Ormuz e o Golfo Pérsico na rota das especiarias

2
3051
views

Ormuz e o Golfo Pérsico                                                                   

Ormuz e o Golfo Pérsico é mais um artigo especial para este site de *José Alfredo Vidigal Pontes

Uma das áreas marítimas mais patrulhadas militarmente no planeta é o Golfo Pérsico, o qual na verdade é um estreito um pouco alargado. Em suas margens estão o Iran, Iraque, Kuwait, Arábia Saudita e os Emirados Árabes : Bahrain, Qatar, Abu Dhabi e Dubai! Ou seja: por ali se escoa boa parte do petróleo do planeta, produzido por árabes e iranianos, sunitas e xiitas.

Golfo pérsico

Contudo, rivais dentro do islamismo. Em razão dessa tensão nas águas do Golfo a marinha norte-americana está muito presente na região, defendendo seus interesses de grande cliente desse óleo e comandando uma atividade de patrulhamento marítimo juntamente com os aliados árabes.

Ormuz

Na entrada do Golfo Pérsico, numa ilha próxima à costa da antiga Pérsia, hoje Iran, estava Ormuz, assentada estrategicamente em um ponto de confluência de rotas de comércio. Conforme assinalou o grande historiador inglês Charles R. Boxer: “A cidade de Ormuz era um dos entrepostos mais ricos do mundo, embora estivesse localizada numa ilha que não produzia senão sal e enxofre.

Porém, quase todo o comércio entre a Índia e a Pérsia era escoado por esta ilha, o mesmo acontecendo com parte do comércio das especiarias da Indonésia e dos cavalos da Arábia”. Outros artigos eram encontrados, tais como sedas, veludos, marfim, porcelanas e pedras preciosas. Moedas locais cunhadas em ouro e prata circulavam em todos os portos da Índia, Pérsia, Arábia e até na distante Malaca.

O cerco ao Islã

Em sua guerra santa e comercial, D. Manuel tinha dois objetivos: ocupar tanto o Mar Vermelho como o Golfo Pérsico, assim isolando o Califado do Cairo. Para tanto teria que conquistar duas posições: Socotra, no Mar Vermelho, e Ormuz, no Golfo Pérsico, com o claro propósito de envolver a Península Arábica. Assim determinado, enviou duas frotas com essa finalidade em abril de 1506.

Gravura de Tristão da Cunha
Tristão da Cunha. Imagem, Dominio Público.

A maior delas, capitaneada por Tristão da Cunha e a menor por Afonso de Albuquerque. Ambas seguiram juntas para a conquista de Socotra, onde chegaram somente um ano após, devido a uma demorada viagem, com muitas adversidades. Entretanto, ainda tiveram uma luta acirrada para conquistar a fortaleza islâmica local, onde se estabeleceram.

Após alguns meses, Tristão seguiu para a Índia deixando Albuquerque com sete navios patrulhando a circulação naval. Contudo, começou a faltar comida, o que forçou Albuquerque a adiantar sua outra tarefa, qual seja a de conquistar Ormuz.

Primeira conquista  

Porém, antes de chegar a Ormuz, Albuquerque assaltou alguns portos islâmicos, saqueando os resistentes e intimidando os demais. Assim, já refeitos e alimentados, partiram em direção a Ormuz, onde a fama de artilheiros impiedosos já havia chegado.

A ilha de Moçambique foi uma importante escala de navegação da carreira da India iniciada em 1498: mapa do percurso seguido pelas naus na ida (vermelho) e rota de regresso (verde). Imagem, www.wikiwand.com.

Ao chegar ao porto deram uma salva de tiros de canhão anunciando sua chegada. Um emissário foi enviado a Cogeatar, o Vizir, propondo a ele que prestasse vassalagem ao rei D. Manuel de Portugal. Isto significaria que o Vizir, que falava em nome do rei local, aceitasse a dominação portuguesa e pagasse tributos.

No dia seguinte, com a demora de resposta, Albuquerque, mesmo cercado por muitos veleiros locais, disparou sua eficiente artilharia contra a frota inimiga. Após desembarcar e partir em direção à cidade conseguiu a capitulação do Vizir.

Retirada e retorno

Poucos meses após, os homens de Albuquerque começaram a ficar muito insatisfeitos, seja com relação ao trabalho árduo de construção de muralhas, seja pelas más condições de abastecimento. Alguns soldados desertaram e até mesmo capitães se amotinaram e partiram em três navios.

A água tinha que ser buscada à distância em arriscadas travessias. Até que, por fim, o próprio Albuquerque admitiu que o perigo o rondava e partiu com seus navios restantes para Cochim. Contudo, dois anos após, em novembro de 1509, Afonso de Albuquerque era nomeado Vice-rei da Índia.

A retirada em 1507 ainda estava atravessada na sua garganta, mas naquele momento tinha outras prioridades. Conquistou Goa em 1510. No ano seguinte seria a vez de Malaca. Porém, seria somente em 1515 que surgiriam condições objetivas para a reconquista. A corte do reino estava tomada por assassinatos e traições, com o monarca ameaçado por um rebelde.

A reconquista de Ormuz

Desta vez a diplomacia triunfou. Em março de 1515 Albuquerque chegou a Ormuz com 27 navios, 1500 soldados portugueses e 700 malabares. Mas não precisou disparar um único tiro. Enviou uma embaixada ao rei, propondo-lhe apoio contra seu rival insubordinado.

Gravura do porto de Ormuz
Braun e Hogenberg. “Civitates Orbis Terrarum”, 1572,. Ilustração, Wikipedia.

Então, aceita a condição, foi formalizada a vassalagem do rei Turan Sha a D. Manuel. O monarca Turan recebeu de Albuquerque a titulação de cavaleiro. Então, a fortaleza, cuja construção fora interrompida em 1507, foi concluída. Em 1550 seria aumentada e ainda reforçada em 1591. Durante todo o século 16 Ormuz foi uma próspera e altamente rentável praça forte. Atacada mais de uma vez, sempre resistiu.

Um império em crise

Desde 1580 o Império Marítimo Português se via em grandes dificuldades. A sucessão do trono cedida a Filipe II, também rei da Espanha, criou sérios problemas com seus aliados históricos como os holandeses e ingleses, ferrenhos inimigos de Castela.

Captura de Cochim pelos holandeses
A captura de Cochim e vitória da V.O.C. holandesa sobre os portugueses em 1663. 1682, Atlas van der Hagen.

A aliança com os ingleses vinha desde o início da dinastia de Avis em 1385. Dna. Filipa de Lancaster, esposa de D, João I, e mãe do Infante D. Henrique, era uma princesa inglesa. E os países baixos tinham trocas comerciais com os portugueses desde a época da dinastia de Borgonha, no século 13.

Todavia, a hostilidade das companhias de comércio dos holandeses foi a mais devastadora, com a perda de vários portos fortificados na América, África e Ásia. Alguns recuperados, outros não. Os ingleses se fizeram notar em 1586 quando o corsário Thomas Cavendish atacou portos e navios na costa brasileira. Até mesmo pilhou e aterrorizou o porto de Santos.

A perda de Ormuz

Ormuz era cobiçada por todo o Índico. E sobretudo pelo Xá da Pérsia. Em 1614, incitados pelos ingleses, os persas conquistaram aos portugueses o Forte de Comorão, no continente, fonte de abastecimento de água doce da Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição de Ormuz.

Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição de Ormuz
Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição de Ormuz, Irã. Imagem, Wikipedia.

Dois anos após os ingleses se instalaram no porto de Jask, na costa persa, com uma feitoria. Porém, para assegurar o fornecimento de água doce os portugueses iniciam a construção do Forte de Queixome, para substituir Comorão, em 1521 No ano seguinte a nova fortaleza é tomada por forças conjugadas de persas com árabes.

Então encorajado, animado pela vitória, o Xá ordena um cerco a Ormuz, contando com cerca de 3.000 homens numa frota, auxiliado por seis navios ingleses. Em menos de 3 meses a guarnição portuguesa teve que se render.

A continuidade lusa no Golfo Pérsico

Apesar da perda de Ormuz, não foi interrompida totalmente a presença portuguesa no Golfo. Toda a população da cidade e a guarnição militar foram transferidas para o porto de Mascate, no atual Omã, ancoradouro que passou a sediar os interesses de Portugal na região, articulado com outras pequenas feitorias lusas. Por fim, em 1651, os árabes osmanitas desalojaram os portugueses de sua última posição próxima ao estreito.

*José Alfredo Vidigal Pontes: historiador e jornalista. Graduado em História pela USP é autor de livros sobre a história do Brasil.

Leituras recomendadas:

Boxer, C. R. – O Império Marítimo Português 1415-1825, Lisboa, Edições 70, 2017.

Cordeiro, Luciano – Batalha da Índia: Como se perdeu Ormuz, Lisboa, Imprensa Nacional, 1896.

Costa, João Paulo Oliveira e (coord.) – Rodrigues, João Damião – Oliveira, Pedro Aires _ História da Expansão e do Império Português, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2014.

Crowley, Roger – Conquistadores, São Paulo, Planeta, 2016.

Domingues, Mário – Grandes momentos da História de Portugal, V. II, Lisboa, Fundação Nacional Para Alegria no Trabalho, 1962.

Sanceau, Elaine – O Sonho da índia: Afonso de Albuquerque, Porto, Civilização, 1939.

São Jorge da Mina e a Costa do Ouro

Comentários

2 COMENTÁRIOS

  1. Leitura sempre bem-vinda, temas interessantes e cujo contexto histórico situa o problema em sua devida época. E cada vez mais desagradável de tantas propagandas inúteis, tomando praticamente 1/3 da tela.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here