Velejadores concluem travessia da Passagem do Noroeste

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Velejadores concluem a travessia da Passagem do Noroeste

Os velejadores Beto Pandiani e Igor Bely encerraram a travessia da mítica Passagem do Noroeste em 3 de setembro de 2022. A rota de 2.500 milhas entre estreitos semicongelados teve início em 19 de julho na cidade canadense de Tuktoyaktuk, norte do Canadá, onde tiveram que esperar três semanas para o gelo se abrir. No diário de bordo do dia anterior à concluãos da travessia Beto escreveu: ‘A noite na Baia Leopold foi calma, depois de todo o aperto que passamos quando a âncora desgarrou’. Antes de dormir os dois conversaram muito sobre a derradeira navegada. Eles se sentiam inseguros em razão de previsões de tempo diferentes que receberam. Ao fim e ao cabo, decidiram-se pela travessia.

velejadores Igor Bely e Beto Pandiani
Os dois mal cabem na minúscula cabine do Igloo. Imagem, rotapolar.com.br.

A última noite

Antes de dormir o Igor e eu conversamos muito a respeito da decisão de partir ou não para Artic Bay, pois tínhamos duas previsões meteorológicas bem diferentes, uma apontando um cenário favorável e outra completamente diferente.’ E o futuro mostrou que foi uma decisão acertada, apesar de terem sofrido muito frio, fome e cansaço.

Passagem do Noroeste

Antes, uma explicação sobre a Passagem do Noroeste. Dezenas de notáveis marinheiros morreram à sua procura no Ártico. No passado sua importância econômica, ao diminuir a distância entre a Europa e a Ásia, foi a chave que a fez almejada.

Passagem do Noroeste
O local da partida, Tuktoyaktuk, norte do Canadá, acima do Círculo Polar, de onde Betão e Igor partiram para a travessia.

Finalmente, o caminho foi desvendado no início do século 20 por Roald Amundsen, experiente explorador norueguês. Contudo, até hoje a passagem não está aberta comercialmente. Apenas em ocasiões especiais, e em razão do aquecimento global que diminui o gelo da calota polar.

Entrevista ao mar sem fim em agosto de 2022

No início de agosto entrevistamos os dois a partir do WhatsApp. Nesta altura eles tinham velejado 700 milhas. A ideia da dupla é produzir um documentário para comentar os efeitos do aquecimento global na região.

A passagem é uma área de estreitos, por séculos congelada. Finalmente, nos últimos 25 anos o degelo começou a abri-la. Alguns pesquisadores preveem que, a partir da metade do século 21, o Ártico corre o risco de não ter mais gelo durante os verões.

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Nesse meio tempo, publicamos um post mostrando que o degelo na calota polar é de quatro a sete vezes mais intenso que em outras áreas do planeta. Pouco tempo depois, novo post sobre as perdas de gelo onde repercutimos informações de cientistas que sugerem que mesmo que o mundo pare de emitir gases de efeito estufa hoje, as perdas de gelo da Groenlândia prosseguiriam em escala alarmante.

É este o cenário que escolheram para velejar num pequeno catamarã, batizado Igloo, onde mal um deles cabe dentro. Sobre o aquecimento, Igor disse que a situação é claramente percebida pelos inuits com quem têm se encontrado. E completou: ‘em alguns casos percebemos que para eles é uma situação desesperante’.

Mas, aparentemente, a última navegação foi das piores entre todas que fizeram.

A derradeira velejada na Passagem do Noroeste: ‘o barco vai aguentar?’

É o que se perguntava Beto Pandiani na noite anterior. ‘Eu estava bastante tenso, pois o vento forte de leste trouxe para a região ondas de mar aberto bem grandes, e de onde estávamos ancorados era possível ver as grandes vagas.’

Mas eles tomaram a decisão correta. ‘Decidimos partir pois estamos já entrando na última semana de janela segura, pois a partir da segunda semana de setembro o tempo deteriora drasticamente aqui no Ártico. Não poderíamos ficar presos em uma remota baía.’

Ambos colocaram as roupas secas, uma vez que cair no mar era possível. E como eles mesmos sabem: ‘Cair no mar com a roupa que estávamos usando antes é quase morte certa por hipotermia.’

Tão logo o barco iniciou a jornada ondas fortes os esperavam. ‘O barco subia e despencava do outro lado no vazio e “bang” dava uma pancada que fazia ele estremecer inteiro.’

Ondas de três metros

‘Algumas ondas chegavam aos três metros, uma parede de água gélida e esverdeada. O tempo estava completamente fechado com muita neblina deixando as paredes das altas falésias escondidas favorecendo a um cenário lindo, intimidador e desolado.’

velejadores na Passagem do Noroeste
O Igloo e Beto Pandiani e Igor Bely. Imagem, rotapolar.com.br.

Depois de trocarem de turno, Beto foi descansar enquanto Igor ficava no leme. Então, o mar finalmente melhorou. Beto diz que ‘na metade do caminho dava se para ver Baffin, e a Ilha Devon que na parte mais ao Norte chega a 84 graus. O eixo da Terra que é o Polo Norte está a 90 graus. Naquele hora senti que estávamos no topo do mundo, um sentimento de bastante responsabilidade e atenção.’

Calmaria seguida por ventania

Beto Pandiani conta: ‘Saí do módulo lunar com o Igor pedalando e vejo que estava nevando e tudo à nossa volta era neblina. Que cenário duro, fora o frio. Peguei um remo e comecei a ajudar. Para chegar na ponta precisávamos de 13 horas de pedal e remo. Desanimador.’

Mas nas altas latitudes tudo pode mudar muito rapidamente. Foi o que aconteceu. ‘Contornamos a ponta e começamos a noite com 50 milhas pela frente, mas com vento por trás do Igloo. O famoso vento de popa.’

Conforme fomos mergulhando na Península de Brodeur o vento foi aumentando, até que tivemos que tirar uma grande vela de proa. Os jacarés que o barco descia chegavam a 16 nós, tirando a nossa tranquilidade. O Igor recolheu a vela da proa e em seguida decidimos descer um pouco a vela principal, que não demorou para irmos para o terceiro rizo (significa diminuir a área vélica).’

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Sem controle do leme debaixo de vento forte

A derradeira velejada teve de tudo. De calmaria a fortes ventos, sempre com muito frio, às vezes neve, e pilotando quase às cegas. Beto descreve: ‘As ondas vinham de duas direções fazendo o Igloo  perder o controle do leme, ficando de lado. Fizemos algumas atravessadas e muitos sustos, pois o barco ainda estava rápido na descida das ondas. A questão toda era o frio que estava afetando nós dois e a velocidade do barco que não diminuiu muito.’

Estava difícil manter o rumo exatamente como pedia a bússola… eu estava exausto e com o começo de uma tremedeira. As ondas vinham e para quem estava sentado na rede da asa levava um banho de mar com a temperatura de quase zero grau.’

Víamos as montanhas nevadas mesmo no escuro, pois ainda tem um mínimo de luz, o que vai mudar a partir da semana que vem. O risco era bater em algum pedaço de gelo boiando e desgarrado.’

No limite da exaustão e do frio

Estávamos no limite da exaustão e do frio. Eu pensava; sei que existe uma reserva aqui dentro de mim, preciso colocar o foco no mar, nas fortes rajadas e no barco, assim tento esquecer do frio. Em torno do Igloo era possível ver as ondas quebrando as cristas e o barulho do mar quebrando.’

‘Vimos ao longe um vulto de montanha branca com o gelo recém caído e pelo GPS deveria ser a nossa última esquina para nos livrarmos do vento forte e das ondas.’

‘Contornamos a ponta que dava o acesso a Artic Bay e logo o Igor sugeriu que dormíssemos logo em um cantinho calmo do braço de mar.’
Eram 3 horas da manhã e estávamos a apenas 6.4 milhas de Artic Bay. A viagem estava concluída. Jogamos a âncora e o Igloo se aquietou. Demos um grande abraço e rimos. Falamos que a natureza havia nos testado ao extremo nos últimos dias e que de certa forma era possível que alguém queria saber o quanto queríamos chegar.’
Artic Bay
Artic Bay, o local da chegada.
Assim, finalmente puderam descansar. Mas não muito. ‘ Acordamos às 8hs da manhã e sai da cabine com muito frio.’

‘Dormimos com as pernas para fora pois ela é minúscula, e mesmo assim tudo dentro condensa com o calor do nosso corpo.’

‘Passadas umas três horas decidimos sair para Artic Bay e colocar um ponto final nesta linda história que temos.’
Na última milha o vento veio nos dar boas vindas e nos apresentou Artic Bay. O pequeno vilarejo de 945 pessoas fica na base de uma montanha que tem cores de ferrugem. Localizado bem ao fundo de uma pequena baía navegamos até o pequeno quebra-mar onde encostamos o Igloo.’

Sucesso afinal

‘Nestes últimos minutos de velejada me emocionei bastante e o Igor e eu demos um novo abraço, um abraço de agradecimento mútuo pela nossa linda parceria.’

Artic Bay
Artic Bay na poa do Igloo.
‘Não sabemos quando vamos velejar novamente, mas sei que em breve vamos sentir falta da nossa pequena rotina a bordo do Igloo.’
‘Agradeço profundamente meu companheiro Igor Bely, um grande professor que me ensina diariamente muito’
‘Agradeço também a todos que tem acompanhado a viagem e nos enviado tantas mensagens positivas. É difícil responder a todos, mas a intenção é sempre a melhor. Confesso que nestes últimos dias as mensagens tiveram um grande peso, e me deram muita energia.’
‘Aqui no Oceano Ártico mais uma vez se confirmou o meu entendimento sobre o mar. Se o mar se tornar duro, forte e tempestuoso nós viramos um nada. Se chegamos ao fim várias vezes com êxito é porque tivemos uma permissão.’
‘Este sentimento me mostra o sentido do conceito de humildade. Ao me sentir humilde eu dou permissão para viver novas experiências de forma suave e amorosa, e sem resistência.’
desmontando o Igloo
Desmontando o Igloo que volta ao Brasil, Ilhabela será sua casa, onde Beto Pandiani dá aulas de vela na BL3.
E depois desta última etapa nossos amigos tomaram um belo banho quente, se alimentaram, e finalmente puderam dormir em camas de verdade (Para saber mais clique aqui).
Palavras de Beto Pandiani em 6 de setembro: ‘Sinto falta do aconchego de casa, mas neste tempo que estive fora eu me desconectei totalmente do mundo.’
‘O exercício é voltar para o “caos” mas me mantendo distante da poluição mental dos grandes centros urbanos.’
Bravo Zulu!

Comentários

1 COMENTÁRIO

  1. Beto e Igor – Bravo! Parabéns por inspirar e compartilhar essa experiencia e essa vivencia por mares sempre navegados, porém poucos. Gostaria de saber da expedição, por essas mesmas aguas da passagem noroeste, do Aleixo Belov. Amar o Mar …

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