Estuário de São Vicente contaminado por cocaína e outras drogas
A população mundial já passa de 8 bilhões. Com isso, surgem novas formas de poluição. Os rejeitos químicos humanos estão entre elas. E quase sempre geram descobertas chocantes. Em 2024, tubarões pescados na orla do Rio de Janeiro apareceram com cocaína no organismo. A notícia ganhou grande repercussão na mídia internacional. Antes disso, já haviam detectado cocaína e outras drogas no mar de Ubatuba e também no de Santos. Agora, o estuário de São Vicente entra na lista. Suas águas estão “chapadas” e ameaçam a vida marinha. Isso demonstra dois problemas simultâneos para o meio ambiente marinho. Um é a falta de saneamento básico eficaz e universal, o outro, o variado coquetel químico.

Programa de Biodiversidade em Ambientes Costeiros
Segundo o Jornal da USP, o oceanógrafo Camilo Seabra — que é docente da Universidade Federal de São Paulo e colaborador do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade de Ambientes Costeiros da Unesp, no câmpus do Litoral Paulista — é um dos pioneiros dessa área no Brasil. Ele dedicou a carreira a estudar diversos tipos de poluição nas águas da Baixada Santista, e também acumula experiências em outros litorais, como uma investigação sobre derramamento de petróleo no Nordeste.
Seabra orientou, no Programa de Biodiversidade em Ambientes Costeiros, a pesquisa de doutorado de Andressa Ortega. O tema foi a presença de fármacos e drogas ilegais em amostras coletadas em oito pontos do estuário de São Vicente. Os resultados saíram em julho no periódico científico especializado Marine Pollution Bulletin.
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Ilhabela em último lugar no ranking de turismo 2025Garopaba destrói vegetação de restinga na cara duraCores do Lagamar, um espectro de esperançaSegundo a autora, este estudo constitui a primeira avaliação da contaminação por produtos farmacêuticos e drogas ilícitas nesta área estuarina.

Os pesquisadores analisaram amostras de água superficial, sedimentos e ostras usando espectrometria de massa com cromatografia líquida (LC-MS/MS). Também avaliaram o risco ecológico para organismos aquáticos que não eram alvo do estudo — produtores primários, consumidores primários e secundários. Para isso, usaram as concentrações ambientais máximas (MEC) dos fármacos e drogas ilegais detectados.
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Para Andressa Ortega, a avaliação do risco ecológico indicou uma preocupação ambiental significativa, uma vez que os resultados sugeriram riscos baixos a moderados de todos os compostos para algas, crustáceos e/ou peixes.
Sobre o risco de consumo Ortega recomenda mais estudos para investigar os potenciais riscos à saúde humana.
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O Jornal da USP lembra ainda que, mesmo nas áreas da ilha com coleta de esgoto, não há tratamento. Os dejetos seguem direto para o mar pelo Emissário Submarino de Santos, um enorme cano que despeja tudo a 4 km da costa. A distância evita que sólidos e líquidos indesejáveis cheguem às praias, mas não impede a poluição.

De acordo com a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), atualmente existem oito emissários submarinos de esgotos domésticos em funcionamento no litoral paulista. Cinco na Baixada Santista, três em Praia Grande, um em Santos e um no Guarujá.
O Jornal da USP explica que parte da cocaína encontrada ‘é da substância’ que jamais passou pelo organismo humano. Isso sugere que ‘parte do produto acaba sendo perdido no frete, e contamina diretamente o mar’.
Concentrações mais altas são no Ano-Novo e Carnaval
Contudo, também há aquela descartada pela urina humana. “As concentrações mais altas são no Ano-Novo e Carnaval”, diz Seabra. “E a gente já sabe que a droga bioacumula — tanto nos mexilhões, como nas ostras, como nos peixes. Esses são todos organismos comestíveis, o que já dá uma ideia também do risco para consumo humano, (…) ainda que o foco deste estudo específico fosse o risco para os animais em si.”
O estudo determinou que a cocaína e o losartan, nas concentrações encontradas, oferecem toxicidade moderada para crustáceos. Mas, atenção: É importante não deixar a palavra “moderado” camuflar a dimensão do problema: “A mera presença desses compostos na água já é um indicador de preocupação”, diz Vinicius Roveri, professor da Universidade Metropolitana de Santos que já conduziu diversas análises na região, e assina o trabalho com Andressa e Seabra.
“[A presença de drogas] revela que não existe um bom tratamento de esgoto na região, ou mesmo que há um consumo excessivo dessas drogas. Além disso, o estudo é uma fotografia do momento da coleta, feita no verão de 2022. Outros estudos com a mesma metodologia [em regiões próximas] revelam concentrações maiores e riscos altos”, diz ele.
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Ministério Público cobra a Sabesp
Segundo o Jornal da USP, após a divulgação dos primeiros dados, ficou claro o impacto social da pesquisa. A notícia de que Santos não trata seu esgoto gerou uma denúncia do Ministério Público contra a Sabesp, e a promotora incluiu o artigo de Camilo Seabra na ação. “Foram muitas reuniões. Com a Cetesb, com a prefeitura. E a população cobrando. Foi um debate legal porque, mais importante do que constatar que tem cocaína na Lagoa do Mar, foi o cidadão saber que o seu esgoto não era tratado. Ele paga por isso”, diz o pesquisador.
A informação parece ir de encontro ao que diz o Trata Brasil, por exemplo, que destaca Santos na 1ª posição do Ranking do Saneamento 2022, assim como foi nas duas últimas edições do estudo. Seabra diz que o que há é uma alta porcentagem de coleta de esgoto junto às moradias regulares, que pode chegar a quase 98%. “Mas é preciso considerar também que a gente tem milhares de palafitas que não entram nessa conta. Santos abriga o dique da Vila Gilda, que é a maior aglomeração de palafitas do Brasil. É importante lembrar disso também”, ressalva.
E, encerra: O esgoto que é coletado passa por uma estação de pré-condicionamento. “Nessa etapa, o material passa por um gradeamento, que é como se fosse uma grande peneira. A seguir, é lançado in natura a 4 km da costa. O tratamento de esgoto, mesmo, envolve outras etapas. Pode ser um tratamento primário, secundário ou até terciário. Aqui em Santos, infelizmente, a gente não tem nem primário”, diz.










