O fim da pesca comercial da lagosta

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O fim da pesca comercial da lagosta ou Lagosta à la Sumiço

A primeira Guerra da Lagosta, nos 1960, foi evitada. Mas o conflito entre a pesca artesanal e a predatória  voltou a esquentar nos últimos anos. Quem paga o (caríssimo) prato é o pobre crustáceo, que está acabando. Lagosta à la Sumiço é uma matéria publicada em O Estado de S. Paulo pelo jornalista José Orenstein. Nosso tema é o fim da pesca comercial da lagosta.

Praia Redonda, Ceará

Mar azul, céu ainda mais azul. Na última sexta-feira, na Praia da Redonda, litoral leste do Ceará, cinco jangadas a vela apontavam no horizonte. Passava do meio-dia, o sol deixava a areia em brasa e ficar ali, na beira da água, só se justificava pela esperança que viessem carregadas de lagostas. Uma a uma, as jangadas, que tinham saído para o mar de madrugada, foram ancorando e recolhendo as velas.

Da primeira, dois pescadores lançaram-se ao mar com pequenos baldes. Vieram nadando devagar. As ondas deram o empurrão final rumo à terra firme. E eles saíram cambaleantes, short, camiseta e boné ensopados grudados na pele. Os baldes vazios. Um deles disse:

Não tem nada. Estamos fudidos

Imagem de pescadores de lagostas o Ceará
“Este é o pior ano de pesca de lagosta que já vi”, Geraldo Bidéi, o decano da praia, de 65 anos – 58 de pesca. FOTOS: Filipe Araújo/Estadão.

O fim da pesca comercial da lagosta: um dia inteiro no mar e apenas  duas unidades pescadas

A cena se repetiu naquela tarde, quando apenas duas lagostas foram capturadas após um dia inteiro no mar. Quem as exibiu, meio envergonhado, meio orgulhoso, foi Leudo Ferreira, de 36 anos. Mas ele é exceção entre os 800 pescadores da Redonda: os baldes vazios têm sido rotina.

Pior ano para pesca da lagosta

Geraldo Bidéi, o decano da praia, de 65 anos – 58 de pesca, disse:

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É o pior ano para pesca da lagosta que já vi

Os colegas concordam. Há 20 anos, na Redonda, cada pescador trazia, em média, 50 kg a 60 kg de lagosta por dia. Hoje não se pesca isso num ano.

Na Praia da Redonda a pesca de lagosta é artesanal: barcos à vela, armadilha feita de madeira e rede de náilon, o manzuá.

Crack: disseminado entre pescadores apressa o fim da pesca comercial da lagosta

Nas outras praias, a pesca é feita com barcos motorizados e marambaias – tambores de ferro usados como armadilha. Os pescadores achatam os tambores aos milhares e os atiram no mar. Marcando a localização com GPS.

As lagostas entram nessas armadilhas e, sem espaço para se virar e sair, acabam capturadas por mergulhadores. Eles descem a até 30 metros de profundidade com ajuda de um precário sistema de compressão de ar em botijão de gás.

Para criar coragem, muitos usam crack. Ou descem em apneia, com risco de embolia pulmonar. Acidentes fatais são frequentes e o método, arriscado, é proibido.

Mergulhadores são chamados de piratas pelos pescadores

Chamados de piratas pelos pescadores da Redonda, os pescadores de compressor são acusados de terem acabado com a lagosta da região. A disputa entre eles já deixou três mortos, numa briga que se arrasta há mais de 20 anos e expõe a insustentabilidade da produção de lagostas no Brasil.

Imagem de pescador com lagosta na mão
Os pescadores retiram manzuá do mar em forma de protesto contra a pesca predadora de lagosta feita por mergulhadores. Imagem, O Estado de S. Paulo.

Pesca com o manzuá, única permitida por Lei

A pesca com o manzuá, como é feita na Redonda, é a única permitida por lei. Os pescadores saem por volta das cinco da manhã e lançam a armadilha a até 30 quilômetros da costa. No meio do manzuá, uma cabeça de bagre serve de isca. Deixam lá por um dia e voltam para recolher as  que caíram na armadilha.

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Lagosta à la Sumiço, imagem da armadilha manzuá
Lagosta à La sumiço

A pesca como é praticada nas praias vizinhas é ilegal. No entanto, é a que mais cresce e ameaça a lagosta no Ceará, o Estado que mais produz o crustáceo, e também no Rio Grande do Norte e Pernambuco, os outros grandes produtores – onde nem há mais pesca de manzuá.

Por ali, lagosta só com rede, marambaia e mergulhador.

Estatísticas da pesca de lagostas

E o problema se agrava: desde 2008, quando o Ibama parou de fazer relatórios, não há dados precisos da produção pesqueira no Brasil. Os dados mais confiáveis são os de exportação. O quadro é preocupante: no ano passado saíram 2.261 toneladas do Ceará até o fim de novembro. Neste ano, foram apenas 1.113 toneladas até agora.

Pescadores da Redonda fizeram  protesto

Os pescadores da Redonda fizeram um protesto em Fortaleza. Reivindicam fiscalização. E a situação está tão ruim que eles já decidiram parar de pescar um mês antes do defeso – que vai de dezembro a maio. A maioria não respeita a proibição. Paulo Lira, engenheiro de pesca, explica:

No último defeso se comprava lagosta fresca todo dia no mercado de Mucuripe. É um problema seriíssimo de sobrepesca.

A continuar nessa toada, a renovação desse cobiçado fruto do mar no Brasil fica comprometida. E a lagosta, cada vez mais rara, cara e menor.

A Guerra das Lagostas: Brasil x França

Em janeiro de 1962, o pesqueiro francês Cassiopée capturava lagostas na costa do Nordeste quando foi apresado pela corveta Ipiranga. Deflagrou-se uma disputa diplomática incensada pela opinião pública.

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Os brasileiros reclamavam que os gauleses pescavam com rede, enquanto eles só usavam o covo. Os líderes dos dois países, Jango Goulart e Charles de Gaulle, tiveram de se acertar para evitar um confronto militar.

Os franceses acabaram batendo em retirada e encerrou-se a Guerra da Lagosta -sem mortos ou feridos.

O fim da pesca comercial da lagosta: artesanais x profissionais

Meio século depois, a história se repete, invertendo a máxima: primeiro foi farsa, agora é tragédia. No pequeno município de Icapuí, no Ceará, dois moradores da Praia da Redonda e um da Barrinha morreram na disputa pelo crustáceo.

O confronto teve início em 1989, quando barcos motorizados ameaçaram a pesca de barco à vela da Praia da Redonda. “A gente passa 6 meses preservando e eles passam 12 pescando”, diz o pescador da Redonda Eduardo Batista, de 47 anos, que reclama da falta de fiscalização no período do defeso, quando a pesca da lagosta é proibida.

Onze  barcos motorizados com ajuda de compressores…

Há dois anos, ele e os companheiros caçaram em alto mar 11 barcos motorizados que pescavam com ajuda de compressores. Jogaram todos na terra e até queimaram um deles. A Polícia Federal interveio e interditou a embarcação dos redondeiros.

A violência amainou este ano. Um muro pintado na rua da Praia na Redonda pede paz. Só que a inédita escassez de lagosta aumentou a rivalidade latente.

Os pescadores da Redonda planejam ficar 18 meses sem pescar lagosta. Mas insistem que não adianta parar de tirá-la do mar se não houver quem impeça a pesca predatória nas praias vizinhas.

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Ausência de fiscalização contribui para o fim da pesca comercial da lagosta

Cabe ao Ibama policiar a pesca ilegal. Mas o trabalho da agência esbarra nos poucos recursos. A superintendência do Ceará tem apenas um barco para cuidar de 573 quilômetros de costa – com mais de cem pontos de desembarque e 1.943 barcos autorizados a pescar lagosta.

A embarcação sai uma vez por mês e passa 15 dias no mar com fiscais e policiais ambientais armados com balas de borracha (em todo o Brasil o Ibama tem apenas três barcos para fiscalizar a costa brasileira).

Barcos fogem de fiscalização ineficiente

Em setembro, a tripulação de um barco flagrado pescando com rede se encapuzou, cobriu o nome com graxa e foi para cima do Ibama. “Não afundaram a gente por milagre”, conta Rolfran Ribeiro, coordenador da fiscalização. “Trabalho há 30 anos nisso. Não damos conta.”

Na Redonda, e também nas praias vizinhas, a lagosta é a ocupação natural dos homens. Na barraca do Carlinhos, a suculenta lagosta, frita no alho e óleo, sai por R$ 40. Mas nem todos podem investir no comércio.

“Criei meus filhos no mar, mas eles estão com medo de criar os deles também”, diz Francisco Pereira da Silva, de 53 anos. O Bolsa Família ajuda, mas não é suficiente, diz Francisco, que recebe R$ 70 por mês, mas diz gastar R$ 90 só com eletricidade na casa onde mora com cinco filhos.

“A gente vive do mar. Do jeito que está não vai dar. Já tem gente passando fome.”

O fim da pesca comercial da lagosta e a responsabilidade do consumidor

Grelhada, à thermidor, cozida no vapor. Aquela carne branca de sabor suave da lagosta que chega à sua mesa, geralmente com a carapaça, é, muito provavelmente, de origem ilegal. Do mar ao mercado, e do mercado à mesa, o controle de legalidade se dissolve como sal na água.

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É preciso saber a procedência do pescado

A procedência das lagostas vendidas em São Paulo, assim como em muitas outras cidades no Brasil e no exterior, é incerta. Não por culpa de quem compra, mas quase sempre de quem vende os crustáceos.

O que acontece é que qualquer barco pesqueiro – de qualquer tipo – que possuir uma licença do Ministério da Pesca está tecnicamente autorizado a vender lagosta.

Os pescadores, a maioria autônomos, entregam as lagostas a intermediários. Estes reúnem as unidades do crustáceo ao longo da costa para limpeza e embalagem, distribuindo-as tanto no mercado interno quanto no externo.

Lagosta, o ouro do mar

A lagosta é o ouro do mar e um símbolo de sofisticação. Contudo, nem sempre foi assim. Antes, as pessoas a chamavam de aranha do mar e a usavam como isca. Nos Estados Unidos, antes de se tornar um prato chique, a lagosta era tão comum que servia de alimento em presídios, mas limitada a uma vez por semana..

Brasil, até os anos 1950, a lagosta era desprezada

No Brasil, até os anos 1950, a lagosta era desprezada. E seu status mudou depois da guerra, por causa de um oficial da Marinha americano, Davis Morgan, que percebeu sua abundância na costa tropical.

Lagostas: do Amapá até o Espírito Santo

O Brasil tem lagostas do Amapá até o Espírito Santo. E o Ceará é o lugar ideal: águas quentes, claras e calcárias.

Até hoje cerca de 90% da lagosta brasileira vai para o exterior

Morgan comprava aqui a preço de banana e revendia lá pelo preço de comida de luxo. Os brasileiros perceberam, a lagosta thermidor apareceu nos cardápios do Rio de Janeiro e o negócio cresceu, puxado pela exportação.

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Até hoje, cerca de 90% da lagosta brasileira vai para o exterior. A Panulirus argus, a lagosta vermelha, maior, tem mais saída, mas vende-se também a Panulirus laevicauda, a lagosta verde. Com a crise econômica, a demanda diminuiu nos países ricos, o preço caiu e cresceu espaço para o mercado interno.

A boa notícia sobre a criação de lagostas

A empresa a Prime Seafood, fundada em 2012 em Alcobaça, sul da Bahia. É a primeira fazenda marinha em terra do Brasil. Atualmente (2023), a empresa vende metade das lagostas vivas criadas no país para os principais mercados internacionais: Estados Unidos e China.

A criação de lagostas em cativeiro é recente no mundo. Portanto, é uma ótima notícia saber que o País já tem empresas certificadas que criam o crustáceo de forma sustentável. É o primeiro passo para uma futura repovoação.

A partir de matéria de JOSÉ ORENSTEIN – O Estado de S.Paulo

(A foto da matéria é de autoria de ronilsonpaz.blogspot.com)

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