Alonso Irineu Goes, um navegador sem igual
No inicio do mês de maio de 2015 eu estava na foz do São Francisco gravando programas para a série sobre as UCs federais marinhas. Pela manhã, bem cedinho, recebi uma ligação. Meu grande companheiro, Mestre do mares, Alonso Irineu Goes partia pra sua última viagem.
Foi um choque apesar de eu saber que sua saúde estava precária. No meio daquele cenário deslumbrante, que tanto gostávamos, relembrei nossas navegadas pela costa brasileira, argentina, chilena e na Antártica.
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Foram mais de 40 mil milhas sem um único acidente. Obra do Mestre. Nunca conheci alguém que gostasse tanto do mar. Aquele era o habitat natural do Alonso. Ali ele se sentia pleno, completo, feliz.
Fosse tempo bom, ou ruim, ele estava em seu elemento natural. Ele não era apenas um homem do mar. Era um homem completo. Um excelente caráter, amigo, ótimo pai de família.
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Um choque para os amigos
Minutos depois começaram as ligações dos amigos, todos derrubados, lamentando a perda: Paulina Chamorro, embargada, quase não conseguiu conversar. Fernando Cerdeira, velejador que nos acompanhou em algumas etapas, com voz cavernosa estava desolado.
Meu filho José, ‘criado’ por ele, ligou em seguida. Foi Alonso quem ensinou os segredos do mar ao meu pequeno, assim como ao mais velho, Luis. Eles eram amigos do Alonso apesar da diferença de idade. Ruy, meu irmão mais velho, preocupado, contou que tentou fazer uma homenagem ao Mestre, publicando um anúncio no jornal, mas não havia mais tempo.
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Lembrei das várias regatas que fizemos, que ele tanto gostava. Foram três só para Trindade. Nunca vou esquecer de nossa chegada na primeira edição da Eldorado-Brasilis quando Alonso, embevecido pela beleza da ilha, entrou em êxtase. Aquele homem duro, severo, abriu um sorriso e não parava de exclamar: ‘Que beleza, meu Deus!, que beleza!’
Da vela para o motor
Vinte anos, e milhares de milhas depois, vendi o veleiro e passei para o trawler. Alonso não gostou. Sentia falta da vela.
Relembro o que escrevi quando voltei da Antártica, depois do naufrágio do Mar Sem Fim, um duro golpe que sofremos juntos. Eu queria que o público que acompanhou nossa desventura soubesse quem era quem na tripulação.
Trabalhando com Alonso Irineu Goes
Trabalho com o Alonso há cerca de 20 anos. Somos mais que parceiros. O tempo nos transformou em amigos. No passado, quando navegava no veleiro Mar Sem Fim eu não tinha marinheiros. Viajava sozinho com conhecidos, ou namoradas. O tempo passou. Casei e tive filhos. Quando o mais velho nasceu, Luis (hoje com 16 anos e estudando no Canadá…), continuei a usar o barco com ele e minha ex-mulher, Gabriela. Meu filho tinha apenas seis meses de idade quando esteve a bordo pela primeira vez. Então percebi que não dava mais conta sozinho. Além da navegação, das noites em claro com mar ruim, eu tinha agora como companheiros mulher, e filho pequeno. Precisava ajuda. Recorri ao Plínio (amigo de longa data) de novo.
Eu queria “um cara do ramo”
Expliquei a situação e pedi sugestões. Eu queria “um marinheiro do ramo”, que trouxesse segurança à família. Não demorou pra me apresentar Alonso. Marinheiro raçudo, Catarina, ex-pescador, ex- mestre em barcos de pesca, e com um belo currículo na vela. Logo depois nasceu meu segundo filho, José, que também freqüentou o barco desde bebê.
Com as crianças descobri uma nova faceta do Alonso Irineu Goes: a candura
…o carinho, que ele quase nunca consegue demonstrar aos adultos flui com naturalidade para os mais novos. É impressionante como trata os pequenos com gosto, tomando conta, divertindo, mostrando as primeiras regras do mar conforme vão crescendo, ensinando a pescar ou a pilotar motores de popa. Luis e, especialmente José, são amigos do Alonso, cresceram com ele ao redor.
Navegando pela costa brasileira
Quando fizemos a costa brasileira era comum eu ligar para meus filhos, do barco, pra matar as saudades. Naquela época eu ficava meio mês a bordo, meio em São Paulo. Era o tempo dos documentários para a TV Cultura. Depois de papear com o Luis contanto novidades e perguntados as dele, vinha o José :” Oi Pai, tudo bem, deixe eu falar com Alonso?”. Eu ficava sem graça. Comigo ele não queria papo, mas com o Alonso… E o cara é versátil. Um marinheiro só vira “lobo do mar” se tiver uma boa passagem pela vela. Alonso teve escola. E das boas.
Escola no Wa Wa Too
Nos anos 70, quando Fernando Nabuco montou uma tripulação para correr regatas internacionais no legendário Wa Wa Too, Alonso fazia parte do grupo. Entre outras ele participou da famosa Admiral’s Cup, organizada pelo Royal Ocean Racing Club, da Inglaterra, uma espécie de campeonato mundial, não oficial, de veleiros de oceano. Outra regata emblemática era a Bermuda’s Race, uma competição bi-anual que existe desde 1906. Participando de uma delas o Wa Wa Too pegou um rabo de furacão. Durante vários dias navegaram em árvore seca (sem nenhuma vela) com ventos de 60, 70 nós e mais, fazendo 8, 10 milhas de velocidade enquanto esperavam o tempo melhorar. Juntos fizemos mais de 40 mil milhas pelo litoral do Brasil. Como conto no livro O Brasil Visto do Mar Sem Fim (editora Terceiro Nome), Alonso é indispensável.
Alonso irineu Goes é daqueles que enxerga o vento
Ele é daqueles que “enxerga o vento” quando ninguém o vê, e “lê o mar”. Me ensinou demais. Devo muito, mas muito, ao Alonso. Ele está na casa dos sessenta. Para quem não é íntimo, se mostra reservado. Às vezes até carrancudo. Mas é fachada. Construída não sei por quê. Por trás da máscara está uma pessoa emotiva, amorosa. Um ótimo caráter. Excelente profissional, amigo verdadeiro, e o melhor cozinheiro entre os barcos que já naveguei. Opinião partilhada por todos que viajaram com ele. No passado, quando fiz a costa brasileira de veleiro por dois anos, para os documentários da Cultura, foi o Alonso quem morou a bordo. Ele adorava o velho Marzão e seus dois mastros. Não gostou quando passei pro motor. Brigou comigo. Ficou triste de perder a vela, as regatas em Ilhabela, ou as várias Recife-Noronha que fizemos.
Participando da eldorado-brasilis
Foi com ele que participei da Eldorado-Brasilis, de Vitória no Espírito Santo, para a ilha de Trindade, 600 milhas ao largo. Que bela regata era aquela! Cinco a seis dias de mar e vento só pra chegar. Acho que fizemos três delas. O homem virava um bicho! Não dormia, velejava o tempo todo, cozinhava mesmo com barco adernado e jogando. Valia por dez.
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Desta vez (na viagem do naufrágio) ele não se entusiasmou com a Antártica. Quando liguei pra avisá-lo percebi algo estranho, ele não queria ir… um sexto sentido no ar. Insisti e ele não me abandonou. O resto se sabe.
O que não contei desta personalidade marcante é o grande amor pelos barcos, e à profissão. Bonito de ver.
Não queria abandonar o Mar Sem Fim em Fildes. Tive que falar grosso com ele. Praticamente exigi que abandonasse o barco junto conosco.
Na noite posterior ao naufrágio não conseguiu dormir. Estávamos no mesmo beliche. De cima pude ouvir, a noite toda, um choro abafado, sentido. De quem não se conforma em abandonar um barco.
Um grande abraço, meu amigo. Faço questão de tornar pública minha admiração, agradecimento, e respeito. Você sempre foi, e continuará sendo, imprescindível. O Mar Sem Fim está órfão.
Meus sentimentos à toda família.
Porra…. O Alonso no Wawatoo 3 eu tinha 5 anos e acordava em búzios chacoalhando pra caralho e adorava o movimento do wawa e o Alonso fazendo os sandubas simples , pão queijo e presunto. E ver aquele barco bonito no vento de proa uns 20 knots.
opaa joao lara mesquita,gostei muito da homenagem ao meu avô..foi um homem fantastico ,muito aprendi com ele…saudade eh grande
Oi, João Victor, pode ter certeza que eu sinto muitíssimo. O Alonso era um grande caráter, e um excelente marinheiro. Nunca mais vai aparecer outro como ele. Não tenho dúvidas. Seu avô foi o último dos grandes marinheiros. Conhecia tudo de veleiros e barcos a motor. E tinha a costa brasileira, na palma da mão. Grande Alonso!
Grande Alonso, uma pena não termos nos conhecido. Fez parte da mesma tripulação que meu pai no Wa Wa too lll. Muita admiração!
Há, parabéns pelo programa! Infelizmente mostra o quão os nossos recursos naturais estão desprotegidos e pressionados pelos especuladores de plantão – grandes investidores, pessoas de posse, má gestão ambiental alienada a interesses políticos exclusos – e no meio os povos tradicionais, desrespeitados, guardiões de seus modos únicos de interação com esses recursos, com suas embarcações típicas. Obrigado.
Nóa é que agradecemos a audiência e compreensão, Antonio. Muito obrigado pela mensagem. Volte sempre! abraços
Grande João! Belas palavras, mostram gratidão. Abraço.
Abraços e muito obrigado. Volte sempre!
Putz que pena! Gente assim não deveria morrer nunca.
É verdade, Luiz, fico impressionado com a quantidade de gente que até hoje se manifesta. Todo dia recebo dois ou três correios lamentando a morte do grande Cabo Alonso. Abraços e obrigado.
Joao Lara Mesquita, “Há homens que lutam um dia e são bons, há outros que lutam um ano e são melhores, há os que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis.” – Bertolt Brecht
O Alonso era um destes, lutador, um lobo do mar, “imprescindivel”
Valeu Joao pela homenagem! – que todos os brasileiros sigam o mesmo exemplo de vida do Alonso!
Muito obrigado, John, o Alonso era, e sempre será, imprescindível. Sinto muito falta dele. abraços
Velho companheiro,amigo,inseparavel ,de todas as horas,,
Pois é, Luiz, acabei de dizer para outro internauta que escreveu sobre ele, que fico impressionado com a quantidade de mensagens que não podaram de chagar. Quer prova maior de uma vida maravilhosa? Ter tantos amigos assim, e deixar tanta saudades, é pra poucos. Obrigado e abraços
Bela homenagem! Grande homem,
Exemplo para os marinheiros mais jovens e iniciantes,
Descanse em paz Sr. Alonso.
É isso, jeferson, obrigado pela mensagem. abraços
João, o Brasil do mar ficou mais pálido sem o Alonso, meu companheiro de quarto na travessia do Wawatoo.
Pois é, Mike, todos sentimos. Ele era especial. obrigado pela mensagem, abraços
meu pai Alonso ; eu não era nem nascida e ele já falava desse veleiro, fico muito feliz em saber que meu pai tinha tantos amigos assim e que seu trabalho era tão reconhecido por tantos
Pois é, Elenice, pra vc ver quantos amigos ele tinha. abraços
OBRIGADO pela homenagem que vocês fizeram ao tio Alonso , sempre gostei das viagens de aventuras do mar sem fim.lembro quando ele foi pra Antártica foi muito linda esta viagem.fica apenas saudades deste grande marinheiro. Família Góes agradece a homenagem.
Oi, Janio, como vc pode ver pelas mensagens, seu tio era muito querido. Bastava conhece-lo para admira-lo. Um abraço carinhoso pra toda família.
Agradeço desde já o carinho e homenagem feita para o meu pai Alonso Goes
Elenice: quem tem que agradecer por tantos anos de carinho e dedicação sou eu. Seu pai mora no meu coração. Um grande beijo pra todos vcs.
Emocionante toda trajetoria de vcs … Q privilegio o seu de ter um homem como ele ao seu lado .Fica aq meus sentimentos a toda a familia e amigos.
Responder
De fato, foram anos maravilhosos. Só tenho boas lembranças. Obrigado pela mensagem. Abraços
Emocionante toda trajetoria de vcs … Q privilegio o seu de ter um homem como ele ao seu lado .Fica aq meus sentimentos a toda a familia e amigos.
Obrigado, Iriana, foi um privilégio mesmo. Alonso era especial. Obrigado pela mensagem, abraços
grande alonso vamos sentir saudades de sua sabedoria e seu bom humor!
Graande Gereba! Pois é, uma pessoa como ele valia por dez a bordo. Uma pena. Seja como for, não posso reclamar. Tive o privilégio de navegar ao lado dele por mais de 20 anos. Abração, amigo, saudades de vc.
Bonita homenagem João ! Pelo que eu li, vcs vão sentir muito a falta dele ! RIP Alonso !
Não tenha dúvidas, Milai, ele vai fazer muita falta. beijo grande
JOAO ! LINDA E MERECIDA HOMENAGEM ……TIVE ALEGRIA DE COMPARTILHAR DA AMIZADE E DAS GENTILEZAS DESSE SABIO HOMEM DO MAR .COM CERTEZA ELE ESTA NUM LUGAR MUITO ESPECIAL COMO O MAR FOI COM ELE.
Pois é, Lelé, fomos felizes com ele, com a amizade dele. Foi ótimo enquanto durou. beijos