Agenda ambiental marinha ‘encalha’ com Marina Silva
Enquanto o mundo corre para proteger o que resta de biodiversidade ameaçada pela crise do clima, Marina Silva continua na muda. Ela não tem se pronunciado nem mesmo sobre a Amazônia que, aparentemente, é seu único foco. Esse descaso é inaceitável para um governo que prometeu colocar o país de volta ao centro das discussões mundiais sobre questões ambientais. Agora mesmo, há motivos para que Marina se pronuncie. O Inpe acaba de divulgar os índices do sistema Deter, com imagens de satélite, que indicam uma redução de 7,4% no desmatamento da Amazônia entre agosto de 2022 e julho de 2023. No entanto, Marina não se pronunciou publicamente. No que diz respeito à agenda ambiental marinha, ela permanece estagnada sob a liderança do ministério que dirige.
Algumas questões ambientais que merecem comentários
Quando o governo anterior, que demonstrou especial descaso com o meio ambiente, chegou ao fim, comentamos a escolha de Marina como ministra do Meio Ambiente, às vésperas das eleições: ‘apesar de ser um ícone do setor, não concordamos com seu estilo messiânico, muito menos com muitas de suas medidas ambientais baseadas mais na crença política que na conservação
No entanto, ressaltamos que ‘até os simpatizantes de Bolsonaro sabem que foi no primeiro governo de Lula que o desmatamento caiu, sem mencionar a criação de Unidades de Conservação (Luiz Inácio Lula da Silva é responsável pela criação de 26.828.924,53 hectares na Amazônia em unidades de conservação, a maior quantidade entre todos os presidentes desde 1988).
No mesmo post, intitulado ‘Lula ou Bolsonaro… E o meio ambiente?‘, publicado em setembro de 2022, alertamos que o desafio do próximo presidente ‘será tornar novamente operacional o Ministério do Meio Ambiente, que estava completamente asfixiado por falta de verbas.’ Além disso, totalmente ‘aparelhado’ por policiais da PM paulista – obra de Ricardo Salles -, que nada conhecem sobre nossos biomas e problemas ambientais.
Marina perde uma oportunidade de, mesmo com recursos limitados, contabilizar ao menos este sucesso de seu ministério. Enquanto isso, os outros biomas nacionais continuam órfãos, em especial, o bioma marinho.
A proximidade da estação das chuvas no Sudeste e o litoral
Recentemente, viajamos pelo litoral paulista, desde a divisa com o Rio de Janeiro, até Bertioga. A intenção foi verificar as obras nos veios abertos da Serra do Mar que provocaram 65 mortes no carnaval.
Das mais de 600 cicatrizes, menos da metade recebeu atenção. Grande parte dos veios, mesmo em locais onde ainda existem moradores em áreas de risco, continuam abertos sinalizando que, se houver chuvas fortes no próximo verão, novos deslizamentos acontecerão.
Se nem mesmo as áreas de risco receberam atenção devida do poder público, o que se poderia esperar das políticas públicas para a agenda ambiental marinha?
Espécies invasivas no mar brasileiro
Dado o desleixo costumeiro com o mar e o litoral, os problemas se avolumam. Assim, aos poucos, as espécies invasivas se espalham cada vez mais. Os casos já conhecidos do peixe-leão, do coral-sol, e do mexilhão-dourado agora têm um novo e inédito companheiro: a tilápia, que já se espalha por grande parte dos rios do país e agora se expande também pelo mar. E mesmo assim, ainda não houve tempo para o Ministério do Meio Ambiente se pronunciar. Isso demonstra claramente o improviso que impera no Meio Ambiente.
Enquanto persiste o descaso, um relatório produzido pela Plataforma Intergovernamental de Política Científica sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos das Nações Unidas mostra que as milhares de espécies invasoras introduzidas em novos ecossistemas em todo o mundo causam mais de 423 bilhões de dólares em perdas estimadas à economia global todos os anos, prejudicando a natureza, danificando os sistemas alimentares e ameaçando a saúde humana.
Nem assim o Ministério de Marina se sensibiliza. Mas há ainda uma série enorme de demandas para o litoral que estão paradas nos escaninhos do Ministério do Meio Ambiente.
Recategorização da Reserva Biológica Marinha do Arvoredo
Em 1990, o lindo arquipélago do Arvoredo, que fica no quintal de Florianópolis, foi transformado em Reserva Biológica Marinha federal. Esta é uma das categorias mais restritivas entre as unidades de conservação.
Assim, de uma hora para outra, a população de Santa Catarina perdeu o direito de utilizar as ilhas como ponto de mergulho e local de lazer. Em seguida, começou uma campanha para transformá-la em parque nacional, categoria que mantém a proteção, mas permite a visitação pública.
Foram anos de luta até que finalmente, em 2021, depois de 31 anos de ativismo ambiental, a agência de notícias da Câmara informou que ‘a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 4198/12, que transforma a Reserva Biológica Marinha do Arvoredo, em Santa Catarina, em Parque Nacional Marinho do Arvoredo.
Como a mudança aconteceu durante o governo Bolsonaro, a decisão foi engavetada. E assim permanece até hoje, mesmo com a troca para um governo, digamos, mais amigável ao meio ambiente. Até quando a gestão de Marina continuará omissa, ninguém sabe.
Parque Nacional Marinho do Albardão e Banco Royal Charlote
Estas são duas antigas reivindicações de cientistas e ambientalistas: a transformação destes hotspots da biodiversidade marinha em unidades de conservação. Novamente, depois de anos de pressão, os planos para ambos estão prontos e, de maneira idêntica, engavetados nos escaninhos do MMA.
Banco Royal Charlote
Já em 2012, o então governo Lula, com Izabella Teixeira ocupando o cargo hoje de Marina, tornou pública uma proposta para ampliação das Áreas Marinhas Protegidas (AMPs) da região dos Abrolhos, como o Banco Royal Charlotte.
Parque Nacional Marinho do Albardão
A região do Albardão, na costa do Rio Grande do Sul, é outra antiga reivindicação. O local é uma parada para aves e animais marinhos descansarem e se alimentarem. Além das aves, lobos e leões-marinhos que sobem a costa brasileira a partir do sul, também usam o espaço para descansarem e se alimentarem, assim como tartarugas marinhas (verde e cabeçuda). E ainda há toda uma gama de espécies de peixes que também merecem uma trégua da infatigável pesca, seja ela industrial ou artesanal.
Destaque especial para espécies de elasmobrânquios ameaçados de extinção, como o cação-anjo, a raia-viola e o cação-bico-doce. A região também é importante para as toninhas, o cetáceo mais ameaçado no Brasil.
‘Região merecia estudos por sua riqueza’
Até o ICMBio, antes de ser desmontado pela administração Bolsonaro, concordava que a região merecia estudos por sua riqueza. O G1, em matéria de 2016, consultou o órgão que respondeu: “Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade disse, em nota, que, desde 2010, está sendo feito um relatório técnico sobre a biodiversidade do local e que ainda precisa ser feito um diagnóstico socioeconômico da região.”
A região do Albardão, até antes da administração Bolsonaro, era considerada pelo MMA como ‘área prioritária para a conservação
Com a ascensão de Marina Silva houve um sopro de esperança que os planos fossem implementados, em vão até agora. Mais uma vez, esta ‘referência’ mostra que não há planejamento de médio e longos prazos, quando muito, agem para apagar incêndios (mas só nos da Amazônia).
Mangues e restingas
Enquanto no Brasil extirpa-se restingas e mangues, importantes e ‘protegidos’ ecossistemas que ajudam a manter a integridade da costa, especialmente agora com os eventos extremos, surgiram programas mundiais que financiam o replantio de ambos na Ásia, África, Oceania, e nas Américas do Norte e Latina. Não há litoral sustentável sem os seus serviços.
Estes programas investem em vários países para mitigar as mudanças climáticas por meio da restauração dos ecossistemas costeiros e marinhos. O replantio é inteiramente financiado por fundos ESG e fiduciários, com o apoio da UNESCO e de grandes ONGs internacionais.
O Brasil permanece alheio e distante destes programas. Marina demonstra não saber de sua existência, em outras palavras, ela parece ser ministra apenas da Amazônia.
APA dos Bancos de Noronha e Ceará
Esta nova unidade de conservação é defendida por pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Nordeste (Cepene), vinculado ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), e da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), como informou a Agência Brasil, em outubro de 2023. Apesar de um dos proponentes ser vinculado ao ICMBio, persiste o silêncio por parte da ministra. Trata-se de duas cadeias de montes e bancos submersos no litoral nordeste do Brasil, formadas por atividades vulcânicas no assoalho do Oceano Atlântico.
Esses bancos e cadeias estão dispostos paralelamente às costas do Ceará e Rio Grande do Norte. São acidentes geológicos que se estendem por cerca de 1,3 mil quilômetros na margem equatorial brasileira.
As cadeias têm apenas dois pontos que ultrapassaram a superfície do mar, Fernando de Noronha e Atol das Rocas. Só isso já demonstra a importância de se transformar a região em área protegida. Contudo, quase um ano depois de assumir, estas antigas e novas (no caso da APA) reivindicações da academia e ambientalistas permanecem encalhadas no seio do ministério de Marina Silva.
Cerrado e Pantanal em chamas
Estes são apenas alguns dos temas mais urgentes do bioma marinho. Contudo, a inação de Marina não se restringe ao litoral. A Folha de S. Paulo mostra que ‘nos cinco primeiros meses de 2023 foram registrados 3.532 km² de destruição no cerrado, 35% a mais que o visto no mesmo período do ano anterior’.
Mas a improvisação de Marina e equipe vai além. O g1 acaba de publicar que no Pantanal, ‘em apenas 15 dias (de novembro) são 3 mil focos de incêndios, 30% a mais do que o recorde anterior para o mês inteiro. De janeiro até agora, o fogo já consumiu 7% do Pantanal segundo o Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais, da UFRJ’.
Por acaso o MMA não sabia que no período da seca estes dois biomas também são sempre vitimados pelo fogo? Quais planos para ambos foram feitos no sentido de mitigar o flagelo?
A improvisação custa caro para a biodiversidade, e prova que Marina pouco se preparou para dirigir uma pasta da importância do ministério do Meio Ambiente. Esta, a verdade que não quer calar.
‘Governo lento, destruição veloz’
O título acima é do editorial de O Estado de S. Paulo, de 13 de novembro, e a confirmação do que dissemos acima. O artigo mostra que o Fundo Amazônia tem um saldo R$ 4,1 bilhões. Dinheiro não usado em todas as calamidades citadas por ‘falta de planos’!
‘Ao Estadão, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, admitiu que é preciso aprimorar o combate a incêndios e disse que o instituto deve apresentar, no fim do ano, um “projeto robusto” para usar dinheiro do fundo no combate à crise’.
Mais adiante, o editorial acentua que ‘o que mais impressiona é que somente agora está sendo elaborado por um órgão governamental um projeto para usar o dinheiro de um fundo constituído exatamente para esse fim’.
Ao que parece, o texto concorda conosco ao mostrarmos a improvisação descabida que impera no MMA: ‘Mais importante do que as medidas de combate aos incêndios, porém, é desenvolver soluções para evitá-los ou, ao menos, minimizá-los’.
Marina teve tempo de sobra para planejar. Ao menos desde junho de 2022 ela sabia que seria ministra e teria que arcar com a herança de Bolsonaro acirrada pelo aquecimento global e o El Niño. E nada fez!
Isso demonstra mais uma vez que o amadorismo não é só dela, mas de toda sua equipe.
O descaso generalizado do poder público com o aquecimento do planeta
Por último, caro leitor, perguntamos quando foi a última vez que você ouviu as autoridades máximas do País, em outras palavras, o presidente ou a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Brasil, alertando diretamente a população sobre a maior ameaça à humanidade hoje?
Não sabe, não? Nem eu. O governo anterior fazia troça do fenômeno. O atual, talvez por falta de planos, finge que não é com ele. Com estes exemplos vindos de cima, poucos governadores, e quase nenhum prefeito, levam a sério esta ameaça que mutila, mata, e custa bilhões de reais por ano. Assim, não há preparo para as cidades ou os cidadãos.
A população mais pobre, menos letrada, há mais de dez anos não ouve uma autoridade nacional prevenindo, alertando, ou sugerindo opções sobre os problemas que as mudanças climáticas trazem em seu bojo. Este alienamento oficial só prejudica ainda mais um País com mais de oito milhões de pessoas morando em áreas de risco e, em consequência, reféns de eventos extremos.
E ainda dizem que Marina é um ‘ícone do ambientalismo’. Pobre Brasil.
Declínio do berçário da baleia-franca (SC) e alerta aos atuais locais de avistagem
Lançado o mais completo levantamento sobre a biodiversidade marinha-costeira brasileira.
https://agencia.fapesp.br/lancado-o-mais-completo-levantamento-sobre-a-biodiversidade-marinha-costeira-brasileira/50293
Não é de se estranhar que isso aconteça. Esse é um governo cujo único projeto é o da vingança.
tudo muito claro prezado João lara MESQUITA, sofremos com a inoperância do governo , temos dinheiro guardado e não temos planos para usa-los ! Um governo com preocupação e AÇÃO , estamos longe de ver há tempos ! Sofreremos sempre, e pessimismo em não ter em quem confiar ! triste fim de nossos biomas ,abraço e obrigado pelo texto ! na sua maior qualidade e clareza , sempre com refinamento exemplar !
Em qualquer eleição jamais devemos votar entre um candidato “ruim” e outro “pior” se houverem candidatos melhores na disputa. Ainda que poucas chances tenham, aumentar seu capital político, sua representatividade, fará com que tenhamos opções melhores no futuro próximo. Isso não é desperdiçar o voto como muitos militantes do atraso afirmam. Em oposição a isso, o tal “voto útil” serve apenas para depositar credibilidade e aumentar o capital político de candidatos populistas, ignorantes, corruptos e nada comprometidos com o povo e com a nação. Nosso voto pode desidratá-los lentamente. Pensem nisso quando pensarem em Bolsonaro ou em Lula, e no caso, Marina.