Condomínio em falésia na Bahia com elevador panorâmico

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Condomínio em falésia na Bahia com elevador panorâmico

Em julho de 2024 a Agência Pública publicou uma matéria que deu o que falar. Trata-se da construção de um resort em cima de uma falésia, situada numa das duas últimas praias desocupadas da região. A praia do Taípe, e a Lagoa Azul, que ficam bem no meio do caminho entre Trancoso e Arraial d’Ajuda. ‘Agora, o ponto turístico corre o risco de uma ameaça maior por um loteamento residencial de luxo com cerca de mil unidades que deve ser construído sobre as falésias localizadas exatamente acima da lagoa que dá nome à praia’. Condomínio em falésia na Bahia? Tem sim senhor!

Falésia da praia do Taípe, Arraial d'Ajuda
A praia do Taípe, patrimônio natural e paisagístico de Arraial d’Ajuda, com sua exuberante falésia agora ameaçada.

Praia do Castelo Fundo de Investimento Imobiliário

O Praia do Castelo Fundo de Investimento Imobiliário, responsável pelo empreendimento, tem entre seus cotistas renomados políticos, alguns baianos, diz a Agência Pública. ‘O projeto contempla a construção de helipontos, elevadores panorâmicos e clubes de esportes e praia’. Entretanto, falésias são consideradas APPs, Áreas de Proteção Permanente,  cuja ocupação é proibida.

“Pense num absurdo, na Bahia tem precedente!”

A frase acima imortalizou o ex-governador do Estado, Otávio Mangabeira (1947 – 1951). Infelizmente, o absurdo que hoje comentamos é mais uma agressão a um litoral já abarrotado de hotéis, pousadas, condomínios, e milhares de casas de segunda residência, grande parte dos quais construídos onde não poderiam: restingas, dunas, falésias, manguezais, etc, todos considerados Áreas de Preservação Permanente.

Estudo recomenda unidade de conservação na área do condomínio

Mas, bem pior que ‘apenas’ mais uma agressão contra nossas lindas falésias, é o fato de a área onde está previsto o empreendimento ser extremamente sensível, bela, e importante para a biodiversidade. Tanto é assim que a prefeitura de Porto Seguro encomendou um estudo que recomendou transformar a região em uma unidade de conservação.

Segundo os defensores da UC, ‘é fundamental a criação da Unidade de Conservação da Lagoa Azul e Falésias. A área protegida deveria começar na foz do Rio Pitinga até a Foz do Rio Taípe. Além disso, urge estabelecer regras claras de preservação, em diálogo constante com a população, bem como de uso e ocupação do solo’.

Mapa da UC em Taípe
Mapa da UC em Taípe/Lagoa Azul. Imagem, Floram.

‘Estudos recentes identificaram uma alta taxa de endemismo, com 36 espécies de fauna ameaçadas de extinção. Em relação à flora, os pesquisadores catalogaram 84 espécies de 46 famílias, incluindo duas espécies protegidas (raras, endêmicas ou ameaçadas) e treze com grande valor ecológico, seja econômico, medicinal, faunístico, ornamental ou como indicadoras de qualidade ambiental’.

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Restrição de acesso às praias

Segundo a Agência Pública, ‘as obras trazem outras preocupações à comunidade local, que teme pela restrição do acesso às praias’.

E tudo isso em benefício do que, ou de quem, perguntamos?

Aparentemente, os únicos beneficiários serão os ‘ricos e poderosos’. Em outras palavras, aqueles cidadãos de primeira classe isentos das regras estipuladas para todos os outros, os cidadãos de segunda classe como eu e você, caro leitor.

Não há como justificar um novo e imenso condomínio. Batizado como ‘Condomínio Residencial Taípe’, ele deverá ocupar uma área equivalente a 319 campos de futebol, em cima de uma falésia. E ainda por cima, apimentado com doses tão altas de absurdos que até Otávio Mangabeira iria estranhar. Entre eles, um ‘elevador panorâmico’!?

Atenção: este não é o primeiro, nem será o último condomínio construído sobre falésias no sul da Bahia, ou no Nordeste. Há diversos deles já em funcionamento, e alguns até mesmo na praia de Pitinga, conforme revela um vídeo de venda da empresa que não se constrange em mostrá-lo, com casas nas bordas das falésias. Assista aqui ao vídeo do Villa Falésias em Arraial D’Ajuda.

Condomínio Villa Falésia
Condomínio Villa Falésia ergueu mansões na beirada da falésia!!

Construção em falésias e a legislação

As falésias são consideradas Áreas de Preservação Permanente (APP) pela Resolução nº 303/02 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que proíbe qualquer tipo de ocupação numa faixa de cem metros, contados da sua borda.

Veja de novo a foto acima, ou assista ao vídeo, e diga a que distância da borda estão estas e muitas outras casas. Além do descarado menosprezo pela legislação, é preciso ser muito burro para comprar uma casa num local sujeito à erosão e desmoronamento. Conforme o jusbrasil, ‘sabe-se que a fixação de empreendimentos nas bordas de falésias altera a topografia da região, o desmatamento acelera o processo de erosão pluvial, e interfere na trajetória do recuo natural da linha de costa’.

‘Os especialistas identificam um aumento no risco de destruição de tais empreendimentos devido ao processo de recuo de modo que há um aumento de risco de destruição com a construção de empreendimentos devido ao processo de recuo’.

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Para encerrar, informa o jusbrasil, ‘falésias são naturalmente áreas de risco, pois estão constantemente submetidas ao processo erosivo que favorece desmoronamentos, tanto no topo, como na base da falésia’.

Fechando estradas em Trancoso

A Agência Pública  apurou que o fundo de investimento instalou, em março (2024), correntes e tocos de madeira no caminho de terra que liga a estrada que vai de Arraial d’Ajuda a Trancoso à praia de Taípe, por onde se chega à Lagoa Azul.

Em protesto, funcionários das barracas de praia se juntaram para retirar as barreiras. Eles temem que o público seja impedido de acessar o local, o que ameaçaria seus empregos.

Condomínio aberrante já conta com licença prévia!

A Agência Pública  mostra que, conforme portaria publicada em dezembro de 2023 pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) da Bahia, o condomínio já conta com licença prévia – primeira etapa do licenciamento ambiental. A autorização aprova a localização e concepção do empreendimento. Além disso, atesta, em tese, sua viabilidade ambiental e determina as condicionantes a serem atendidas nas próximas fases da construção.

“Temos na região uma grande pressão imobiliária, além de conflitos fundiários importantes. A Lagoa Azul é uma das áreas que entendemos como críticas para a preservação. Se não fizermos nada [para protegê-la], daqui a pouco estará tudo tomado”, afirma Marcos Bernardes, professor da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB).

Procurada pela Agência Pública, a Planner Investimentos, administradora do Praia do Castelo Fundo de Investimento Imobiliário, informou que “cumpre somente as obrigações operacionais e regulatórias”. Tanto a Planner quanto a assessoria de imprensa de ACM Neto orientaram que a reportagem procurasse Ricardo Carneiro, o gestor do Praia do Castelo na Planner.

Muçunungas, restingas e encostas vulneráveis a processos erosivos

“Mesmo que o empreendimento mantenha 80% de sua área protegida, o que acontecerá com os outros 20%? Essa parcela enfrentará mais adensamento urbano e expansão do sistema viário. Estamos lidando com muçunungas (ecossistema ligado à Mata Atlântica, no norte do Espírito Santo e sul da Bahia), restingas e encostas vulneráveis a processos erosivos.  Qualquer intervenção pode intensificar esses problemas”, destaca Rui Rocha, presidente do Instituto Floresta Viva. Rocha defende a preservação da Mata Atlântica no litoral sul da Bahia, além de atuar como professor da Universidade Estadual de Santa Cruz.

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Rui Rocha acredita que a discussão precisa ir além desse empreendimento específico e considerar uma análise mais ampla da “Costa do Descobrimento”. Essa região, que abrange o litoral baiano entre Porto Seguro e Belmonte, está amplamente ocupada pelos mercados imobiliário e turístico. “Construir mais um empreendimento de médio ou grande porte na área da Lagoa Azul, uma das poucas ainda preservadas, agravará a degradação dessa paisagem tão frágil e sensível. É essencial proteger e restaurar essa área”, afirma Rocha.

Abaixo-assinado

Os defensores da criação da unidade de conservação apelaram a um abaixo-assinado, já que esta parece ser a única opção para os cidadãos de segunda classe denunciarem as maracutaias dos de primeira classe. O Mar Sem Fim assinou. Caso queira participar, clique aqui.

Em 2024, moradores e pescadores de Trancoso, em Porto Seguro, denunciaram a construção de um condomínio de luxo em cima de um manguezal quase todo decepado!, na praia dos Nativos. E foi graças a protestos como o de hoje que o MPF entrou na disputa com uma ação civil pública que parou a construção, ao menos em primeira instância.

A especulação imobiliária tem uma predileção na banalização do litoral. Insistem em construir mais e mais, em locais sem infraestrutura, e muitas vezes, proibidos. Encontramos vídeos que mostram a enxurrada de esgotos que desce para a praia em razão do superadensamento no sul da Bahia onde o saneamento básico é pífio, há falta de escolas e postos de saúde, e deficiência na coleta de lixo. Mesmo assim, a farra prossegue.

 

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Uma publicação compartilhada por Zé Ricardo﹘Visite Arraial d’Ajuda⎥Trancoso﹘Caraíva﹘Porto Seguro (@visitearraialdajuda)

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Como este site sempre diz, o litoral do Brasil está ao deus-dará, não há quase nenhuma fiscalização como atesta o vídeo abaixo que mostra um carro rodando na praia em que há desova de tartarugas.

Anúncio de empreendimento em falésia no sul da Bahia
Anunciando o crime ambiental…

Ou, então, neste anúncio (acima) estampado nas redes sociais sobre outro empreendimento em cima de falésias.

Por isso é importante que todos que têm sensibilidade para o litoral protestem. A única forma de enfrentar os poderosos de plantão é fazer uso deste recurso. E toda vez que isso acontece, como no caso da praia do Nativo, no mínimo o Ministério Público entra na polêmica.

O outro lado da notícia

O Mar Sem Fim tentou contato com Ricardo Carneiro, o gestor do Praia do Castelo na Planner. Explicamos o tom da matéria, e pedimos que Ricardo justificasse o projeto. Infelizmente, o gestor não quis falar com este site.

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