como cuidar de uma sem eles? As poucas que têm, não têm verbas para gasolina ou manutenção. Com isso, muitas, das poucas UCs federais existem apenas no papel.
Reservas Extrativistas
Outro vício de origem é a preferência do ICMBio pelas famigeradas RESEX que podem ser tudo, salvo conservação. Desse modo, se excluirmos as áreas marinhas de proteção integral criadas pelo governo Temer, temos no litoral apenas 0,5% de UCs de proteção integral. É mais um motivo para não nos conformarmos com a liberação da pesca em Noronha.
Necessidade da proteção integral no mar e litoral
A necessidade de proteção urgente do que resta de nossa biodiversidade marinha não é capricho de ecochatos. A proteção dos ambientes marinhos poderia proporcionar geração de emprego e renda através do incentivo ao ecoturismo em parques nacionais e outras áreas marinhas de proteção integral. O uso público não-extrativo bancaria, além de oportunidades econômicas, a manutenção e fiscalização de refúgios essenciais para recuperar os estoques pesqueiros. Eles foram arrasados em praticamente toda a costa.
São razões suficientes para que uma enorme gama de países, incluindo muitos em desenvolvimento, estejam decretando extensas áreas de proteção total da vida marinha.
E promovendo nelas o mergulho e a visitação pública, por meio de parcerias bem-sucedidas com o setor privado. Esse, com potencial de ser muito melhor gestor e zelador do que o Estado inchado, incompetente e falido. Assim tem sido no mundo civilizado. Por que o Brasil quer reinventar a roda?
Cortes no já mínimo orçamento do ICMBio
Mesmo recebendo uma merreca do orçamento federal, há sistemáticos cortes. Em 2013 alertamos: Corte no orçamento e ICMBio na penúria; em 2015, Orçamento de UCs federais cai em 2015, sempre com a mesma intenção, fazer um contraponto aos ‘ambientalistas’ que quase nunca mostram as mazelas do setor ao leigo.
Atualmente há 3,33% da área marítima nacional em unidades de conservação de proteção integral; e não 0,5% como mencionado no texto. Já as unidades de uso sustentável abarcam 23,17% da área marítima nacional. Tal informação pode ser acessada em https://cnuc.mma.gov.br/powerbi.
Atenciosamente,
Silvio de Souza Junior.
Em outras palavras, uma merreca.
Parabéns pela matéria! Que chegue aos ouvidos de quem possa fazer alguma coisa pelo lindo arquipélago.