Consumo de peixes e frutos do mar e o mistério do ciclo do mercúrio
Muitas pessoas já ouviram falar que devemos limitar o consumo de peixes e frutos do mar. Isso acontece porque certas espécies acumulam altos níveis de mercúrio tóxico. Mas ninguém, nem mesmo cientistas, sabe como o mercúrio tóxico se transforma no oceano. Vamos esclarecer o mistério: a maior parte do mercúrio que vai para os oceanos de fontes terrestres é formada apenas pelo ‘elemento químico mercúrio’. Uma forma que representa pouco perigo. Os seres vivos podem se livrar dele. O tipo de mercúrio que se acumula a níveis tóxicos nos peixes é chamado de monometilmercúrio, ou simplesmente metilmercúrio, porque possui um grupo metila, o CH3, ligado ao átomo de mercúrio.
O que é mesmo o ‘mercúrio’?
Antes de mais nada, que tal nos lembrarmos sobre o elemento mercúrio? Simples, mercúrio é um metal líquido à temperatura ambiente, conhecido desde os tempos da Grécia Antiga. Seu uso mais frequente se dá em instrumentos de medidas como termômetros e barômetros; em lâmpadas fluorescentes e como catalisador em reações químicas.
Entenda como o mercúrio vai da terra para o mar
São apenas duas hipóteses: cerca de dois terços vêm de atividades humanas. A maior fonte é a queima de combustíveis fósseis, especialmente o carvão, que libera 160 toneladas de mercúrio por ano no ar apenas nos Estados Unidos. Da atmosfera, a chuva ‘lava’ o mercúrio que acaba no oceano. Também despejamos efluentes industriais carregados de mercúrio diretamente em rios ou no oceano. Um terço são causas naturais, como erupções vulcânicas. Voltamos agora ao problema da transformação do mercúrio, nos mares e oceanos, para o metilmercúrio…
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O vilão se espalha entre o fitoplâncton. Depois passa para a cadeia alimentar em quantidades cada vez maiores. Peixes grandes, predadores como o atum, contêm cerca de 10 milhões de vezes mais metilmercúrio que a água que os cerca. Mas o maior problema é que…
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Não sabemos de onde vem o metilmercúrio
Em algum lugar, de alguma forma, algo no próprio oceano converte mercúrio relativamente inofensivo, na forma metilada, muito mais perigosa. Então, onde e como ocorre a conversão de mercúrio em metilmercúrio? Carl Lamborg, biogeoquímico da Instituição Oceanográfica Woods Hole (WHOI), disse que o processo é provavelmente biótico – feito por seres vivos. E por que o Mar Sem Fim aborda o tema mercúrio nos mares e peixes? Para evitar acidentes como…
Consumo de peixes e a tragédia da baía de Minamata
Aconteceu na cidade costeira de Minamata, Japão. E é de triste lembrança. Foi tão forte que a tragédia acabou por batizar uma nova moléstia: a Doença de Minamata, síndrome neurológica causada por sintomas de envenenamento por mercúrio.
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Tudo começou em 1930
Em 1930 uma empresa, a Chisso, se instalou próxima à baía de Minamata onde passou a despejar seus rejeitos de mercúrio. A doença leva alguns anos para se manifestar em seres humanos.
Antes, ela ‘foi reconhecida nos pássaros, que perdiam a coordenação motora, voavam de forma descontrolada e caíam no solo. Também em gatos, que corriam em círculos e espumavam pela boca. Em 1956, o primeiro caso de contaminação em ser humano foi registrado, uma criança com danos cerebrais.
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Mas tarde apareceram outras pessoas com os sintomas: convulsões severas, surtos de psicose, perda de consciência, febre alta e, posteriormente, morte. Outra das consequências é a debilidade mental. O ponto em comum entre as vítimas era que todas ingeriram grande quantidade de peixes da Baía de Minamata. Daí veio a conclusão que estavam envenenadas por mercúrio, utilizado no complexo industrial como catalisador para a produção de plásticos.’
Chisso, a primeira empresa responsabilizada por um desastre ambiental
A Chisso foi a primeira empresa a ser responsabilizada por um desastre ambiental ao ser condenada em 1973. Ela teve que indenizar (600 milhões de dólares) centenas de pessoas que entraram na justiça. E ainda contribuiu para a limpeza da baía. Calcula-se que morreram até hoje 887 pessoas. O trabalho de despoluição da baía começou em 1977 e só terminou em 1997.
O processo de melhoria da Baía de Minamata levou décadas. Só em julho de 1997 o Governador da Província de Kumamoto declarou que os níveis de mercúrio presentes nos peixes e mariscos estavam seguros para o consumo. Apesar disso, se você entrar no site da empresa não verá qualquer menção à tragédia, ao contrário, sua missão é descrita como: “Nossa missão é contribuir para uma vida confortável, uma indústria sustentável, bem como para criar produtos e tecnologias em harmonia com o meio ambiente da Terra.” A Chisso, desde 2012 reorganizada como JNC (Japan New Chisso), é uma gigante química japonesa, importante fornecedora de cristal líquido usado para LCDs.
Convenção de Minamata
As consequências da tragédia foram gigantescas. Em 2005, quase 50 anos depois, o governo do Japão, anunciou diversas iniciativas para dar apoio adicional às milhares de vítimas. Em 2009, aprovou uma lei com medidas especiais para auxiliá-las. Também foi realizado um tratado internacional com o objetivo de oferecer proteção à saúde humana e ao meio ambiente, sendo reconhecido o impacto do mercúrio e seus compostos. Em outubro de 2013, aprovado o texto final da Convenção de Minamata, assinado por 92 países, incluindo o Brasil.
Vídeo assustador
O Mar Sem Fim pensou muito antes de colocar este vídeo com aspectos da doença. Ele é forte demais. Optamos por colocá-lo como um alerta para que outras empresas pensem bem antes de maltratar o meio ambiente. Porque as consequências podem ser as que o vídeo mostra.
Assista a este vídeo no YouTube
Quantidade de mercúrio extraído pela pesca tem aumentado desde 1950
Tudo o que foi escrito antes deste subtítulo foi para preparar o leitor para o que segue. Um estudo realizado por pesquisadores do Departamento de Ciências Biológicas da Universidade de Montreal, publicado na Scientific Reports, alerta que a quantidade de mercúrio extraído do mar pela pesca industrial cresce constantemente desde a década de 1950. Isso aumenta potencialmente a exposição ao mercúrio entre as populações de nações costeiras e insulares a níveis inseguros para o desenvolvimento fetal.
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Como foi feito o estudo
Ele combinou dados sobre a quantidade de mercúrio, vindo da pesca nos oceanos e mares de 1950 a 2014, e o consumo semanal de peixes e frutos do mar pelas populações de 175 países entre 1961 e 2011.
Ao comparar esses dados publicados pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), o pesquisador Raphaël Lavoie estimou a ingestão per capita de metilmercúrio (MeHg) dessas populações, a forma altamente tóxica de mercúrio. Os países de maior risco incluem as Maldivas, Islândia, Malásia, Lituânia, Japão, Barbados e Coreia do Sul.
Consumo de peixes: por que tem aumentado o mercúrio extraído pela pesca
Por vários fatores, entre eles, quanto maior a industrialização, maior quantidade de mercúrio na atmosfera e, em consequência, nos mares. Desde 1950, a demanda por frutos do mar disparou, enquanto os avanços tecnológicos permitiram formas mais intensivas de pesca industrial. Desde a década de 1990, quando a pesca excessiva reduziu drasticamente os estoques, a pesca industrial migrou gradualmente para águas profundas e internacionais. A captura marinha global totaliza 80 milhões de toneladas de peixe por ano, o que significa que também estamos retirando quantidades cada vez maiores de mercúrio. Espécies do topo da cadeia alimentar como, mas não somente, os atuns, contêm as maiores concentrações de mercúrio.
Como o mercúrio afeta a saúde humana
Quando humanos ingerem níveis excessivamente altos de metilmercúrio, as moléculas da toxina podem penetrar na barreira hematoencefálica (estrutura que atua principalmente para proteger o Sistema Nervoso Central de substâncias químicas presentes no sangue) e afetar o desenvolvimento cerebral, especialmente em crianças e fetos.
Consumo de peixes e frutos do mar: recomendações da FDA
Comer grandes quantidades de peixes (especialmente espécies predadoras de topo da cadeia) e frutos do mar durante longo período aumenta o risco de envenenamento. Crianças e fetos são especialmente vulneráveis.
A Agência de Proteção Ambiental dos EUA e a Food and Drug Administration recomendam que mulheres grávidas ou amamentando, mulheres que possam engravidar e crianças, que evitem completamente o consumo de espadarte, tubarão/cação (Apesar de dois nomes são o mesmo animal), cavala, atum e albacora. E não consumir mais de 340 gramas por semana de outros peixes e mariscos. Se você comer mais do que isso em uma semana, reduza a semana seguinte para manter seu consumo médio dentro dos limites sugeridos.
E você, vai se ligar?
Este é mais um dos motivos para você evitar atuns, ou moderar seu apetite por eles. São peixes que estão à beira da extinção, a ponto de haver até mesmo tráfico e corrupção para que sejam consumidos até o último exemplar. Um peixe quefaz parte da história da humanidade. Foi pintado em cavernas pelos homens primitivos, sua imagem foi cunhada em moedas, e é pescado pelo menos desde 700 a.C. Não seria a hora de dar um tempo?
Pense sobre isso.
Fontes de Consumo de peixes e frutos do mar: https://www.whoi.edu/oceanus/feature/how-does-toxic-mercury-get-into-fish; https://phys.org/news/2018-05-mercury-risingare-fish-toxic.html; https://jus.com.br/artigos/69295/doenca-de-minamata-1954-japao; https://www.japaoemfoco.com/a-misteriosa-doenca-de-minamata/.
Eu comprei um grande sitio onde produzo de forma organica tudo o que como junto com a família. Simples assim!
Excelente texto e reportagem, infelizmente seja no Peixe , nos hormônios da carne bonina ou suína, na recente devolução de carde de frango com salmonela da UE de volta ao Brasil, onde vamos conseguir a tão desejada proteína? Não me venham com os Way Proteins !
Por que nos incomodarmos com empresa do outro lado do planeta se você entrar no site da Petrobrás não verá qualquer menção à tragédia das corrupções aos longo de sua existência ao contrário, é um mar sem fim de ufanismos idiotas; cuide de seu umbigo que está mais sujoi e prócimo de você.
ninguem fala da poluição de Ilhabela ??? todas as praias viraram um esgoto a céu aberto ?? no fim do ano surtos de infecção intestinal e doenças de pele … pronto socorro abarrotados …vergonha
A existência da humanidade é uma questão de tempo, e seremos nós mesmos os culpados pelo fim, ou pelo fim do jeito que conhecemos.
Para o bem da sociedade, o Estadão precisa publicar uma correção nesse artigo. Dizer que o mercúrio elementar (metálico) é uma forma que representa pouco perigo é uma afirmativa extremamente grave. Por ser facilmente convertido no composto metilmercúrio, o mercúrio elementar entra no organismo e no ciclo biológico em geral, principalmente nos organismos aquáticos/marinhos onde se acumula. O tempo necessário para o organismo eliminar metade do mercúrio é da ordem de 70 dias. Por isso, a exposição ao elemento se torna acumulativa. Os riscos associados ao mercúrio são tão graves que o velho termômetro já está sendo banido e proibido em todos os países. Sua ação sobre os aminoácidos sulfurados, como a cisteina, gera um derivado capaz de atravessar a barreira hematoencefálica, e chegar ao cérebro, provocando os disturbios no sistema nervoso já comentados. Henrique E. Toma, Professor Titular do Instituto de Química da USP.
Parabéns professor, também me causou estranheza a afirmação na matéria. obrigado pelo esclarecimento.
Até
Obrigado Professor. Imagino o estrago potencial que o mercúrio utilizado nos garimpos ilegais devem estar causando as populações ribeirinhas da Amazônia.
Parabéns professor, a mim também causou estranheza o fato do mercúrio ser descrito como “inofensivo”. É tão perigoso que foi banido dos termômetros. Infelizmente ainda não baniram a venda de soda cáustica ( NaOH) em nosos mercados.
“a maior parte do mercúrio que vai para os oceanos de fontes terrestres é formada apenas pelo ‘elemento químico mercúrio’. UMA FORMA QUE REPRESENTA POUCO PERIGO????!!!!!!!
Em proporções ingeridas eu tenho muito mais medo dos agrotóxicos, que no Brasil a ANVISA/IBAMA permitem o uso enquanto nos países produtores foram banidos.
No Brasil existe uma empresa que tem a tecnologia de remoção de mercúrio de meios aquáticos. Ate de forma lucrativa porque em remover mercúrio recupera o ouro amalgamado.
Serve para todas as areas da America do Sul onde exite ou existia mineracao de ouro.
Estou a disposição para esclarecimentos
O galio e usado tambem p a producao de termometros devido ao seu baixo ponto de fusao e alto ponto de ebulicao sendo usado p aferir altas temperaturas…
.
um aspecto mais que demonstra a vergonhosa atitude da raça humana destruindo terra, ceu e mar muito especialmente ha 100 anos. E em geral, tudo pelo lucro. Money.
Então faça votos de pobreza e assim terás mais direitos de criticar.
João, quase fui bioquímico e formei-me na área de saúde, de modo que entendo um pouco do assunto. Na verdade, não há muito mistério na formação do metilmercúrio, nem isso é relevante para os seus efeitos. O mercúrio tem grande afinidade química pelo radical metil (-CH3), que é encontrado na imensa maioria das substâncias químicas que contêm carbono (orgânicas). O mercúrio é capaz de arrancar o metil de outras substâncias para se ligar a ele.
Exatamente por isso, não é correto dizer que o mercúrio metálico seja nem “relativamente” inofensivo. Mercúrio metálico vaporiza-se com muita facilidade e uma vez absorvido na respiração, vira metilmercúrio quase imediatamente. E a quantidade de mercúrio metálico lançada no meio ambiente é pequena – praticamente todo esse mercúrio está na forma de compostos (óxidos, sais, compostos orgânicos, etc.) e todo ele vira metilmercúrio com muita facilidade.
E para se ter uma ideia da toxicidade do metilmercúrio, ficou famoso o caso da cientista americana Karen Wetterhahn, que era justamente uma especialista em toxicidade de metais pesados. Ela derramou acidentalmente DUAS GOTAS de uma solução BEM DILUÍDA de dimetilmercúrio SOBRE A LUVA DE LÁTEX que estava usando. A substância atravessou facilmente o látex, foi absorvida e foi o suficiente para ela ter uma degeneração nervosa que a matou depois de meses de dolorosa e incapacitante agonia, resistindo a todas as tentativas de tratamento. Algo como um Alzheimer misturado com Parkinson, ambos galopantes e acompanhados de intensas dores, um fim absolutamente horrível!
Ainda bem que não suporto nem o cheiro de peixes e frutos do mar (no supermercado, quando passo pela peixaria, tenho que olhar para o outro lado e prender a respiração para não ter náuseas) e não como de jeito nenhum. Mas quem toma cápsulas de ômega-3, extraídas do óleo de peixe, também tem que ter muito cuidado com a procedência.
Muito bom seu texto, concordo em grande parte, só não referente ao seu gosto pessoal, também sou a área de saúde posso afirmar que existem no meio ambiente outros inúmeros carreadores de metais pesados, muito mais expressivos que o pescado inclusive, a condição sub-clínica de Alzheimer e TDAH é alarmante na população. Porém recomendo plenamente o consumo do pescado pos o Ômega3 representa só uma pequena porção de todos os macro e micro nutrientes biodisponobilizados ao consumo dos mesmos. Acredito que toda fonte de alimento é fundamental para a homeostase da vida, desde que respeitada toda a cadeia da segurança alimentar, com foco na salutabilidade e salubridade no cultivo ou da extração. Condenar o pescado é justamente ir na direção contrária ao cerne da questão… Precisamos sim é rever e aprimorar o métodos e meios de aquisição, cultivo e do manejo do meio. Exigir da cadeia produtiva um postuta mais sustentável em todos os sentidos. Muito disto esta na re-educação para o consumo, mas não na discriminação do consumo.
Bom artigo mas a recomendação americana fala em 12 onças por semana, ou seja 340 gramas.