Wladimir Besnard, o pai da oceanografia nacional

0
2721
views

Wladimir Besnard, um globetrotter da ciência que veio dar no Brasil

Nascido em São Petersburg, Russia em 1890, estudou em Kiew e Moscou onde se especializou em anatomia e biologia. Mas se naturalizou francês. Em 1914 foi designado assistente para a Estação Biológica de Villefranche sur Mer, na França. Em vez de assumir, vestiu uniforme e, armas em punho, foi para as trincheiras. Terminada a Primeira  Guerra, desloca-se para Constantinopla como professor e chefe do departamento de biologia do Colégio Universitário Americano. Participou de numerosas missões relacionadas com pesquisas oceanográficas, hidrológicas ou pesqueiras. Mas também esteve no Sahara onde descobriu em estações pré-históricas, o esqueleto do homem de Asselar (esqueleto do Neolítico). Depois de muito pesquisar pelo mundo, o globetrotter da ciência veio dar no Brasil convidado para dirigir o Instituto Oceanográfico que o Governo de São Paulo projetava criar. Wladimir Besnard, é considerado o pai da oceanografia nacional.

Imagem de Wladimir Besnard
W.B

Wladimir Besnard, e a oceanografia nacional

Amando de Salles Oliveira era o interventor de São Paulo em 1934, colocado no cargo pelo ditador Getúlio Vargas para acalmar o Estado que se revoltou com a falta da democracia em 1932. Ao lado do jornalista Júlio de Mesquita Filho, foi o fundador da maior universidade pública brasileira, a mais importante do País: a USP é responsável por metade de toda a produção científica do estado de São Paulo e mais de 25% da brasileira. Antes da primeira aula inaugural, em 1935, professores estrangeiros foram chamados mundo afora, entre eles,  ícones da ciência e das humanidades como Claude Lévi-Strauss, Fernand Braudel, Roger Bastide, e muitos outros.

O Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP)

De acordo com a site da instituição, “O Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP) foi fundado em 1946, como Instituto Paulista de Oceanografia (IPO). Na época de fundação, os objetivos de seus idealizadores apontavam para a necessidade de uma instituição que fornecesse bases científicas à pesca e, numa concepção mais ampla, à exploração de recursos disponíveis ao longo do litoral paulista. Em 1951 foi incorporado à USP como Unidade de Pesquisa, assumindo seu nome atual e obtendo maior autonomia no cumprimento de suas funções. “

Mas, e para dirigir a ‘mais recente disciplina científica?’ Era preciso alguém do nível dos primeiros mestres. Quem poderia ser? Depois de navegar pelo Estreito de Bósforo, o Mar de Mármara, as regiões de pesca na Turquia, dirigir aquários na  Dinamarca, e Índia, em 1946 os professores Paulo Duarte, Paul Rivet e Louis Fage indicaram o globetrotter da ciência, Wladimir Besnard. Desde o início o cientista defendeu a ideia da necessidade de o instituto contar com uma embarcação com autonomia suficiente para navegar em águas profundas.

Wladimir Besnard e suas primeiras ações no Brasil

Bernard, em companhia de João de Paiva Carvalho, percorreu várias cidade da costa de São Paulo, entre elas Santos, Bertioga, Cananeia, Iguape, Registro,São Sebastião e Ubatuba, para escolher onde seriam as bases avançadas de pesquisa.

Entre outras, Besnard instalou a primeira delas  em Cananeia, no Lagamar. Também dirigiu uma expedição para a ilha mais distante que temos, Trindade. Foi ainda o idealizador da segunda base do Instituto Oceanográfico em Ubatuba, SP, cujo terreno foi escolhido pelo próprio Besnard.

PUBLICIDADE

Em 1948, ao lado de Marta Vannuci, e João de Paiva Carvalho, inicia os trabalhos no litoral Sul de São Paulo. Um ano depois, 1949, em Iguape, foi construído um laboratório flutuante para estudos. Em 1950, Bernard e João Capistrano Raja Gabaglia fazem as primeiras pesquisas no arquipélago de Trindade e Martim Vaz. E, em 1954,  compram o primeiro barco do que é hoje o IOUSP, o Juva-Camboriu para pesquisas na região estuarina Cananéia-Iguape.

imagem do barco de pesquisa Juva-Camboriú
Juva-Camboriú.

Um ano depois, em 1955, a USP adquire o Ungava, o primeiro navio de pesquisas. Com ele, foram realizadas aulas práticas de oceanografia física e biologia (o navio de madeira incendiou-se quando navegava de Santos para Cananeia, em 1955).

imagem do barco de pesquisa UNGAVA
O Ungava, da USP.

12 anos depois de assumir

Os primeiros anos de sua gestão, à frente do então Instituto Paulista de Oceanografia (IPO), foram dedicados a montar a estrutura da instituição, contratar pesquisadores e auxiliares. A rota para chegar ao navio começou a ser traçada 12 anos depois de o instituto ter sido criado, quando Bernard cria a comissão encarregada de analisar e conceber um novo e mais capaz navio oceanográfico. Navio que ele jamais veria. Wladimir Bernard morreu em São Paulo, em 1960.

imagem de pesquisadores da USP
Estudando o que viria a ser o navio Prof. W. Besnard.

Com 49,3 m de comprimento, podendo transportar 22 tripulantes e 15 pesquisadores, o Besnard foi construído por encomenda do governo paulista, com verbas estaduais e federais, como resultado de intensas negociações iniciadas no final da década de 1950 por Wladimir Besnard, pesquisador russo radicado no Brasil, à frente do então chamado Instituto Paulista de Oceanografia (IPO), e continuadas por Martha Vannucci, primeira diretora do IO, constituído a partir do IPO.

imagem de construção do navio Por.W.Besnard na Noruega
A construção na Noruega.

O projeto preliminar do navio foi encomendado ao Escritório Técnico de Construção Naval da Escola Politécnica da USP pelo próprio Besnard. Sob a supervisão de Yapery Tupiassu de Britto Guerra, que também participava do Conselho do IOUSP, a tarefa coube a alunos do quinto ano como trabalho de conclusão da primeira turma de engenheiros navais da POLI, formada em 1959.

Em 1962 foi aberta a consulta pública para aquisição do navio, a partir da qual foi escolhido o estaleiro A/S Mjellem Karlsen, em Bergen, Noruega, a quem coube o projeto final da embarcação. O navio foi adquirido pelo Governo do Estado de São Paulo através da USP.

No mar

Em 18 de agosto de 1966, pouco mais de dois anos depois de assinado o contrato de construção, o casco foi lançado ao mar. No ano seguinte, em 05 de maio de 1967, já pronto,  foi batizado com o nome Prof. W. Besnard. Pouco depois,  teve início o cruzeiro experimental que saiu de Bergen com destino às ilhas Faeroes, próximas ao estaleiro. Nesse trecho as condições de mar são consideradas difíceis. Mas o barco não decepcionou. Foi aprovado. Restava trazê-lo ao País.

Destino…Brasil!

A viagem para o Brasil representou também sua primeira expedição científica – a VIKINDIO, anagrama derivado da junção das palavras: Viking (guerreiros-marinheiros que são parte intrínseca da história da Noruega) e índio (o povo nativo do Brasil). O Besnard saiu de Bergen em 10 de junho. Exatos sessenta dias depois, em 09 de agosto de 1967, o N/Oc. Prof W. Besnard aportou em Santos.

Diário de bordo do Prof. W. Besnard

O Prof W. Besnard navegou mais de 3.000 dias. Durante os primeiros 23 anos  navegou sem interrupções! Foram centenas de viagens científicas. Só de Antártica ele acumula seis. A primeira expedição polar brasileira aconteceu graças ao Besnard. Ao todo, o navio fez mais de 150 viagens!, 68 diários de bordo para contar a história, e cerca de 50 mil amostras de organismos marinhos coletados, alguns não catalogados até hoje.

PUBLICIDADE

imagem do navio Prof. W. Besnard

Numa  tarde de novembro de 2008, um incêndio irrompeu num dos camarotes quando ele estava fundeado na Baía de Guanabara. Não houve vítimas, e os próprios tripulantes controlaram a situação. Mas o incêndio pôs o ponto final em sua história. Desde então, a luta tem sido para manter este ícone da ciência brasileira vivo. Uma das possibilidades era afundá-lo para ser colonizado por recifes de coral em Ilhabela. Destino inglório para tanta glória.

Um par de entusiastas, entre os quais o Instituto do Mar e este site, lutaram para transformá-lo em museu flutuante. Depois de muitas idas e vindas, prevaleceu o bom-senso. O navio Prof. W. Besnard será reformado e, em breve, todos poderão conhecê-lo.

Imagem do navio Alpha Crucis.
Imagem, Michel Michaelovith de Mahiques.

O Besnard foi substituído pelo Alpha Crucis. O nome, desta vez, homenageia a estrela mais brilhante do Cruzeiro do Sul. O Alpha Crucis foi adquirido através do Programa de Equipamentos Multiusuários (EMU), uma das modalidades do Programa de Apoio à Infraestrutura de Pesquisa no Estado de São Paulo, mantido pela FAPESP desde 1995, ao custo de US$ 11 milhões.

Fontes: http://www.io.usp.br/index.php/embarcacoes/n-oc-prof-w-besnard/historico; https://www.saopaulo.sp.gov.br/ultimas-noticias/usp-base-do-instituto-oceanografico-em-ubatuba-completa-65-anos/; https://pt.wikipedia.org/wiki/Universidade_de_S%C3%A3o_Paulo; https://books.google.com.br/books?id=QX-C8WlvzpsC&pg=PA188&lpg=PA188&dq=professor+wladimir+besnard&source=bl&ots=w4YcLVEYis&sig=ACfU3U14e4i7Pl7URQXJnwWR9sJLmhMJDQ&hl=pt-BR&sa=X&ved=2ahUKEwjI-arYt-3oAhWwK7kGHdqFAks4FBDoATABegQICxAu#v=onepage&q=professor%20wladimir%20besnard&f=false.

O acidente do Exxon Valdez, mais de 30 anos depois

Comentários

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here