Você come cação? Melhor se informar…
Muitos brasileiros fazem confusão. Acham que cação é uma espécie; tubarão, outra. Engano. São nomes diferentes para o mesmo peixe. Outro problema é o comodismo. Quase sempre esperamos que surja alguém para fazer o que nós mesmos não fazemos. Neste caso, cuidar dos oceanos. Finalmente, depois de muitos anos alertando sobre os problemas, hoje ao menos uma parte da mídia já abre espaço para mostrar que os oceanos são depredados numa velocidade muito maior que nossas florestas. Grande parte do público conhece ao menos os problemas de poluição que afetam o mais importante ecossistema da Terra. Mas falta mais. Você come cação? Melhor se informar…
Você come cação? Melhor se informar…
Os tubarões ou cações são muito mais antigos do que os primeiros dinossauros, insetos, mamíferos ou mesmo árvores. Eles estavam lá antes que os primeiros animais deixassem os oceanos para caminhar na terra, antes de nossos continentes se dividirem.
Os tubarões/cações estavam nos mares quando os cinco eventos de extinção em massa quase varreram toda a vida do planeta, e sobreviveram.
Como se vê, são animais que enfrentaram todos os tipos de ameaças que surgiram no planeta exceto uma, o ser humano mal informado. Por isso, hoje eles estão ameaçados de extinção. Aos cações/tubarões resta apenas uma chance: o nosso poder de escolha como consumidores.
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A indústria mundial da pesca é indecente. Enquanto o mundo se prepara para mudar devido a uma doença zoonótica que também é fruto de nossos maus tratos ao meio ambiente, os enormes navios pesqueiros continuam varrendo os oceanos. E com especial interesse em massacrar os cações/tubarões, e outros predadores do topo da cadeia.
No caso de cações/tubarões a matança acontece porque na Ásia, um continente superpopuloso deste mundo superpovoado, ele é considerado uma ‘iguaria’. Nas festas, se alguém quer impressionar oferece sopa de barbatanas de cações. Puro status, esnobismo, já que nem gosto têm. Barbatanas são cartilagens.
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E esta matança acontece também no Brasil, seja para exportar barbatanas, ainda que em menor escala que outros países, seja para colocar a carne destes animais na nossa mesa. Mais recentemente, uma das espécies ameaçadas o tubarão/cação Mako, teve sua exportação liberada no País.
Um estudo feito por brasileiros publicado em novembro de 2016 na revista científica Marine Policy, entre eles um biólogo da Universidade Federal do Paraná, alerta para os riscos ambientais do consumo inadvertido desse tipo de peixe no Brasil.
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Com isso, várias espécies selvagens ameaçadas de extinção vão pra mesa dos que comem cações/tubarões.
A importância dos animais do topo da cadeia
Entre os milhares de organismos marinhos, os do topo da cadeia alimentar são os mais importantes. São eles que regulam os estoques, predando os mais fracos e mantendo a saúde dos cardumes. Esta é a grande função dos cações/tubarões: regular o estoque de peixes dos ambientes que frequentam.
Além disso, alerta Bornatowski, “são animais de reprodução lenta e de vida longa. Vivem mais que muitos mamíferos. A matança acelerada pode estar levando esses peixes ao esgotamento populacional sem que a gente saiba.”
O caso é sério a ponto do ICMBio, ainda em 2014 antes de ser desmontado pela gestão Ricardo Salles, ter publicado o Plano de Açao Nacional para a Conservação dos Tubarões e Raias Marinhos Ameaçados de Extinção.
Segundo o estudo publicado na Marine Policy “em 2012 uma pesquisa do Ministério do Meio Ambiente apontou que o percentual de espécies de elasmobrânquios ameaçadas de extinção no país era maior do que o mundial.”
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“Os elasmobrânquios formam a subclasse de peixes cartilaginosos da qual os tubarões fazem parte, juntamente com as raias. No Brasil, 33% das 145 espécies de elasmobrânquios correm risco de desaparecer. No mundo, o percentual estimado é de 25% das espécies em risco.”
Infelizmente, logo depois deste plano durante o desgoverno Dilma, o País parou de produzir estatísticas da pesca. E segue assim até hoje. Pior, não há no horizonte uma data para o fim deste fiasco.
As estatísticas são um compromisso mundial para que a agências internacionais, como a FAO, possam trabalhar. Atualmente três países não mandam suas estatísticas, Brasil, Indonésia e Mianmar.
Como gerir os recursos pesqueiros sem ao menos saber a quantidade, ou espécies, pescadas no País?
Você come cação? Apelo aos consumidores
É só o que nos resta, o apelo aos consumidores. Se você é ligado nas questões ambientais, tire de seu cardápio qualquer tipo de carne de cação e de raias também.
Qualquer pessoa de bom senso há de imaginar que matando entre 70 a 100 milhões de animais por ano não há tempo suficiente para a reposição das espécies. Além disso, a indústria alimentícia sabe da confusão, e jamais venderá carne de ‘tubarão’ nos supermercados.
Pelo mesmo motivo, a destruição ambiental, sugerimos em podcast que os consumidores ao comprarem camarão nos supermercados verifiquem no rótulo a procedência do produto. Se forem camarões oriundos do Nordeste, não compre, dê preferência aos camarões do Sudeste.
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Os mangues nordestinos são depredados pelos criadores de camarão.
Quanto à carne de cação/tubarão, não há outro jeito, nem mesmo procurando os de outras regiões. A ameaça é mundial. Seja de onde for, evite a carne de cações e raias. Ainda há outros tipos de peixes que podem ser comprados. Ainda…e por pouco tempo.
Além de contribuir com o meio ambiente marinho ao recusar carne de tubarões/cações você evita contaminação por mercúrio, e além disso as pessoas bem informadas já sabem: tubarões contribuem com a sustentabilidade da vida marinha também pelo fato de gerarem empregos e renda, afinal, tubarões/cações valem mais vivos que mortos.
Oceanos e uma conta bancária
Como diz Enric Sala, um dos titãs mundiais da conservação marinha, ‘os oceanos são como uma conta bancária da qual todo mundo faz saques, mas ninguém deposita’.
Somos oito bilhões de pessoas no planeta, é evidente que vai acabar. Pense sobre isso.
Imagem de abertura: Tubarões-tigre em mercado em Ipanema, de Hugo Bornatowski
Fontes: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0308597X17300933; https://www.icmbio.gov.br/portal/faunabrasileira/plano-de-acao-nacional-lista/2839-plano-de-acao-nacional-para-a-conservacao-dos-tubaroes; https://www.ufpr.br/portalufpr/noticias/em-artigo-biologos-alertam-para-risco-que-consumo-de-cacao-representa-para-tubaroes-ameacados-de-extincao/.
Afinal, cação é ou não de espécie diferente de tubarão?
Como mostra o texto, Leonardo, cação e tubarão são sinônimos, ou seja, a mesma espécie.
Se o risco de extinção já não basta, vale lembrar que os metais pesados, que causam várias doenças, são bio acumulativos, ou seja, passam de um nível na cadeia alimentar para o nível acima, e os tubarões estão no topo da cadeia, portanto têm os níveis mais altos de contaminação com mercúrio, chumbo, etc. aumentando o risco de desenvolver doenças decorrentes desses contaminantes.
CAÇÃO OS HOMENS COMEM. TUBARÃO COMEM OS HOMENS.
EU NUNCA COMPREI O CAÇÃO E DAS POUCAS VEZES QUE COMI PODIA SENTIR CHEIRO DE URINA.
eu acabei de enviar o meu comentário e ele aparece como datado em 2020?
José: ao lado de seu nome, no comentário, aparece ‘ 2 de março de 2022 at 19:09.’
agora sim, obrigado
A Torá deixa claro que a gente só deve se alimentar dos mares e da água doce peixes com escamas. Os demais com peixes de couro e camarões não são casher, ou seja comê-los é fora da lei, que está discriminada com detalhes no Levítico e no Deuteronômio.
Ótima reportagem.
Vale acrescentar que, considerando em tese que peixe é, ou seria uma excelente fonte de proteínas, existem peixes menos famosos pescados localmente na costa de águas limpas seriam menos contaminados.