Ormuz e o Golfo Pérsico
Ormuz e o Golfo Pérsico é mais um artigo especial para este site de *José Alfredo Vidigal Pontes
Uma das áreas marítimas mais patrulhadas militarmente no planeta é o Golfo Pérsico, o qual na verdade é um estreito um pouco alargado. Em suas margens estão o Iran, Iraque, Kuwait, Arábia Saudita e os Emirados Árabes : Bahrain, Qatar, Abu Dhabi e Dubai! Ou seja: por ali se escoa boa parte do petróleo do planeta, produzido por árabes e iranianos, sunitas e xiitas.
Contudo, rivais dentro do islamismo. Em razão dessa tensão nas águas do Golfo a marinha norte-americana está muito presente na região, defendendo seus interesses de grande cliente desse óleo e comandando uma atividade de patrulhamento marítimo juntamente com os aliados árabes.
Ormuz
Na entrada do Golfo Pérsico, numa ilha próxima à costa da antiga Pérsia, hoje Iran, estava Ormuz, assentada estrategicamente em um ponto de confluência de rotas de comércio. Conforme assinalou o grande historiador inglês Charles R. Boxer: “A cidade de Ormuz era um dos entrepostos mais ricos do mundo, embora estivesse localizada numa ilha que não produzia senão sal e enxofre.
Porém, quase todo o comércio entre a Índia e a Pérsia era escoado por esta ilha, o mesmo acontecendo com parte do comércio das especiarias da Indonésia e dos cavalos da Arábia”. Outros artigos eram encontrados, tais como sedas, veludos, marfim, porcelanas e pedras preciosas. Moedas locais cunhadas em ouro e prata circulavam em todos os portos da Índia, Pérsia, Arábia e até na distante Malaca.
O cerco ao Islã
Em sua guerra santa e comercial, D. Manuel tinha dois objetivos: ocupar tanto o Mar Vermelho como o Golfo Pérsico, assim isolando o Califado do Cairo. Para tanto teria que conquistar duas posições: Socotra, no Mar Vermelho, e Ormuz, no Golfo Pérsico, com o claro propósito de envolver a Península Arábica. Assim determinado, enviou duas frotas com essa finalidade em abril de 1506.
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A maior delas, capitaneada por Tristão da Cunha e a menor por Afonso de Albuquerque. Ambas seguiram juntas para a conquista de Socotra, onde chegaram somente um ano após, devido a uma demorada viagem, com muitas adversidades. Entretanto, ainda tiveram uma luta acirrada para conquistar a fortaleza islâmica local, onde se estabeleceram.
Após alguns meses, Tristão seguiu para a Índia deixando Albuquerque com sete navios patrulhando a circulação naval. Contudo, começou a faltar comida, o que forçou Albuquerque a adiantar sua outra tarefa, qual seja a de conquistar Ormuz.
Primeira conquista
Porém, antes de chegar a Ormuz, Albuquerque assaltou alguns portos islâmicos, saqueando os resistentes e intimidando os demais. Assim, já refeitos e alimentados, partiram em direção a Ormuz, onde a fama de artilheiros impiedosos já havia chegado.
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Ao chegar ao porto deram uma salva de tiros de canhão anunciando sua chegada. Um emissário foi enviado a Cogeatar, o Vizir, propondo a ele que prestasse vassalagem ao rei D. Manuel de Portugal. Isto significaria que o Vizir, que falava em nome do rei local, aceitasse a dominação portuguesa e pagasse tributos.
No dia seguinte, com a demora de resposta, Albuquerque, mesmo cercado por muitos veleiros locais, disparou sua eficiente artilharia contra a frota inimiga. Após desembarcar e partir em direção à cidade conseguiu a capitulação do Vizir.
Retirada e retorno
Poucos meses após, os homens de Albuquerque começaram a ficar muito insatisfeitos, seja com relação ao trabalho árduo de construção de muralhas, seja pelas más condições de abastecimento. Alguns soldados desertaram e até mesmo capitães se amotinaram e partiram em três navios.
A água tinha que ser buscada à distância em arriscadas travessias. Até que, por fim, o próprio Albuquerque admitiu que o perigo o rondava e partiu com seus navios restantes para Cochim. Contudo, dois anos após, em novembro de 1509, Afonso de Albuquerque era nomeado Vice-rei da Índia.
A retirada em 1507 ainda estava atravessada na sua garganta, mas naquele momento tinha outras prioridades. Conquistou Goa em 1510. No ano seguinte seria a vez de Malaca. Porém, seria somente em 1515 que surgiriam condições objetivas para a reconquista. A corte do reino estava tomada por assassinatos e traições, com o monarca ameaçado por um rebelde.
A reconquista de Ormuz
Desta vez a diplomacia triunfou. Em março de 1515 Albuquerque chegou a Ormuz com 27 navios, 1500 soldados portugueses e 700 malabares. Mas não precisou disparar um único tiro. Enviou uma embaixada ao rei, propondo-lhe apoio contra seu rival insubordinado.
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Então, aceita a condição, foi formalizada a vassalagem do rei Turan Sha a D. Manuel. O monarca Turan recebeu de Albuquerque a titulação de cavaleiro. Então, a fortaleza, cuja construção fora interrompida em 1507, foi concluída. Em 1550 seria aumentada e ainda reforçada em 1591. Durante todo o século 16 Ormuz foi uma próspera e altamente rentável praça forte. Atacada mais de uma vez, sempre resistiu.
Um império em crise
Desde 1580 o Império Marítimo Português se via em grandes dificuldades. A sucessão do trono cedida a Filipe II, também rei da Espanha, criou sérios problemas com seus aliados históricos como os holandeses e ingleses, ferrenhos inimigos de Castela.
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A aliança com os ingleses vinha desde o início da dinastia de Avis em 1385. Dna. Filipa de Lancaster, esposa de D, João I, e mãe do Infante D. Henrique, era uma princesa inglesa. E os países baixos tinham trocas comerciais com os portugueses desde a época da dinastia de Borgonha, no século 13.
Todavia, a hostilidade das companhias de comércio dos holandeses foi a mais devastadora, com a perda de vários portos fortificados na América, África e Ásia. Alguns recuperados, outros não. Os ingleses se fizeram notar em 1586 quando o corsário Thomas Cavendish atacou portos e navios na costa brasileira. Até mesmo pilhou e aterrorizou o porto de Santos.
A perda de Ormuz
Ormuz era cobiçada por todo o Índico. E sobretudo pelo Xá da Pérsia. Em 1614, incitados pelos ingleses, os persas conquistaram aos portugueses o Forte de Comorão, no continente, fonte de abastecimento de água doce da Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição de Ormuz.
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Dois anos após os ingleses se instalaram no porto de Jask, na costa persa, com uma feitoria. Porém, para assegurar o fornecimento de água doce os portugueses iniciam a construção do Forte de Queixome, para substituir Comorão, em 1521 No ano seguinte a nova fortaleza é tomada por forças conjugadas de persas com árabes.
Então encorajado, animado pela vitória, o Xá ordena um cerco a Ormuz, contando com cerca de 3.000 homens numa frota, auxiliado por seis navios ingleses. Em menos de 3 meses a guarnição portuguesa teve que se render.
A continuidade lusa no Golfo Pérsico
Apesar da perda de Ormuz, não foi interrompida totalmente a presença portuguesa no Golfo. Toda a população da cidade e a guarnição militar foram transferidas para o porto de Mascate, no atual Omã, ancoradouro que passou a sediar os interesses de Portugal na região, articulado com outras pequenas feitorias lusas. Por fim, em 1651, os árabes osmanitas desalojaram os portugueses de sua última posição próxima ao estreito.
*José Alfredo Vidigal Pontes: historiador e jornalista. Graduado em História pela USP é autor de livros sobre a história do Brasil.
Leituras recomendadas:
Boxer, C. R. – O Império Marítimo Português 1415-1825, Lisboa, Edições 70, 2017.
Cordeiro, Luciano – Batalha da Índia: Como se perdeu Ormuz, Lisboa, Imprensa Nacional, 1896.
Costa, João Paulo Oliveira e (coord.) – Rodrigues, João Damião – Oliveira, Pedro Aires _ História da Expansão e do Império Português, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2014.
Crowley, Roger – Conquistadores, São Paulo, Planeta, 2016.
Domingues, Mário – Grandes momentos da História de Portugal, V. II, Lisboa, Fundação Nacional Para Alegria no Trabalho, 1962.
Sanceau, Elaine – O Sonho da índia: Afonso de Albuquerque, Porto, Civilização, 1939.
Leitura sempre bem-vinda, temas interessantes e cujo contexto histórico situa o problema em sua devida época. E cada vez mais desagradável de tantas propagandas inúteis, tomando praticamente 1/3 da tela.
Dalmo: concordo que as propagandas dificultam e irritam. Mas isso é coisa do Google, não do site. Abraços