Terceiro ano de governo do PT: agenda marinha segue parada
Dois anos atrás publicamos um post parecido para alertar o público: até aquele momento a agenda marinha continuava parada, encalhada — como já havia ocorrido na primeira gestão de Marina Silva, entre 2003 e 2008. Naquela época, o Ministério do Meio Ambiente se limitou a criar meia dúzia de Reservas Extrativistas (RESEX) voltadas para a zona costeira e o mar brasileiro. Agora, com o governo Lula entrando no terceiro ano, é hora de revisar o que foi feito, de fato, pelo bioma marinho até aqui.

Algumas questões ambientais que merecem comentários
Embora Marina Silva seja um ícone do ambientalismo e tenha uma trajetória de vida admirável, não compartilhamos de seu estilo messiânico, nem de muitas de suas políticas, que parecem guiadas mais por convicções ideológicas do que por critérios técnicos de conservação. A insistência nas Reservas Extrativistas é um exemplo disso — como unidades de conservação, são frágeis. Ainda assim, cumprem um papel importante ao garantir a posse da terra para muitas comunidades tradicionais que vivem no litoral.
Lula e Marina, por outro lado, conseguiram reduzir o desmatamento entre 2003 e 2015. Além disso, Lula criou 26.828.924,53 hectares de unidades de conservação na Amazônia — a maior área protegida por qualquer presidente desde 1988.
Também é justo considerar as condições da equipe que Marina herdou: um grupo desfalcado, desmoralizado pelo governo anterior, sem estrutura adequada e com orçamentos muito abaixo do necessário.
Ainda assim, isso não explica seu distanciamento em relação ao bioma marinho e à zona costeira. A ministra entrou no terceiro ano de mandato, mas até agora não apresentou publicamente nenhum plano consistente para o mar brasileiro e a zona costeira. Sua atuação no tema se resume à visita ao litoral norte de São Paulo durante a tragédia do carnaval de 2023 e à abertura das consultas públicas para a criação do Parque Nacional Marinho do Albardão— cujo processo, vale lembrar, já estava pronto, restando apenas essa etapa final.
Até a eleição de Trump, o grande debate global girava em torno do aquecimento descontrolado do planeta, da força crescente dos eventos extremos — que atingem com ainda mais intensidade as regiões costeiras —, do aumento do nível do mar e da erosão que avança por litorais no mundo todo.
No Brasil, além desses desafios, carregamos velhas pendências, como a total ausência de fiscalização ambiental no litoral. Neste exato momento, alguma praia do país certamente está sendo desfigurada pela especulação imobiliária, que extirpa mangues e restingas, arrasa dunas e ocupa falésias no Nordeste — e nada, absolutamente nada, é feito a respeito.
Espécies invasivas no mar brasileiro, um grande problema
Dado o desleixo com a agenda marinha, os problemas se avolumam. Assim, aos poucos, as espécies invasivas se espalham cada vez mais. Os casos já conhecidos do peixe-leão, do coral-sol, e do mexilhão-dourado agora têm um novo e inédito companheiro: a tilápia, que já se espalha por grande parte dos rios do país e agora se expande também pelo mar tendo sido vista entre os litorais do Maranhão até Santa Catarina.
Mesmo assim, entrando no terceiro ano de governo, ainda não houve tempo para o Ministério do Meio Ambiente se pronunciar. Isso demonstra claramente o improviso que impera no Meio Ambiente, ou pouco caso.
Enquanto persiste o descaso, um relatório produzido pela Plataforma Intergovernamental de Política Científica sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos das Nações Unidas mostra que as milhares de espécies invasoras introduzidas em novos ecossistemas em todo o mundo causam mais de 423 bilhões de dólares em perdas estimadas à economia global todos os anos, prejudicando a natureza, danificando os sistemas alimentares e ameaçando a saúde humana.
A recategorização da Reserva Biológica Marinha do Arvoredo está parada
Em 1990, o belo arquipélago do Arvoredo, em frente a Florianópolis, virou Reserva Biológica Marinha federal — uma das categorias mais restritivas de unidade de conservação. De uma hora para outra, a população de Santa Catarina perdeu o acesso às ilhas para mergulho e lazer, uma vez que este tipo de UC impede a visitação e o uso turístico.
Logo depois, iniciou-se uma campanha para transformá-la em parque nacional, categoria que mantém a proteção, mas permite visitação pública. Foram décadas de luta até que, em 2021, após 31 anos de ativismo, a agência de notícias da Câmara anunciou que a Comissão de Meio Ambiente aprovou o Projeto de Lei 4198/12, que propõe a mudança da reserva para Parque Nacional Marinho do Arvoredo.
Como a aprovação ocorreu durante o governo Bolsonaro, o projeto foi engavetado. E assim continua até hoje, mesmo sob um governo mais simpático à pauta ambiental. Até quando a gestão de Marina seguirá em silêncio, ninguém sabe.
Aumento da área do Parna de Abrolhos e inclusão do Banco Royal Charlotte
Em 2012, o então governo Lula com Izabella Teixeira ocupando o cargo hoje de Marina, tornou pública uma proposta para ampliação das Áreas Marinhas Protegidas (AMPs) da região dos Abrolhos, incluindo na área do parque o Banco Royal Charlotte.
Desde que Marina assumiu não se falou mais no assunto.
Replantio de mangues e restingas é urgente
Enquanto o Brasil segue destruindo restingas e mangues — ecossistemas fundamentais para a proteção da costa, ainda mais diante dos eventos extremos —, programas internacionais avançam com o replantio desses ambientes na Ásia, África, Oceania e nas Américas do Norte e Latina. Sem os serviços ecológicos que oferecem, não existe litoral sustentável.
Esses programas investem na restauração de ecossistemas costeiros e marinhos como estratégia para enfrentar as mudanças climáticas. O financiamento vem de fundos ESG e fiduciários, com apoio da UNESCO e de grandes ONGs internacionais.
O Brasil, no entanto, segue distante dessas iniciativas. Marina parece ignorar a existência desses programas — em outras palavras, atua como se fosse ministra apenas da Amazônia.
Criação da APA dos Bancos de Noronha e Ceará
Pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Nordeste (Cepene/ICMBio) e da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) defendem a criação dessa nova unidade de conservação, como informou a Agência Brasil em outubro de 2023. Mesmo com um dos proponentes ligado ao próprio ICMBio, a ministra segue em silêncio. A área proposta abrange duas cadeias de montes e bancos submersos no litoral nordeste, formadas por antigas atividades vulcânicas no fundo do Oceano Atlântico.
Locais da APA dos Bancos de Noronha e Ceará. Imagem, Agência Brasil.Esses bancos e cadeias estão dispostos paralelamente às costas do Ceará e Rio Grande do Norte. São acidentes geológicos que se estendem por cerca de 1,3 mil quilômetros na margem equatorial brasileira.
As cadeias têm apenas dois pontos que ultrapassaram a superfície do mar, Fernando de Noronha e Atol das Rocas. Só isso já demonstra a importância de se transformar a região em área protegida. Contudo, estas antigas e novas (no caso da APA) reivindicações da academia e ambientalistas permanecem encalhadas no seio do ministério de Marina Silva.
Restam apenas 21 meses: haverá tempo para a agenda marinha avançar?
A ver como serão os próximos 21 meses de governo. Até agora demos apenas um pequeno passo, um sopro na agenda ambiental marinha. Mas persiste a falta de políticas públicas para o litoral. Ainda há tempo, o que não se sabe é se há vontade política para olhar para o bioma marinho. O futuro dirá.
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