Charles III, o rei ambientalista, um impulso à causa?
Rei morto, rei posto. Assim é a lei da vida. A monarca, cujo reinado foi o mais longevo, se foi. Enquanto milhares prestam suas últimas homenagens, jornais ingleses se perguntam como será o reinado de Charles III e suas predileções, entre elas, a causa ambiental. O Guardian estampou a manchete Will Charles III be as green a king as he was a prince?, em outras palavras, Será que Carlos III será um rei tão verde quanto foi como príncipe? Enquanto isso, o Independent foi de King Charles III hailed as ‘possibly most significant environmentalist in history’, ou seja, Rei Carlos III aclamado como ‘o ambientalista possivelmente mais importante da história’.
Um possível impulso à causa ambiental
A cada dia que passa temos menos tempo para agir. Os sinistros avisos da natureza aparentemente não encontram eco em meio a tantos problemas pontuais. Primeiro, tivemos a pandemia. Foram dois anos de reclusão em que o tema não teve a atenção que merece.
Em seguida, o improvável mais uma vez tomou a dianteira, escanteando novamente o assunto que não quer calar. A Guerra na Ucrânia atrasou medidas, e até mesmo contribuiu com mais emissões enquanto colocava em banho-maria os planos de Joe Biden (investimentos e subsídios para a descarbonização), só recentemente alcançados.
Assim, apesar dos esforços de organismos multilaterais como a ONU, por exemplo, cujo Secretário-geral procura os termos mais duros para alertar o público como o fez António Guterres na Alemanha (2022), quando disse que sem ações mais efetivas o mundo caminha para um suicídio coletivo, não se vê num horizonte próximo as medidas necessárias. Desse modo, a coroação como rei de um notório ambientalista pode ser uma boa novidade.
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O Guardian trouxe uma declaração de Charles ainda nos anos 70 que revela como o então Príncipe de Gales estava preocupado com a ‘maior ameaça à vida no planeta’.
“Enfrentamos neste momento os terríveis efeitos da poluição em todas as suas formas cancerígenas. Há a crescente ameaça de poluição por óleo no mar, que quase destrói as praias e certamente destrói dezenas de milhares de aves marinhas.” E prosseguiu o jovem príncipe:
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“Há poluição química lançada nos rios por fábricas de produtos químicos, que entope os rios com substâncias tóxicas e aumenta a poluição nos mares. Há a poluição do ar por fumaça e gases liberados por fábricas, além de gases bombeados por carros e aviões sem fim.”
Convenhamos que, ao fazer tais declarações aos 21 anos de idade, Charles mostrou que estava muito adiante de seu tempo. Neste sentido, mesmo tendo uma posição quase decorativa, ele pode ajudar, e muito, a causa ambiental. Vamos nos lembrar que a família Windsor é uma das mais visadas do mundo.
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O Guardian lembra que entre seus vários conselheiros, um deles foi Tony Juniper, ex-chefe da Friends of the Earth e atual chefe da Natural England; ou Jonathon Porritt, ex-chefe do Partido Verde e da ONG Amigos da Terra. Portanto, escola ele teve.
“Terra, um paciente moribundo”
Assim como hoje o Secretário-geral da ONU afirma que a inação significa suicídio coletivo, ‘em 2013 ele fez um discurso surpreendente criticando “os céticos confirmados” e “a associação internacional de lobistas corporativos”, que ele disse serem responsáveis pela Terra ser um paciente moribundo.’
E Charles fez mais do que simplesmente falar. Ele igualmente agiu. Ainda em 1976 fundou a Prince’s Trust, instituição de caridade para ajudar jovens vulneráveis com treinamento profissional e educação.
Segundo a Wikipedia, ‘O Prince’s Trust é uma das organizações de financiamento de maior sucesso no Reino Unido e a principal instituição de caridade para jovens, tendo ajudado mais de 950.000 a mudar suas vidas, criado 125.000 empreendedores e dado apoio empresarial a 395.000 pessoas. De 2006 a 2016, seu trabalho para a juventude valeu cerca de £ 1,4 bilhão.’
Agricultura orgânica, uma de suas paixões
A agricultura orgânica é outra das obsessões de Charles desde 1985, quando transformou um terreno de 1.100 acres de sua propriedade, em Gloucestershire, na Duchy Home Farm, uma fazenda orgânica onde produzia, entre outros, aveia, trigo, ovos, etc. Além disso, ainda arrendou outros 800 acres, resultando em mais de 1.900, todos sob a certificação da Soil Association.
Segundo o www.farmersguide.co.uk, ‘ Os produtos da fazenda foram usados para iniciar a marca Duchy Originals, agora conhecida como Waitrose Duchy Organic.’ Contudo, sabendo que cedo ou tarde tornaria-se rei, em 2020 o então príncipe não renovou o arrendamento de sua fazenda.’
Já o www.mofga.org diz que ‘a Duchy Home Farm é uma das maiores fazendas orgânicas do Reino Unido. Com mais de 20 anos de sucesso, tornou-se conhecida em todo o mundo e é frequentemente visitada e estudada por cientistas, pesquisadores, jornalistas e outros agricultores.’
Por estas e outras, passou a ser chamado de Patrono para a Sustentabilidade. Contudo, os imperativos do cargo não permitiram que se dividisse. Abriu mão de sua fazenda ao aproximar-se do trono. Ainda assim, é mais uma prova que faz a diferença, levou a sério a questão ambiental. E agiu coerentemente.
Presença marcante na COP26
Mais recentemente, na COP26, Escócia, fez um belo discurso onde cobrou os líderes (que) ‘sabem muito bem que o custo da inação é muito maior que o da prevenção.’ E ainda exortou-os a, ‘acharem juntos maneiras de superar as divergências para que possamos todos trabalhar para resgatar este precioso planeta e salvar futuro de nossos jovens.’
Também usou sua influência para conseguir aliados na iniciativa privada. Convenceu vários empresários de porte mundial a investirem em operações ecológicas já testadas e sabidamente eficazes ainda que possam custar um pouco mais no inicio.
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E, como mostra o texto, desde sempre defendeu uma agenda ambiental. Muito antes de muitos dos melhores pesquisadores ou ativistas atuais.
Mérito dele.
O rei ambientalista
O rei ambientalista, contudo, tem pouco poder e ainda não se sabe até que ponto palpitará no governo. Provavelmente, muito pouco como determina a tradição, e como já admitiu declarando que ‘jamais tomará qualquer medida’ a não ser as reservadas para um rei. E a um rei não é permitida a intromissão no governo.
Ainda assim, num mundo repleto de negacionistas sempre é promissor saber que uma personalidade tão visada tenha esta postura correta e idealista desde os 21 anos de idade.
Nosso respeito pela a dor da população da Commonwealth, em especial os ingleses, pela saída de cena da excepcional chefe de Estado. Mas, simultaneamente… God Save the King!