Cavas subaquáticas: projeto de Lei que proíbe a construção no Brasil avança na Câmara dos Deputados
A Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados aprovou por unanimidade Projeto de Lei 3285/2019 que proíbe a construção de cavas subaquáticas no País. A proibição atinge a abertura de cavas em oceanos, rios, lagos, lagoas ou estuários. E que tenham a finalidade de ser um depósito de “resíduos sólidos, semissólidos e pastosos ou sedimentos contaminados”. Cavas subaquáticas são enormes crateras cavadas nos leitos de mares, rios, oceanos, lagos e estuários, explica a deputada Rosana Valle, autora do Projeto de Lei. Elas confinam sedimentos dragados desses leitos, com o objetivo de aprofundá-los, a fim de permitir a navegação de embarcações de maior porte. Mas a maioria desses sedimentos tem alto grau de contaminação, incluindo por metais pesados.
Cava subaquática no estuário de Santos tem o tamanho do Maracanã
Existem duas cavas subaquáticas no Brasil que armazenam sedimentos contaminados. Uma está localizada na Baía de Sepetiba, no Rio de Janeiro. A outra foi cavada ao lado do manguezal do Largo do Casqueiro, em Cubatão, na região do estuário de Santos-São Vicente, litoral paulista. Estuários são berçários da vida marinha. Portanto, deveriam ser preservados. Mas, com 25 metros de profundidade, 480 metros de diâmetro, e capacidade para armazenar 4 milhões de m3 de sedimentos, a cava do estuário santista é maior que o estádio do Maracanã. Ela recebe os sedimentos do Canal de Piaçaguera, entre Santos e Cubatão. O canal é o único acesso a um terminal do Porto de Santos operado por empresas privadas. Mais duas cavas já tinham sido aprovadas para serem construídas também na Baixada Santista: uma no Largo do Canéu, em Santos, e a outra em Cubatão.
Cava subaquática de Santos é comparada a Brumadinho
“Com os desastres em Minas Gerais, especialmente Brumadinho, os olhos de todos voltaram-se para outras barragens e para Cubatão, onde a construção dessa cava subaquática já vinha repercutindo negativamente há alguns anos. E provocando várias reuniões e audiências públicas. Ela já é chamada na região de ‘Brumadinho da Baixada Santista’”, diz a deputada. O apelido é pelo risco ao meio ambiente e aos seres humanos. A cava está localizada a apenas cinco quilômetros do Centro de Cubatão, 5,5 quilômetros do Centro de Santos, a 3,2 quilômetros da área continental de São Vicente, a oito quilômetros de Vicente de Carvalho. E a apenas dois quilômetros da Vila dos Pescadores, comunidade com 20 mil habitantes.
Projeto de Lei prevê desativação das cavas subaquáticas existentes
Por isso, segundo a parlamentar, o relator do Projeto de Lei na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara, deputado Rodrigo Agostinho, foi além do que a proposta original previa. O substitutivo aprovado determina ainda que “as cavas subaquáticas existentes no País deverão ser desconstituídas e os ambientes alterados recuperados pelas empresas responsáveis pela geração do passivo ambiental, no prazo de cinco anos”, a partir da data de publicação da Lei. Processo que exigirá estudo de impacto ambiental e licenciamento prévio dos órgãos competentes, diz o Projeto de Lei. Ele agora tramita naComissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara. Este é o último passo, antes de seguir para o Senado.
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“A Comissão de Meio Ambiente teve grande mérito nessa aprovação. E foi até mais dura, prevendo a descontinuidade das cavas. Realmente, não podemos deixar um passivo ambiental do tamanho do estádio do Maracanã para as gerações futuras. Esses resíduos podem ser tratados e confinados em terra com maior segurança. São pessoas e o nosso estuário marinho que estão em risco”, enfatiza Rosana Valle. Os parlamentares argumentam ainda que cavas são proibidas em diversos estados norte-americanos e países europeus. Onde elas são aprovadas, a capacidade total não ultrapassa 200 mil metros cúbicos.
Canal de Piaçaguera tem poluentes banidos em convenções internacionais
O tamanho delas lá fora é um grande contraste quando comparadas à de Cubatão. A Cava do Largo do Casqueiro já armazena 2,6 milhões de metros cúbicos de sedimentos, segundo a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), que emitiu as licenças ambientais para a operação de dragagem e da construção da cava. “A região onde é feita a dragagem (Canal de Piaçaguera) é a mais contaminada do estuário do Porto de Santos. Os níveis de poluição são quatro vezes maiores que o maior já encontrado na literatura do gênero. Esta cava fica no estuário de Hudson-Raritan, em Nova York/New Jersey, nos Estados Unidos”, dizem os parlamentares. Os sedimentos depositados na Cava de Cubatão têm contaminantes banidos pela Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes.
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Riscos de câncer, mutações genéticas e doenças cardiovasculares
Tem “hexaclorocicloexano acima dos limites estabelecidos. Bem como o DDT. E produtos da sua degradação, como DDD e DDE e DIELDRIN. Além disso, Hidrocarbonetos Aromáticos Policíclicos, muito perigosos à saúde humana, foram detectados em quantidades astronômicas. O potencial toxicológico deletério desses resíduos é impressionante. Por exemplo, em relação ao Dibenzo(ah)antraceno, ao Benzo(a)pireno e ao Benzo(a)antraceno, existem estudos científicos suficientes para caracterizá-los como genotóxicos, mutagênicos e carcinogênicos. Ou seja, causadores de danos e mutações de diversas ordens nos genes”, ressalta o relator. “A contaminação pode causar o surgimento de doenças respiratórias, cardiovasculares, neurológicas, gastrointestinais e, como já mencionado, câncer.” Além de mutações genéticas em fetos.
Largo do Casqueiro, antes área de pesca e abrigo de aves migratórias
“A região do Largo do Casqueiro, onde a cava foi construída, era local de natureza virgem. Um banco de sedimentos que servia de abrigo para aves migratórias e criadouro para diversos organismos marinhos, como peixes, siris, caranguejos, ostras e mariscos, todos largamente consumidos pela população em geral. Em especial as ribeirinhas, pescadores artesanais que dependem desse alimento para a sua subsistência”, prossegue Agostinho. Hoje, os pescadores já não frequentam mais essas águas por medo, como mostra uma reportagem do Repórter Eco, da TV Cultura. Segundo a deputada Rosana do Valle, que é de Santos, a cava é exposta e o mau cheiro, insuportável.
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Conforme os parlamentares, a deposição dos sedimentos contaminados em cava subaquática também dificulta o monitoramento ambiental pelas prefeituras, órgãos ambientais e pelos cidadãos. “Ela inviabiliza a pesca artesanal que era realizada nas imediações. Existe o risco permanente de dispersão de poluentes até as praias pelo movimento das marés. E contaminação dos rios, do mangue e do pescado. A cava subaquática não retém os poluentes que conseguem migrar para a superfície, poluindo as águas e os sedimentos de forma diluída, lenta, porém inexorável e de difícil monitoramento.”
Construir cavas subaquáticas é mais barato do que tratar sedimentos contaminados
A única alternativa ambientalmente sustentável para o enfrentamento do problema dos sedimentos contaminados, eles afirmam, são o seu tratamento e disposição em aterros confinados em terra. Assim, é possível checar com segurança se há extravasamento para o meio ambiente. “É sabido, entretanto, que o custo de tratamento e disposição em terra dos resíduos é muito maior. O correto despejo em cava terrestre e acondicionamento em ecobags, tratando o resíduo líquido e montando um permanente monitoramento para controlar um volume tão elevado de sedimentos custaria cerca de R$ 500 milhões. A simples dragagem dos sedimentos e despejo sem qualquer tratamento 5 km adiante na cava subaquática tem um custo da ordem de R$ 100 milhões”, observa o relator.
Cavas subaquáticas “são lixões submersos de sedimentos tóxicos”
“Parece-nos legítimo perguntar se não foram razões de ordem econômica que determinaram a escolha da cava subaquática como solução para a disposição dos sedimentos contaminados, em detrimento do meio ambiente e da saúde da população. A verdade é que a cava subaquática é um verdadeiro lixão submerso de sedimentos tóxicos. Elas não atendem ao critério de melhor tecnologia disponível. E não se enquadram na categoria de projetos sustentáveis”, sustenta Agostinho.
Canal de Piaçaguera, sedimentos contaminados por décadas
O Canal de Piaçaguera, bem como rios e outros cursos d’água da região, foram duramente castigados nas décadas de 1960 e 1970 por resíduos tóxicos de empresas instaladas no Polo Industrial de Cubatão. Ficou muito conhecido mundo afora por ser uma das maiores áreas industriais da América Latina. E também pelas altas emissões de poluentes no ar, além de contaminação das águas. É ainda um dos grandes polos produtivos do mundo, abrigando importantes indústrias siderúrgicas, petroquímicas, químicas, de fertilizantes e empresas de logística. Esses resíduos se acomodaram no leito com o tempo. Fora eles, o Canal de Piaçaguera também foi recebendo ao longo dos anos sedimentos que escoaram de rios da Serra do Mar. Dessa maneira, ficou mais raso, impedindo que embarcações de maior porte conseguissem navegar e chegar aos terminais privados do Porto de Santos.
Grandes empresas envolvidas no processo
O processo de dragagem do Canal de Piaçaguera começou na metade da década passada, quando foram realizados os Plano de Trabalho para Elaboração do Estudo de Impacto Ambiental-EIA e o Relatório de Impacto Ambiental-RIMA, entre 2003 e 2004, e concedidas as primeiras licenças ambientais pela CETESB,em 2005, para a Cosipa. A usina siderúrgica Cosipa, depois adquirida pela Usiminas, e a Ultrafértil são as principais responsáveis pela contaminação do Canal. Passivo mais tarde assumido pela Usiminas e pela VLI, que compartilham o braço privado do Porto, em constante expansão. A VLI opera o Terminal Integrador Portuário Luiz Antônio Mesquita (Tiplam). Ela tem entre seus principais acionistas a mineradora brasileira Vale, o fundo canadense Brookfield e a japonesa Mitsui. O Fundo de Investimento de Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FI-FGTS) também é acionista importante.
MPF e MPE movem ação contra a CETESB e a Usiminas
O Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado de São Paulo (MPE) movem ação conjunta contra a Usiminas e a CETESB desde 2017 para suspender as atividades no Canal. Eles contestam os atuais níveis de dragagem e a construção da Cava do Largo do Casqueiro. Segundo os órgãos, as licenças concedidas pela CETESB nos últimos anos já não seriam mais válidas. Elas estariam baseadas em um EIA-Rima que venceu em 2010. Não foi renovado e as atividades ainda foram ampliadas além do que previa. Incluindo para as operações de dragagem e construção da cava.
Dragagem inicial de até 12 metros já alcança quase 15
O plano ambiental inicial previa dragagem de até 12 metros de profundidade. Hoje já está em 14,5 metros e se aproxima dos 15, ressaltam os órgãos. “Mais três metros é um volume muito superior, que merece um novo estudo de impacto ambiental. O estudo ambiental também não apresenta a construção da cava como primeira opção. Ela vem em terceiro lugar. No entanto, teve licença ambiental concedida pela CETESB para instalação em 2016, e operação, a partir de 2017”, diz o procurador da República Antonio José Donizetti Molina Daloia, do MPF.
MPF foi contra a construção da cava antes da concessão da licença ambiental
A licença para a construção da cava foi concedida, observa Daloia, mesmo depois de o MPF se manifestar contra. Ele se baseou em laudos técnicos que apontam os riscos desse tipo de confinamento de sedimentos contaminados. “Não tem nenhuma segurança. O próprio EIA-Rima já apontava como principais soluções a disposição em terra.” O MPF e o MPE também afirmam que a área utilizada para a construção da cava, como toda região estuarina, pertence à União. “A Secretaria do Patrimônio da União (SPU) não autorizou a implantação dessa cava”, diz Daloia. Na ação, os autores apontam que um bem público está sendo usado, “ao que parece, unicamente para permitir o aprofundamento do canal de navegação. Ou seja, o melhor aproveitamento econômico de terminal de uso privativo, localizado fora do Porto Organizado”.
Cavas subaquáticas: Processo hoje tramita em segunda instância
“Caso não seja paralisada a atividade, serão toneladas de sedimentos contaminados não aptos ao descarte oceânico dispostos em cava subaquática aberta no Largo do Casqueiro (área que era virgem), sendo que mais de 7.000 (sete mil) m³ desses sedimentos contaminados extravasarão para o estuário conforme informação da CETESB (0,3% do total). Ainda, após se enterrar sedimentos altamente contaminados na cava, ela será recapeada com sedimentos de granulometria diversa dos sedimentos do estuário (mais uma alteração no meio ambiente)”, diz a ação movida contra a Usiminas e CETESB. Em primeira instância, a decisão foi desfavorável ao MPF e MPE. Os órgãos, entretanto, recorreram. A ação tramita hoje no Tribunal Regional da 3ª Região, em Santos.
CETESB diz que cavas são estruturas seguras e com tecnologia de ponta
Em nota, a CETESB informa que “as cavas são estruturas adotadas em diversas partes do mundo há muitos anos. E, sob o ponto de vista de engenharia, fazem uso de tecnologia de ponta para sua construção e utilização. A opção pelo uso de cavas subaquáticas é comprovadamente segura para a destinação de material dragado”. A Companhia de Saneamento prossegue: “As atividades de dragagem do Canal de Piaçaguera têm sido realizadas em etapas, em conformidade ao preconizado desde o início do licenciamento ambiental, em 2003, de que trata o processo SMA nº 13.781/2002 (até o momento composto por 268 volumes, totalizando 65.834 folhas, com consulta a qualquer interessado mediante agendamento prévio)”.
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Cavas subaquáticas “apresentam atributos ambientais, técnicos e econômicos adequados”
A CETESB afirma ainda, na nota, que “a concepção da CAD (cava) Casqueiro foi objeto de avaliação cuidadosa no âmbito do licenciamento. Suas características construtivas e locacionais foram estabelecidas de forma a que riscos de extravasamento ou dispersão de pluma de sedimentos fossem evitados. Esta opção foi escolhida dentre diversas outras (capítulo 5 do EIA-RIMA da dragagem do Canal de Piaçaguera), pois apresenta atributos ambientais, técnicos e econômicos adequados para a destinação dos materiais dragados da Etapa II do Canal de Piaçaguera”.
Monitoramento gerou banco com mais de 56 mil dados
“Durante a operação de dragagem do canal e disposição na cava, um total de 2,6 milhões de metros cúbicos de material dragado foi disposto de maneira segura em seu interior. Foram encaminhados à CETESB boletins quinzenais. E não houve constatação de desconformidades durante as operações. E tampouco na etapa presente. A de adensamento do material dragado em seu interior. Terminada essa etapa, uma camada de 1,5 m de material inerte oriundo de fora do Estuário será disposta para ‘fechar’ a cava. E, dessa forma, dar início à recomposição natural do local”, diz a CETESB, acrescentando que o monitoramento é constante. Eles já geraram, ela afirma, um banco com mais de 56 mil dados; 38 mil somente para a qualidade da água.
“A necessidade ou não de autorização da União tem caráter administrativo”
“Os resultados das análises de qualidade de sedimento, comunidades aquáticas e bioacumulação também indicam não haver qualquer alteração decorrente dessas atividades. Dessa forma, há farta demonstração de que não há risco à qualidade ambiental regional ou à saúde pública”, informa a nota. Segundo a CETESB, “a questão da necessidade ou não de autorização da União tem caráter administrativo. E é questão controversa que se apresentou de modo superveniente, somente após a emissão das licenças da Etapa II. O SPU foi consultado no início do procedimento de licenciamento e por mais de 10 anos não se manifestou sobre a questão da necessidade ou não de autorização para este tipo de intervenção em área com espelho d’água”.
Não há prazo para fechamento da Cava subaquática de Cubatão
A CETESB informa também que a “disposição de sedimentos na CAD se iniciou em 16/07/2017, tendo ocorrido dois períodos de intervalo com vistas ao adensamento do sedimento depositado em seu interior até o momento. O primeiro entre 01/01/2018 a 04/04/2018. E o segundo, iniciado em 18/09/18 e que segue em curso. Cumpre esclarecer ainda que a previsão inicial do término do segundo período de adensamento era agosto/2019. Esta previsão foi postergada devido aos resultados do monitoramento do perfil de adensamento do material dragado disposto na CAD. Tal monitoramento vem sendo realizado conforme preconizado no licenciamento ambiental e deverá dar base ao estabelecimento de cronograma para seu encerramento, com a colocação de cobertura (capping). Desse modo, os dados obtidos até o momento não permitem ainda o estabelecimento do prazo da etapa de capping da CAD Casqueiro”. Ou seja, não há prazo ainda para o fechamento da Cava.
Fontes: http://www.mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/noticias-sp/mpf-e-mp-estadual-movem-acao-para-interromper-dragagem-no-canal-de-piacaguera; https://www.atribuna.com.br/opiniao/rosanavalle/a-cava-%C3%A9-boa-para-quem-1.54939; http://www.vli-logistica.com.br/conheca-a-vli/portos/tiplam-sp/; http://www.vli-logistica.com.br/wp-content/uploads/2017/12/tiplam_2.png; https://www.youtube.com/watch?v=9lDtcKkSB7Y; https://app.mercadomaritimo.com.br/articles/-LSjK6wDGDOd9aaj4lzC/terminal-da-vli-expande-operacao-e-eleva-capacidade-para-graos-e-acucar-em-santos.
Óbvio que é uma aberração. E os secretários de. Meio ambiente?
Deve haver um engano. Se é um projeto de lei tramitando na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara, uma vez aprovado nesse fórum. não poderá ser o último passo antes da sanção presidencial. Favor verificar.