Lei Geral do Licenciamento Ambiental é aprovada no Senado
O Senado aprovou o projeto de lei que cria a Lei Geral do Licenciamento Ambiental. A proposta flexibiliza as regras para empreendimentos com potencial de impacto sobre o meio ambiente. O tema é polêmico e já esteve na pauta diversas vezes. Entre os argumentos usados para justificar a mudança estão a lentidão dos processos, o excesso de burocracia e o aumento de custos. Como o texto sofreu alterações no Senado ele seguirá de volta à Câmara dos Deputados, onde teve origem.

Aspectos da nova lei
Segundo o site do Senado, o projeto estabelece normas e diretrizes para o licenciamento ambiental no Brasil, com aplicação em todos os órgãos do Sisnama – Sistema Nacional do Meio Ambiente. Também padroniza os procedimentos de emissão de licenças no país. Uma das mudanças mais relevantes em relação ao texto aprovado pela Câmara, segundo o site do Senado, é a redução das atividades dispensadas de licenciamento. A versão original excluía 13 tipos de empreendimentos, mas o novo texto limita a dispensa apenas a casos sem risco ambiental ou ligados à soberania nacional e situações de calamidade pública.

Licença Ambiental por Adesão
O projeto também propõe a criação da Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC), considerada um dos pontos mais sensíveis do texto por ambientalistas. Segundo o site do Senado, a LAC funcionará por meio de autodeclaração do empreendedor, com base em critérios definidos previamente pela autoridade ambiental. A proposta autoriza esse modelo para a maior parte dos licenciamentos no país, excetuando os casos de alto impacto ambiental.
Em outras palavras, basta ao empreendedor declarar em formulário que o empreendimento se enquadra nos critérios pré-estabelecidos pelo órgão ambiental e se comprometer a seguir as normas vigentes. Ponto final.
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Almirante Bouboulina: a grega que brilhou no MediterrâneoCOP30 em Belém, sucesso ou fracasso?3ª Conferência do Oceano: a vitória do tratado de Alto-marA dispensa de licenciamento ambiental para atividades agropecuárias também foi criticada por ambientalistas. E outro dos aspectos polêmicos é a proposta que retira o status de área protegida a Terras Indígenas e Territórios Quilombolas ainda não oficializadas.
Segundo a revista Exame, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) publicou, em 2022, um estudo que avaliou o PL 2.159/2021. O documento defendeu a criação de uma norma nacional para o licenciamento ambiental, com regulamentação clara do marco legal e uso de instrumentos de planejamento para dar mais agilidade ao processo.
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Ainda segundo a Exame, Ronei Glanzmann, CEO da MoveInfra, afirmou que mais de 3.500 projetos seguem parados por falta de licenciamento ambiental, o que representa um bloqueio de R$ 1,7 trilhão em investimentos em setores como transporte, energia e indústria. Ele também apontou que o maior entrave não está nas exigências ambientais, mas na falta de clareza e padronização dos processos.
Algumas opiniões dos defensores
Um dos relatores do PL, o senador Confúcio Moura (MDB-RO), disse que o atual licenciamento é acusado por setores de travar grandes obras.
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Viva! Cultura Oceânica incluída no currículo escolar brasileiroTerceiro ano de governo: agenda marinha segue paradaICMBio: omisso em Abrolhos, ameaça a fauna de UCs de proteção integralSegundo o g1, defensores do texto afirmam que as novas regras vão desburocratizar processos para obtenção de licenças ambientais. Mais adiante, revela o g1, o setor do agronegócio defende que a proposta vai “desbloquear o crescimento do Brasil” e que as regras atuais impedem mais de 5 mil obras de infraestrutura devido à burocracia.
A ex-ministra da Agricultura, a senadora Tereza Cristina (PP -MS) também relatora do PL, diz em artigo publicado no Estadão que ‘o que está em jogo é a racionalização do processo, que hoje é caótico e ineficiente. Ao tentar licenciar um projeto, sobrepõem-se prazos que se arrastam por anos, pareceres conflitantes entre esferas diferentes do poder público e uma burocracia que desestimula investimentos, inclusive em infraestrutura essencial’.
O que não é caótico e ineficiente no Brasil?
É verdade: licenças ambientais podem levar até uma década e custar caro, sobretudo em grandes obras com alto risco ambiental. Nesse ponto, concordo com as críticas à burocracia e à lentidão, mas discordo da reclamação do ‘alto custo’. Obras como hidrelétricas, mineração, ou estradas na Amazônia, são obras complexas e com enorme potencial destrutivo, portanto, não há como o licenciamento ambiental, que implica uma série de estudos, ser barato.
Mas convenhamos — o que funciona com eficiência no Brasil oficial? Se há algo que ande sem entraves no setor público, que me digam. Assim, de bate-pronto, lembro do SUS – Sistema Único de Saúde. E só. Mas, afinal, quem produz essa máquina emperrada senão o próprio Estado?
Segundo o Relatório Mercator Entity Management 2024, da plataforma internacional Citco Mercator, o Brasil segue entre os países mais caros e burocráticos do mundo para multinacionais operarem. No ranking, ocupa uma das últimas posições, ao lado da Indonésia e dos Emirados Árabes Unidos. No topo, aparecem Singapura, Reino Unido e Austrália, reconhecidos pela eficiência regulatória e infraestrutura digital avançada.
Aliás, nem é preciso relatórios internacionais para afirmarem o óbvio. Uma das caraterísticas mais marcantes de Pindorama, aspectos que os políticos estão carecas de conhecer, é a imensa burocracia. A pergunta que fica é por que eles, os legisladores, permitem essa burocracia que nos sufoca desde a proclamação da República?
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Opiniões dos detratores
A ex-presidente do Ibama, Suely Araújo, afirma que proposta, além de perigosamente permissiva, deve gerar insegurança jurídica, porque em determinados pontos vai contra o que diz a Constituição. Segundo ela, a versão aprovada amplia o alcance da LAC para 90% dos licenciamentos ambientais feitos no Brasil.
‘Temos problemas? Temos. Os processos demoram e poderiam ser mais previsíveis. A gente pode discutir uma série de melhorias procedimentais. No lugar de garantir mais pessoal para realizar os licenciamentos, você começa a transformar o licenciamento em um apertar de botão. Essa é a distorção’.
200 servidores analistas responsáveis por 3.400 processos
Marcos Woortmann, diretor adjunto do IDS (Instituto Democracia e Sociedade), concorda com a ex-presidente do Ibama. ‘Hoje no Ibama temos 200 servidores analistas responsáveis por 3.400 processos, alguns com judicialização, milhares de páginas. É uma máquina desestruturada, com uma vacância de 4.000 pessoas, lembrando que o Brasil tem dimensões continentais’.
Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo no Senado, criticou a transferência, para estados e municípios, do poder de definir o porte ou impacto ambiental das obras e empreendimentos no Brasil. Para ele, a mudança é “extremamente arriscada”.
‘Nós estamos correndo risco de ter uma guerra ambiental. Quem facilitar mais o formato do licenciamento conseguirá atrair (as obras). Eu já fui governador, conheço a estrutura de prefeitura. Imagine, por exemplo, uma cidade pequena. A pressão de um grande empresário sobre o prefeito é muito grande. E eu acho que, às vezes, ele não tem estrutura para resistir a isso’.
Desmonte da Lei da Mata Atlântica
Segundo Malu Ribeiro, Diretora de Politicas Públicas da SOS Mata Atlântica, ‘a emenda 102 ao PL 2.159/2021, que institui a nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental, insere um “jabuti” que na prática desmonta a Lei da Mata Atlântica. A medida revoga os parágrafos 1º e 2º do artigo 14 da legislação em vigor, permitindo que áreas de mata primária, secundária e em estágio médio de regeneração – justamente as porções mais maduras e estratégicas do bioma – possam ser suprimidas sem análise prévia dos órgãos ambientais estaduais ou federais’.
‘A mudança abre brechas para que qualquer município, mesmo sem estrutura técnica, plano diretor ou conselho de meio ambiente, possa autorizar o desmatamento dessas áreas. A decisão retira garantias históricas de proteção e ameaça diretamente os 14% restantes da cobertura original da Mata Atlântica’.
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‘Brasil pode perder o equivalente ao território do Paraná em florestas com nova Lei do Licenciamento’
Já o Instituto Socioambiental, citado em quase todas as matérias da mídia, publicou uma dura Nota Técnica com o título Brasil pode perder o equivalente ao território do Paraná em florestas com nova Lei do Licenciamento.

O texto da Nota Técnica comenta ‘os impactos catastróficos do Projeto de Lei nº 2.159/2021, que tramita no Senado e propõe a criação de uma nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental’.
Selecionamos alguns trechos:
…o PL “apaga” da legislação, para efeitos de licenciamento, 259 Terras Indígenas — ou quase um terço de todas as TIs existentes — e mais de 1,5 mil territórios quilombolas (cerca de 80% dessas áreas) completamente vulneráveis à ação de empreendimentos…
‘Mexer no licenciamento ambiental é mexer em toda a base de sustentação ecológica do país”, alerta Antonio Oviedo, um dos pesquisadores do ISA responsáveis pelo estudo. “Ao enfraquecer esse instrumento, o Brasil estará pavimentando o caminho para mais desastres socioambientais, perda de vidas, e o agravamento da crise climática’.
…‘O projeto também afrouxa ou elimina completamente as condicionantes ambientais, que obrigam empreendedores a adotar medidas de prevenção, mitigação e compensação’...
A opinião do ex-ministro do MMA José Goldemberg
O Mar Sem Fim entrou em contato com o professor emérito da USP que assim avaliou a questão:
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O ponto mais crítico do PL é a emenda do Senador Davi Alcolumbre que inclui à proposta uma nova modalidade, o “Licenciamento Ambiental Especial para Atividades ou Empreendimentos Estratégicos (LAE)”, sendo que a condição de empreendimento estratégico será definida por decreto a partir de proposta bianual do Conselho de Governo, figura criada com a função de assessorar o Presidente da República na formulação da política nacional e nas diretrizes governamentais para o meio ambiente e os recursos ambientais, inclusive de propor obras, serviços, projetos e atividades para a lista de empreendimentos estratégicos, para fins de licenciamento ambiental.
Fica evidente que tal procedimento será uma porta de oportunidades para priorizar os interesses do governo e seus aliados, muitas vezes incompatíveis com a real necessidade do País e na contramão de sua política de estado de redução de emissões de gases de efeito estufa, as NDCs, por exemplo.
O LAE será conduzido em procedimento monofásico, em prazo máximo de 12 meses, observadas seis etapas, todas devendo ser tratadas em regime prioritário por parte das entidades e órgãos públicos de qualquer esfera federativa.
Também se observa uma outra nova modalidade de licenciamento, a Licença por Adesão e Compromisso (LAC) que prevê procedimentos simplificados, porém, tal simplificação deve ser usada somente em caso de empreendimentos de baixo impacto ambiental e baixo risco de poluição.
Opinião do Mar Sem Fim
Grifamos várias declarações dos defensores do novo PL. São palavras e expressões que se repetem, veja: mais agilidade ao processo (Confederação Nacional da Indústria); travar grandes obras (senador Confúcio Moura (MDB-RO), um dos relatores); as regras atuais impedem mais de 5 mil obras de infraestrutura devido à burocracia (setor do agronegócio); hoje é caótico e ineficiente e burocracia que desestimula investimentos (senadora Tereza Cristina, PP, relatora); e assim por diante.
Em nossa opinião, se a vasta maioria dos políticos não legislasse em causa própria, ou por interesses escusos, antes de flexibilizar o licenciamento ambiental deveriam acabar com a burocracia que sufoca o País. Só eles têm poder para tanto. Em outras palavras, para prosseguir e aprofundar as reformas estruturais, diminuir a burocracia e o insuportável ‘custo Brasil’. Como é possível ser rápido e eficiente com 200 pessoas cuidando de 3.400 processos? Que tal investir no Ibama e ICMBio? Quanto à Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC), só pode ser piada, e de muito mau gosto.
O que impede o País de avançar não é o licenciamento ambiental, mas a péssima infraestrutura logística, o baixo nível de intensidade tecnológica, a altíssima carga tributária, educação medíocre, qualificação profissional abaixo da crítica, e burocracia, muita burocracia. Como disse Maílson da Nóbrega, ‘o Brasil tem um encontro marcado com um colapso fiscal’.
Sobre os efeitos da flexibilização no litoral, estamos com Jaques Wagner (PT-BA). Se o projeto passar como está será o fim do que resta de íntegro do litoral. Como o político, conhecemos inúmeros prefeitos de cidades à beira-mar. Sabemos que a maioria não tem condições morais, éticas, e técnicas, de dirigir um botequim, que diria uma cidade complexa e com novos desafios surgindo a cada semana devido ao aquecimento global?
“Mar sem leis”: quem fiscaliza de verdade o mar brasileiro?”