Império Marítimo Português, venha conhecer 

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Império Marítimo Português: Por Mares Nunca Dantes Navegados                                                 

Coube aos portugueses a façanha de estabelecer o primeiro império marítimo no planeta, ainda no século 15. “O maior enigma da História”, segundo o historiador inglês H. S. Plumb, referindo-se ao seu espantoso alcance e à brevidade de seu apogeu. Ainda segundo ele “o domínio dos mercados mundiais ajudou a Europa comercial a encaminhar-se para o seu futuro industrial. Por um preço terrível, Portugal abriu as portas para um mundo mais vasto, que não podia dominar nem controlar.” Foi um império que se notabilizou pela vastidão e também pela efêmera duração como potência comercial. O tema de hoje é o Império Marítimo Português, em artigo especial para esta coluna de José Alfredo Vidigal Pontes*.

Gravura de Lisboa no século 15
Gravura de Lisboa no século 16 de autoria de Theodor de Bry. Ilustração, www.nationalgeographic.pt.

Um caminho para o Oceano Índico

Realmente o papel desempenhado por Portugal nos séculos 15 e 16 foi decisivo para a incorporação de vastos mercados ao comércio europeu. Com persistência metódica foi explorando a costa atlântica da África até encontrar um caminho para o Oceano Índico e alcançar a Índia, China e Japão. Para Adam Smith “a descoberta da América e a da passagem para as Índias Orientais, através do Cabo da Boa Esperança, são os dois maiores acontecimentos de que há notícia na história da humanidade.”

Vanguardismo ocorre ainda no início do século 15

Esse vanguardismo ocorre ainda no início do século 15. Uma conjunção de fatores contribuiu para isso. A começar pela consolidação da independência do reino português ainda no final do século anterior, após a batalha de Aljubarrota, quando o Mestre de Avis, tornado D. João I, venceu os castelhanos. Em 1415, uma esquadra portuguesa sob o comando de D. João I, tomou o porto de Ceuta, estratégica posição marroquina na entrada do Mar Mediterrâneo. O desafio marítimo estava lançado, tendo o Infante D. Henrique, Duque de Viseu, como o seu patrocinador.

O temível Cabo Bojador foi transposto em 1434

Outras cidadelas do império marítimo português foram tomadas progressivamente na costa marroquina, alcançando a costa atlântica. A ilha da Madeira é colonizada a partir de 1419. O temível Cabo Bojador foi transposto em 1434. Cinco anos após é iniciada a colonização do Arquipélago dos Açores.

Cabo Bojador
Cabo Bojador (no atual Marrocos), atravessado por Gil Eanes em 1434. Ilustração, www.ensina.rtp.pt.

Em 1445, ao sul do Cabo Branco, no Saara Ocidental, é fundada a feitoria fortificada de Arguim, onde se trocavam mercadorias de origem marroquina por pó de ouro, marfim e escravos. As Ilhas de Cabo Verde começam a ser povoadas a partir de 1462 e vinte anos depois é fundada a Fortaleza de São Jorge da Mina, na Costa da Guiné.

Bartolomeu Dias

Mas a grande virada do comércio mundial viria com a viagem de Bartolomeu Dias. Zarpou de Lisboa no final de 1487 e no princípio do ano seguinte um navegador europeu conseguia dobrar pela primeira vez o extremo sul do continente africano. Vasco da Gama faria um percurso parcialmente diferente de Bartolomeu Dias em sua épica viagem à Índia em 1497, dirigindo-se mais ao oeste após Cabo Verde, para aproveitar os melhores ventos em direção ao sul. Rota que seguida por Pedro Álvares Cabral em 1500, quando atingiu a costa da Bahia.

Conquistas de Afonso de Albuquerque

Em seguida ocorrem as conquistas de Afonso de Albuquerque que serão os pilares do comércio português na Ásia: Goa (1510), Malaca (1511) e Ormuz (1515). Várias outras feitorias fortificadas serão ocupadas no Oceano Índico.

Mapa de Goa
Ilustração, www.ensina.rtp.pt.

E mesmo na costa atlântica africana seriam erguidas as inexpugnáveis São Jorge da Mina (1482) e Mazagão (1515-41). Tardiamente, em 1680, ocorrerá o advento de Colônia do Sacramento, a última cidadela fortificada portuguesa, localizada no estuário do rio da Prata.

Feitorias e cidades fortificadas na costa

A notável expansão marítima portuguesa nos séculos 15 e 16 caracterizava-se pelo estabelecimento de feitorias e cidades fortificadas na costa, localizadas em pontos de encontro de caravanas e rotas comerciais.  O objetivo era o comércio com os moradores locais de terra adentro. Via de regra, não havia interesse em ocupação territorial fora das proximidades das cidadelas, também conhecidas como praças-fortes. Assim havia ocorrido com a implantação de sucessivas praças comerciais fortificadas no Marrocos a partir de 1415.

O império marítimo português no oriente

O comercio com o oriente continuou próspero até quase o final do século 16. Mas, de 1580 em diante, razões de ordem dinástica possibilitaram ao rei da Espanha assumir também o trono português que se encontrava vago.  Este fato alterou o equilíbrio político europeu, com grandes prejuízos para o império comercial português. Pois, mesmo continuando com uma administração independente, Portugal começava a sofrer com as hostilidades de holandeses e ingleses, antigos aliados que haviam se tornado adversários devido a suas inimizades com os espanhóis.

Inquisição a partir de 1536

Outro fator que prejudicou o comércio português foi a ação da Inquisição a partir de 1536, ao perseguir judeus e cristãos novos já convertidos. Grandes cartógrafos eram judeus, como o notável Abrão Zacuto.

Inquisição durante o Império Marítimo Português
Ilustração, You Tube.

Além disso os judeus estavam envolvidos em todo o comércio com o oriente e dominavam o tráfico negreiro. Muitos deles emigraram para Londres ou Amsterdam, carregando conhecimentos cartográficos e contatos comerciais. Outros vieram para o Brasil. Até Buenos Aires, Potosí e Lima receberam comunidades de cristãos novos portugueses.

A cobiça holandesa

Durante o século 17 posições na Ásia e no Atlântico Sul entram em profunda crise com sucessivas derrotas para os holandeses. O Ceilão, Angola, São Jorge da Mina, Moçambique, Bahia e Pernambuco passam para as mãos da companhia de comércio dos países baixos. Algumas praças retornariam ao império. Permanecem até hoje muitas dessas construções de fortificações estabelecidas pelos portugueses no passado, como testemunhos arquitetônicos exemplares da bravura, ousadia e engenhosidade desse povo navegador.

A série de artigos de José Alfredo Vidigal Pontes

Nesta série de artigos trataremos em ordem cronológica da história de seis significativas praças comerciais fortificadas portuguesas ao longo dos séculos: São Jorge da Mina, Goa, Malaca, Ormuz, Mazagão e Colônia do Sacramento, esta última intimamente vinculada ao Brasil. O Brasil se mostrará uma exceção à estratégia comercial do império português de se concentrar a princípio em cidadelas comerciais em pontos de convergência de mercadores, sem ocupação territorial. Mas essa é uma outra história!

José Alfredo Vidigal Pontes: historiador e jornalista. Graduado em História pela USP é autor de livros sobre a história do Brasil.

Comentários

6 COMENTÁRIOS

  1. Parabéns. Muito bom artigo em um assunto muito importante para nós portugueses e descendentes de portugueses. Infelizmente sinto aqui uma atmosfera hostil a Portugal, a quem tudo devemos.

    • Prezado Eduardo:

      Grato pelo comprimento.
      Realmente esse assunto é básico para entendermos a nós mesmos, portugueses e luso brasileiros!
      Muito me honra minha origem lusitana !
      Nós, os brasileiros, somos daqueles que navegaram e reproduzimos nossa herança cultural, sobretudo a língua.
      Como disseram os poetas Ruy Guerra e Chico Buarque de Hollanda, referindo-se ao Brasil colonial
      “Ah, essa terra vai cumprir seu ideal: tornar-se um imenso Portugal !”
      Abraço,
      José Alfredo

  2. Muito interessante as informações contidas nesse post.
    Sobre o assunto vale a pena conhecer o livro de Roger Crowley – Os Conquistadores – Como Portugal forjou o primeiro império global, da editora Crítica, editado em 2016

  3. Prezada Isabel;
    Antes de mais nada desejo agradecer sua colaboração e atenção.
    Vou consultar suas preciosas indicações.
    Realmente admito que ouve um lapso de minha parte ao não mencionar que tamém eram trocadas mercadoris européias na fortaleza de Arguim, tais como tecidos e objetos de cobre.
    Entretanto, C. R. Boxer, na sua clássica obra “O Império Marítimo Português 1415-1825”, dá margem a uma ilação de que haveriam também produtos marroquinos nas mercadorias ofertadas aos locais. Isso ao citar que também eram levados cavalos e trigo dentre as mercadorias para trocas, mercadorias estas tradicionalmente compradas aos marroquinos:
    “A primeira feitoria foi estabelecida em Arguim (ao sul do Cabo Branco) por volta de 1445, numa tentativa de desviar o comércio transariano do Sudão Ocidental. Dois anos mais tarde foi construido um castelo onde os portugueses trocavam cavalos, tecidos, objetos de cobre e trigo por pó de ouro, escravos e marfim.”
    Boxer, C. R – “O Império Marítimo Português 1415-1825”, Lisboa, Edições 70, 2017, página 42.
    Atenciosamente,
    José Alfredo

  4. No Sahara Ocidental não trocavam nada de origem marroquina uma vez que não havia presença marroquina nem comércio marroquino, trocavam sim coisas com os nativos o povo saharaui. Para mais informação consultar a bibliografia na torre do tombo e ler Crónica de Guiné de Gomes Eanes de Zurara.

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